RECURSO ESPECIAL Nº 1.852.362/SP – MIN. HUMBERTO MARTINS

RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

RECORRIDO: CLARO S.A. – SUCESSORA DE NET SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO S/A

TESE
Por maioria de 4 a 1, o STJ reconheceu a abusividade da cláusula que responsabiliza o consumidor pela integridade dos aparelhos recebidos em contrato de prestação de serviço de TV por assinatura. Em seu voto, o ministro relator, Humberto Martins, destacou que esse tipo de cláusula representa desequilíbrio contratual e coloca o consumidor em desvantagem exagerada. Não é possível verificar a conformidade das cláusulas com as normas da Anatel, uma vez que:

  • nenhuma norma da agência trata de assunção de responsabilidade diante de caso fortuito ou força maior; e
  • normas de agências reguladoras não podem contrariar as normas legais que regem o sistema protetivo do consumidor.

O ministro Moura Ribeiro acompanhou o relator, frisando que a entrega do equipamento é essencial para o fornecimento do serviço por atender ao interesse da própria operadora, que deve arcar com os riscos do negócio. Restou vencido o ministro Marco Aurélio Bellizze, que abriu divergência e votou por negar provimento ao recurso especial.

EMENTA

“RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CIVIL E CONSUMIDOR. CONTRATO DE ADESÃO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE TV POR ASSINATURA E INTERNET. LOCAÇÃO E COMODATO. CLÁUSULAS CONTRATUAIS DE ASSUNÇÃO DE RESPONSABILIDADE INTEGRAL PELO CONSUMIDOR POR EQUIPAMENTOS INSTALADOS PELA FORNECEDORA, EM HIPÓTESES DE DANO, PERDA, FURTO, ROUBO, EXTRAVIO, CASO FORTUITO OU FORÇA MAIOR. ABUSIVIDADE CONSTATADA. IMPOSIÇÃO DE DESVANTAGEM EXAGERADA AO CONSUMIDOR. NULIDADE DAS CLÁUSULAS CONFIGURADA. COISA JULGADA ERGA OMNES.

1. Em contratos de adesão, como os de prestação de serviços de TV por assinatura e internet, mesmo que se reconheça a autonomia da vontade (autodeterminação) do contratante na escolha da prestadora do serviço, o consumidor não tem liberdade de escolher a pessoa jurídica com quem celebrará o contrato de comodato ou locação dos equipamentos necessários para a fruição do serviço.

2. Os negócios jurídicos em questão são complexos. No caso, a locação e o comodato (que costumam ser contratos principais no Direito Civil) figuram como contratos acessórios para o Direito Consumerista, já que são uma decorrência obrigatória da contratação principal da prestação de serviços pelo consumidor.

3. Nem sempre se pode apontar uma solução civil para uma questão de consumo, do mesmo modo que não se pode aplicar acriticamente o CDC a relações típicas do Direito Civil, sob pena de perda dos referenciais teóricos não somente dessas duas disciplinas como também de outras, quando postas, sem nenhuma contextualização, sob indevido atropelo da autonomia de suas dogmáticas e de seus estatutos epistemológicos.

4. A entrega do equipamento ao consumidor é essencial para a prestação do serviço pela operadora (interesse da fornecedora); porém, não interessam ao usuário os aparelhos a serem utilizados pela operadora para a referida prestação do serviço, e sim a efetiva recepção e fruição do sinal de rede/televisivo (interesse do consumidor). Não cabe à parte mais fraca suportar a integral responsabilidade pelos riscos por estar na posse de coisa que serve diretamente aos interesses da prestadora de serviços.

5. A manutenção das cláusulas de assunção integral do risco constantes de contratos de adesão, redigidos unilateralmente pelo fornecedor, representa prática abusiva e desequilíbrio contratual, pondo o consumidor em desvantagem exagerada.

6. Normas de agências reguladoras não podem contrariar a lei, inclusive – e especialmente – aquela que rege o sistema protetivo do consumidor. Recurso especial provido.”