Encaminhado ao Congresso Nacional pelo presidente da República, Michel Temer, em 22 de janeiro, o Projeto de Lei nº 9.463/2018 deve suscitar importantes debates durante sua tramitação nos próximos meses. O texto recomenda a inclusão da Eletrobras (Centrais Elétricas Brasileiras S.A.) no Plano Nacional de Desestatização (PND) e estabelece as regras e condições desse procedimento.

De acordo com a exposição de motivos do PL 9.463/2018, o projeto objetiva: (i) ampliar oportunidades de investimento; (ii) expandir a qualidade da infraestrutura pública; (iii) assegurar a oferta de energia elétrica de forma eficiente e pelo menor preço para a sociedade brasileira; (iv) aperfeiçoar a governança da Eletrobras; (v) valorizar o patrimônio da União, que atualmente encontra-se desvalorizado em bolsa de valores; (vi) valorizar e desenvolver o mercado de capitais brasileiro; e (vii) aumentar a participação direta da sociedade brasileira no capital da Eletrobras.

A Eletrobras detém cerca de 30,7% da capacidade de geração de energia elétrica do Brasil (47 GW instalados em 239 usinas) e 70,3 mil quilômetros de linhas de transmissão (representando 51,7% do total do sistema elétrico nacional). Trata-se da maior holding do setor elétrico da América Latina e da 16ª maior empresa de energia do mundo.

Desestatizar uma empresa desse porte poderá representar desafios significativos, especialmente considerando o ambiente político atual. Para tanto, o PL 9.463/2018 propõe que a desestatização se dê pelo aumento do capital social mediante subscrição pública de ações ordinárias, sem que a União Federal acompanhe essa subscrição. O objetivo é diluir a participação estatal até que ela deixe de ser majoritária (Art. 1º, §1º). Esse aumento de capital poderá ser acompanhado de oferta pública secundária de ações de propriedade da União para assegurar a diluição da participação estatal (Art. 1º, §2º).

Além disso, a promoção da desestatização contará também com autorização legislativa para que a União conceda novas outorgas de concessões de geração de energia elétrica à iniciativa privada pelo prazo de 30 anos (Art. 2º, caput), abrangendo as usinas sob titularidade ou controle, direto ou indireto, da Eletrobras, como as que (i) tenham sido prorrogadas nos termos da Lei nº 12.783/2013; (ii) sejam alcançadas pelo inciso II do §2º do art. 22 da Lei nº 11.943/2009; ou pelo (iii) §3º do art. 10 da Lei nº 13.182/2015 (Art. 2º, §§1º ao 3º). Essas concessões passarão do regime de quotas para o regime de produção independente de energia e poderão comercializar energia livremente no mercado regulado (com as distribuidoras de energia elétrica, em leilões organizados pela Aneel) ou no mercado livre, realocando-se o risco hidrológico da sociedade para as próprias usinas.

O programa de desestatização está baseado, resumidamente, nas seguintes ações: (i) celebração de novos contratos de concessão de geração de energia elétrica (o que exigirá pagamento pela outorga dos novos contratos de concessão para que a Eletrobras se torne uma empresa privada) (Art.3º, I); (ii) celebração de termos aditivos aos contratos de concessão de transmissão de energia elétrica, visando repactuar valores relacionados ao pagamento da indenização devida por ativos não amortizados ou não indenizados (Art. 3º, II); e (iii) alteração do estatuto social para: (a) criar ação preferencial de classe especial (golden share) de propriedade exclusiva da União, que terá poder de veto nas hipóteses de liquidação, de modificação do objeto, das sedes e da denominação social da Eletrobras e das subsidiárias e de alteração do estatuto social nos temas a seguir; (b) impedir que qualquer acionista ou grupo de acionistas, nacionais ou estrangeiros, possa exercer votos em número superior a 10%; (c) vedar a realização de acordos de acionistas para o exercício de direito de voto, exceto se o bloco detiver menos de 10%; e (d) assegurar à União, detentora da golden share, o direito de indicar membro adicional ao conselho de administração, além indicar membros em decorrência e na proporção da titularidade das ações detidas pela União e pelos demais entes da administração pública (Art. 3º, III e §2º).

O patamar máximo para o exercício de direito ao voto em 10% foi proposto para evitar que a Eletrobras seja negociada a um agente já estabelecido no setor elétrico, concentrando mercado e inibindo a competição. Objetiva-se democratizar o capital da companhia, seguindo o exemplo de outras corporações brasileiras de sucesso.

Além disso, a desestatização estará condicionada ao ingresso de capital em montante mínimo a ser definido pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) (Art. 3º, §4º), ainda pendente.

Demais disposições relevantes envolvem a autorização para criar uma sociedade de economia mista dedicada ao controle da Eletrobras Termonuclear S.A. (Eletronuclear) e à gestão do contrato de Itaipu Binacional (Art. 3º, IV, e Art. 9º), bem como: (i) o desenvolvimento de programa de revitalização dos recursos hídricos da bacia do Rio São Francisco diretamente pela Eletrobras, ou indiretamente pela Companhia Hidrelétrica do São Francisco – Chesf (Art. 3º, V), utilizando-se da valorização decorrente da mudança do regime de quotas para o regime de produção independente de energia em ações que gerem recarga das vazões afluentes e ampliem a flexibilidade operativa dos reservatórios, sem prejudicar o uso prioritário e o uso múltiplo dos recursos hídricos; (ii) a manutenção do Centro de Pesquisas de Energia Elétrica (Cepel) pelo prazo de quatro anos (Art. 3º, VII); e (iii) a manutenção dos direitos e obrigações relativos (a) à primeira etapa do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa) até a extinção dos contratos, que não poderão ser prorrogados, (b) aos contratos de financiamento que utilizem recursos da Reserva Global de Reversão (RGR) celebrados até 17 de novembro de 2016, e (c) ao Programa Nacional de Universalização do Acesso e Uso da Energia Elétrica – Luz para Todos até 31 de dezembro de 2018, atualmente gerido pela Eletrobras, mas de incumbência das distribuidoras de energia elétrica.

Uma vez aprovado o PL 9.463/2018 pelo Congresso Nacional, com sua posterior publicação como lei, caberá ainda à assembleia geral de acionistas da Eletrobras decidir pela adesão ou não aos termos e condições da desestatização previstas em lei, sendo que a União não poderá participar dessa deliberação na qualidade de acionista. Isso porque o PL 9.463/2018 prevê que a União não poderá exercer direito de voto sobre a aceitação dos termos e condições da desestatização da companhia. O objetivo é evitar situação de conflito de interesse quando de sua deliberação no âmbito da assembleia geral de acionistas da Eletrobras.

O atual posicionamento do governo federal diverge do adotado pelo governo da então presidente Dilma Rousseff, quando da aprovação pela União, como acionista da Eletrobras, da adesão da companhia ao regime de quotas para fins de prorrogação de algumas de suas concessões, no âmbito da Lei nº 12.783/2013. Tal fato pode trazer interessante precedente para outras empresas estatais.

O modelo adotado na formulação do PL 9.463/201 reflete claramente uma tentativa do governo brasileiro de conciliar pressões contrárias à desestatização da maior estatal brasileira do setor elétrico. Entendemos que, até ser aprovado pelo Congresso Nacional, o projeto passará por mudanças, que deverão ser acompanhadas atentamente pelos profissionais do setor.