O governo federal publicou hoje, 27 de agosto, o Decreto 12.153/24, conhecido como “Decreto do Gás para Empregar”, que traz mudanças importantes no setor de gás natural e amplia as atribuições da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) em relação a temas discutidos no âmbito do Programa Gás para Empregar.

A nova norma altera o Decreto 10.712/21, abordando questões como a produção de gás natural, o acesso de terceiros às infraestruturas essenciais e o transporte de gás. Entre as infraestruturas mencionadas estão os gasodutos de escoamento, as unidades de tratamento e processamento de gás, e a estocagem subterrânea, excluindo os terminais de GNL.

Instituído pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), o Programa Gás para Empregar buscava otimizar o aproveitamento do gás natural no Brasil. Em março de 2023, foi estabelecido um grupo de trabalho responsável por realizar estudos e conduzir debates, envolvendo agentes do mercado. O foco era aumentar a disponibilidade do gás natural no mercado nacional, expandir o número de operadores no setor e avaliar o papel do gás natural na transição energética do país.

O mercado aguardava com interesse as recomendações finais do CNPE sobre os estudos realizados pelo grupo de trabalho. Temas como níveis de produção, reinjeção de gás, acesso a infraestruturas e ampliação dos sistemas de transporte foram debatidos regularmente. Com a publicação do novo decreto, espera-se que a ANP tenha papel central na implementação das medidas que visam aprimorar o setor e impulsionar a transição energética brasileira.

Para tratar da coordenação e do planejamento do setor, o Decreto 12.153/24 cria o Plano Nacional Integrado das Infraestruturas de Gás Natural e Biometano, atribuindo à Empresa de Pesquisa Energética (EPE) a função de elaborar tal plano e atuar na coordenação do desenvolvimento do setor.

Esse plano teria como objetivo principal a organização e o planejamento das infraestruturas relacionadas ao setor de gás natural, incluindo seus derivados, biometano e energéticos equivalentes, para atender à demanda estimada da sociedade no período de dez anos, em aparente sinergia com as indicações do Plano Decenal de Expansão de Energia.

O Decreto do Gás para Empregar menciona uma série de alterações e regulamentações relacionadas ao setor de gás natural, com destaque para:

  1. Harmonização das regulações federal, distrital e estaduais relativas à indústria de gás natural.
  2. Competências da ANP na regulamentação e proteção dos interesses do consumidor.
  3. Tratamento regulatório para as infraestruturas essenciais, excluídos os terminais de GNL.
  4. Transparência das informações de acesso, operacionais e econômicas das infraestruturas e atividades da cadeia do gás natural.
  5. Dimensionamento de capacidades de produção e de infraestruturas para atendimento à demanda futura ou ampliações de capacidade.

O Decreto do Gás para Empregar aborda questões relacionadas a:

  • expansão das infraestruturas;
  • garantia de remuneração justa para os investidores;
  • monitoramento da segurança do abastecimento;
  • promoção da articulação entre produtores de petróleo;
  • gás natural, biogás e biometano; e
  • estabelecimento de limites à exportação de gás natural quando identificado que a oferta futura não será suficiente para atender à demanda dos consumidores nacionais.
  • publicidade das informações sobre reservas, produção e projeções de produção de petróleo e gás natural;
  • avaliação da utilização de unidades de produção de gás natural compartilhadas entre vários campos;
  • transferência entre unidades de produção existentes com capacidade de processamento de gás natural ociosa;
  • revisão dos planos e projetos de desenvolvimento e produção em caso de aumento do volume de produção de gás natural;
  • determinação de ampliações de capacidades e adequações das infraestruturas de produção, escoamento, tratamento, processamento e transporte de gás natural;
  • elaboração do Plano Nacional Integrado das Infraestruturas de Gás Natural e Biometano pela EPE; e
  • outros aspectos relacionados ao planejamento da segurança energética nacional.

Para as infraestruturas essenciais, o decreto prevê a aprovação da ANP em relação a propostas de base regulatória de ativos, tarifas/preços de acesso, critérios de reajuste anual e ações regulatórias durante o período de transição.

Atribuições da ANP e da EPE

A ANP e a EPE têm papéis específicos na elaboração de estudos, planos e projetos relacionados ao setor de gás natural, abrangendo instalações e infraestruturas de tratamento, processamento, estocagem, escoamento e transporte de gás natural, biometano e energéticos equivalentes, no dimensionamento das capacidades das instalações e infraestruturas necessárias ao escoamento e processamento de gás natural, entre outras.

O Ministério de Minas e Energia é responsável por aprovar o Plano Nacional Integrado das Infraestruturas de Gás Natural e Biometano, enquanto a EPE realizará processos de consulta pública para validar os estudos e o plano, divulgando informações de interesse público.

A ANP considerará as infraestruturas definidas no plano para o processo de autorização e ofertará a outorga da autorização para as atividades das infraestruturas por meio de processo seletivo público para escolha do projeto mais vantajoso, considerando aspectos técnicos e econômicos.

A agência poderá outorgar autorização para infraestruturas que não estejam previstas no Plano Nacional Integrado das Infraestruturas de Gás Natural e Biometano, desde que sejam compatíveis com o planejamento setorial e não prejudiquem o uso eficiente e compartilhado das infraestruturas existentes.

Por outro lado, a ANP poderá indeferir pedidos de autorização ou revogar a autorização em casos específicos, como o descumprimento da regulação estabelecida ou se houver risco ao uso eficiente das demais infraestruturas existentes.

Além disso, a ANP deverá dar publicidade aos projetos de construção de gasodutos de escoamento e unidades de processamento de gás natural, coordenar os interesses dos agentes envolvidos no acesso às infraestruturas e adotar medidas caso a oferta de gás natural seja menor do que a demanda nacional.

Para a outorga da autorização para projetos de instalações de escoamento, processamento, tratamento, transporte e estocagem subterrânea, serão exigidos do interessado, sem prejuízo de outros requisitos, um conjunto de informações e documentos, como:

  • plano de negócios do investimento da instalação;
  • potencial de ampliação da capacidade;
  • fluxo de caixa projetado para o investimento;
  • critérios econômicos adotados; e
  • cronograma físico-financeiro do projeto.

Já para o acesso não discriminatório e negociado a tais infraestruturas, a negociação deve primar pela cooperação ativa de todos os envolvidos na negociação, a condução das negociações de forma íntegra e de boa-fé, a divulgação prévia das condições de acesso negociado, entre outros aspectos.

A ANP pode atuar para verificar controvérsias entre as partes durante a negociação do acesso e, na hipótese de necessidade e viabilidade técnica e econômica, pode determinar a ampliação de infraestrutura para atender ao acesso de terceiros interessados.

Os operadores das infraestruturas devem fornecer gratuitamente informações operacionais, técnicas, econômicas e de capacidades disponíveis aos potenciais usuários interessados no acesso. Devem também apresentar todas as características técnicas, operacionais e econômicas das infraestruturas em um portal eletrônico único, facilitando o acesso da sociedade a essas informações. A contar da publicação do decreto, eles têm 180 dias para apresentar à ANP informações sobre sua base regulatória de ativos.

Também está prevista a possibilidade de celebração de termos de ajustamento de conduta com os agentes do setor, caso sejam identificados indícios de comportamentos que dificultem a abertura do mercado de gás natural, conforme o Art. 22-E.

A ANP poderá requerer a adequação de instrumentos como contratos de suprimento e acesso às infraestruturas. Pode também estabelecer restrições e condições para utilização das infraestruturas, visando promover a concorrência entre os agentes. Além disso, a ANP deve comunicar imediatamente aos órgãos de defesa da concorrência quando tomar conhecimento de fatos que possam configurar infração à ordem econômica, conforme o art. 22-F.

Ainda não está claro como a ANP vai regular essas disposições, mas é possível vislumbrar uma clara ampliação de poderes da agência. Com base em sua "discricionariedade técnica", a ANP poderá exercer maior controle sobre o mercado de gás natural brasileiro.