O STJ (Superior Tribunal de Justiça) decidiu recentemente que transmissões via streaming são modalidades de “execução pública” passíveis de nova cobrança de direitos autorais pelo Ecad (Escritório Central de Arrecadação de Direito Autoral).

Até esse posicionamento do STJ, os acordos para disponibilizar conteúdos de áudio em streaming eram firmados somente entre a gravadora detentora dos direitos comerciais, o intérprete e/ou o autor da obra, sua editora e/ou gravadora, em conjunto com a empresa provedora do serviço de streaming.

A partir desses julgados, além dessa remuneração, o Ecad também é sujeito ativo para a cobrança de valores devidos por execução pública de fonogramas– e deverá repassá-los aos detentores do direito autoral. Em relação a esse tema, cabe analisar o panorama legal para esclarecer três aspectos: i) o critério para a cobrança pelo Ecad; ii) a competência do Ecad; e iii) a intepretação do STJ de que streaming é modalidade de exploração comercial.

O art. 99 da Lei Federal nº 9.610/98 (Lei de Direitos Autorais) cria o Ecad – entidade privada, sem fins lucrativos, que centraliza, otimiza e fiscaliza a arrecadação de direitos autorias referentes a execuções públicas musicais – e dá competência ao órgão para arrecadar e distribuir valores de direitos autorais aos intérpretes e compositores de obras em execuções públicas.

Paralelamente ao Ecad, os titulares desses direitos – músicos, intérpretes e compositores – formam associações de gestão coletiva de direitos autorais, como a Abramus (Associação Brasileira de Músicos e Intérpretes), a Amar (Associação de Músicos, Arranjadores e Regentes) e a Assim (Associação de Intérpretes e Músicos). Essas associações representam os interesses dos autores e intérpretes, e, por sua vez, cobram de forma coletiva os direitos autorais e também auxiliam na distribuição dos valores arrecadados pelo Ecad aos artistas.

Esse é um cenário diferente da forma contratual pela qual, por exemplo, um intérprete, compositor ou produtor cede seus direitos autorais sobre determinada obra contratualmente, sem a necessidade de uma associação de gestão coletiva. Pode-se fazer um paralelo aqui entre uma venda de CDs e direitos autorais da execução das obras em um bar. O primeiro envolve acordo contratual para a remuneração dos direitos autorais (por exemplo, gravadora e artista firmam um acordo para remunerar a distribuição da receita de venda dos CDs), enquanto no outro há cobrança pela execução pública da obra (tocar a música em determinado local de frequência coletiva). Ambos envolvem direitos autorais dos artistas. Os critérios, porém, são diferentes: em um caso há aquisição de um produto, no qual a obra do autor está gravada; no outro, a obra é executada em local público – o exemplo clássico da execução pública.

Na distinção desses dois exemplos, cabe definir o termo “execução pública” e se nele se enquadra o serviço via streaming.

Ao oferecer o conteúdo on-line, o serviço de streaming estaria: i) disponibilizando a obra para ser acessada e utilizada pelo público ou ii) executando publicamente aquela obra? O STJ entendeu que se trata da segunda hipótese para todas as formas de streaming (que atualmente pode ser feito via simulcasting – transmissão simultânea de determinado conteúdo através de canais de comunicação diferentes – e webcasting, que é a transmissão de conteúdo pelo provedor via internet, com possibilidade ou não de intervenção do usuário na execução).

Para o STJ, a internet é um local de frequência coletiva por colocar o conteúdo à disposição de um público amplo. Sendo assim, a execução pública decorre do ato do provedor de disponibilizar a obra a todos, independentemente da maneira como ela é utilizada pelo receptor. Com esse conceito geral e amplo, serviços como Netflix e Spotify fariam execução pública pela internet em um local de frequência coletiva. Mesmo sendo uma empresa que não disponibiliza conteúdo fonográfico no Brasil, o Netflix estaria sujeito à cobrança de direito autoral por disponibilizar conteúdo audiovisual que utiliza obras fonográficas. O Ecad já cobra canais de televisão nessa modalidade, por exemplo.

Nosso entendimento sobre a questão é contrário: o streaming é uma tecnologia, não uma modalidade de exploração comercial. E, sendo uma tecnologia, ela possibilita diversas formas de exploração comercial. O entendimento majoritário do STJ não compreende essas diversas formas de exploração, que devem ser analisadas individualmente quanto à possibilidade ou não de cobrança via Ecad.

Disponibilizar acesso não necessariamente significa execução pública, mas sim colocar uma obra à disposição do público, como um CD na prateleira da loja. Caso aquele que utiliza o streaming queira executar publicamente esse conteúdo, cabe a ele arcar com a distribuição de direitos autorais pelo Ecad. Ou seja, o critério de execução pública não cabe de forma geral e irrestrita ao serviço de streaming.

Nesse sentido, deve ser feita uma ressalva em relação aos serviços de rádio on-line e outros de streaming simulcasting (modalidade de transmissão de conteúdo produzido ao vivo, análoga às rádios). Nesses serviços, deve incidir a distribuição ao Ecad, pois há transmissão de um sinal já determinado, sem qualquer interação do usuário para selecionar qual conteúdo ouvir.

A função do escritório de arrecadação (Ecad) e de entidades de gestão coletiva de direitos autorais é facilitar e maximizar a captação de direitos autorais dos artistas, principalmente diante de situações de difícil mensuração, como bares, academias, hotéis, cinemas, hospitais. No ambiente da internet e dos serviços de streaming, a apuração de dados sobre número de visitantes e consumidores é muito mais precisa. Sem falar que, muitas vezes, há um acordo contratual estruturado entre artistas e o provedor do serviço.

Além disso, existem atualmente diversas variedades de serviços de streaming: rádios on-line (simulcasting puro), serviços de streaming com download, serviços sem download, plataformas de conteúdo em que o próprio autor da obra coloca seu conteúdo – ao vivo e gravado (YouTube, SoundCloud, Vimeo, DailyMotion, Facebook, Instagram e tantos outros). Incidiriam sobre todos eles cobrança via Ecad? Não, mas a decisão do STJ, que foi geral e ampla, coloca todos esses canais em um mesmo grupo.

Não se trata aqui de defender que direitos autorais e sua devida remuneração não devem ser respeitados – muito pelo contrário! O que se defende é que a cobrança via Ecad, pelo fundamento legal de execução pública, não se aplica de forma irrestrita ao serviço de streaming.

Nos serviços que funcionam apenas como um meio para disponibilização de conteúdo pelo próprio autor, como o YouTube, por exemplo, não seria cabível cobrança via Ecad a essas plataformas, pois quem dispõe do conteúdo é o próprio autor. Mais uma vez, o STJ não levou em conta essa particularidade.

As decisões recentes abrem um precedente perigoso para muitas plataformas de divulgação de conteúdo, mesmo que gratuitas, terem de incorrer no pagamento de valores ao Ecad por permitir que utilizem seu espaço.

Devemos aguardar o desenrolar do caso, pois o STJ admitiu um Recurso Extraordinário no REsp nº 1.559.264-RJ, razão pela qual a matéria será novamente discutida no Supremo Tribunal Federal (STF). Caberá agora ao STF a missão de julgar se o streaming é uma tecnologia, com diferentes modelos de negócio, que nem sempre podem ser qualificados como execução pública.