Por Fernanda Sá Freire e  Ricardo Maitto

Brasil passa por uma grave crise econômica, com reflexos na arrecadação de receitas tributárias da União, dos Estados e dos Municípios. O atual cenário reforça a tensão entre a Administração Pública - que precisa arrecadar recursos para financiar um Estado ineficiente - e os setores produtivos - que estão expostos a um sistema tributário cada vez mais complexo. É natural, portanto, que exista um elevado número de litígios tributários.

Se é verdade que parte das disputas tem origem em situações de sonegação fiscal, na maioria dos casos as discussões decorrem de divergências na interpretação das normas. A Administração Tributária contribuiu para esse quadro: no lugar de criar mecanismos de simplificação, ela própria é responsável pela proliferação de normas tributárias. Ao mesmo tempo, há um progressivo aparelhamento dos órgãos de fiscalização, aos quais são atribuídas metas de desempenho em função do número de autuações.

Diante desse cenário, é fundamental que os litígios tributários estejam submetidos ao crivo de órgãos julgadores independentes, a exemplo dos Tribunais Administrativos. Na esfera federal, esse papel é exercido pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF).

Atualmente, o CARF passa por uma grave crise institucional, fruto de suspeitas de tráfico de influência. Como reação, há um ′′endurecimento′′ de suas decisões, em alguns casos com fundamentos técnicos imprecisos. O órgão também tem sido criticado pela ausência de paridade entre os julgadores do fisco e do contribuinte, além prerrogativa atribuída aos julgadores do fisco para o desempate das disputas. Por tais razões, as discussões no CARF têm refletido um verdadeiro ′′jogo de cartas marcadas′′, na maioria dos casos desfavorável ao contribuinte.

O Conselho Municipal de Tributos de São Paulo (CMT), criado em 2006, parece estar seguindo essa infeliz tendência. Assim como o CARF, o órgão é composto por representantes do governo municipal e dos contribuintes, para decidir, na esfera administrativa, as controvérsias tributárias entre os contribuintes e o fisco municipal.

Embora a lei que criou o CMT seja clara em relação a sua independência, um fato de preocupação para os contribuintes foi o resultado de um recente julgamento, de junho de 2016, acerca da isenção de ISS na exportação de serviços (PA nº 2014-0359680-4, julgamento em 3.6.2016). Na decisão, prevaleceu o entendimento de que julgadores estariam vinculados às interpretações adotadas pelo próprio fisco.

A caso discutia a isenção de ISS na atividade de exportação de empresa brasileira de pesquisa, mediante a coleta de informações no país, em benefício de cliente estrangeiro. Como a legislação confere isenção de ISS às exportações, ressalvados os casos de serviços desenvolvidos no país cujo resultado aqui se verifique, a controvérsia era definir onde se verificava o ′′resultado′′ da atividade.

O tema não é novo. Manifestações passadas do fisco paulistano já tinham esclarecido que o ′′resultado′′ é o local onde ocorre a fruição do serviço (Soluções de Consulta Departamento de Tributação e Julgamento do Município de São Paulo nº 19/2008 e nº 25/2008). Havia, inclusive, uma decisão da instância máxima do próprio CMT esclarecendo que o local do resultado não se confunde com o lugar onde o serviço é realizado (PA nº 2011-0.125.786-1, julgamento em 26.10.2012). Na ocasião, o Tribunal entendeu que o “local do resultado” é onde se encontra o beneficiário do serviço.

Ocorre que, em abril de 2016, a Secretaria de Finanças editou um Parecer revisitando o tema. Segundo o PN 2/16, considera-se ′′resultado′′ a própria realização da atividade, sendo irrelevante que eventuais benefícios sejam verificados no exterior.

Em que pese a ilegalidade do Parecer, o ponto de maior perplexidade é que o CMT entendeu que tal norma seria vinculante. O Relator do caso sustentou que, por tratar-se de regra ′′incorporada à legislação′′, caberia ao CMT segui-la. Assim, restou decidido que o ′′resultado′′ do serviço era a própria realização da atividade no Brasil, com a consequente descaracterização da exportação.

O raciocínio não poderia ser mais absurdo, não apenas quanto ao mérito, mas principalmente pela fundamentação. Afinal, qual seria o sentido de se criar um Tribunal Administrativo, com paridade de julgadores, caso este estivesse vinculado à posição do próprio fisco - Se isso fosse possível, bastaria que a Prefeitura editasse pareceres para fazer valer a sua intepretação.

Os Conselheiros dos contribuintes consignaram a sua discordância: admitir que um simples ato normativo possa interferir na independência de julgamento equivale a aniquilar toda a estrutura administrativa que resultou da criação do CMT. Na prática, porém, foram ′′voto vencido′′, já que coube ao julgador do fisco o voto de desempate.

A decisão do CMT representa um grave retrocesso: além de violar a independência do órgão, nega a aplicação de uma isenção legalmente assegurada. Os contribuintes devem estar atentos a tais violações ao seu direito de defesa, inclusive mediante o recurso ao Judiciário. Não há dúvida, porém, que esse episódio esvazia a importância do CMT como instrumento de justiça tributária.

(Jota-BR - 04.08.2016)

(Notícia na íntegra)