A pandemia sacudiu o mundo e o meio corporativo não ficou de fora. Há cerca de um ano, quando o novo coronavírus eclodiu em Wuhan, na China, toda a sociedade precisou se ajustar e não foram poucas as transformações e adaptações realizadas a toque de caixa. Higiene redobrada com álcool 70, uso de máscaras e outras barreiras para conter o Covid-19 foram implementadas - como número reduzido de pessoas em lojas, supermercados, a inclusão de placas de acrílico para isolar e proteger, por exemplo, os atendentes do comércio e os clientes.

Em relação à vacina, no entendimento de muitos juristas, o interesse a ser preservado é o da coletividade, e não o interesse individual de cada trabalhador | iStock
Profissionais de diferentes áreas precisaram tomar medidas rápidas para manter as atividades em dia, bem como proteger a saúde física e emocional de seus gestores e colaboradores. Colocar profissionais para trabalhar em casa, o home office, tornou-se uma das práticas, bem como houve casos de expatriação, com aqueles que atuavam fora de seu país de origem.

Diante da aprovação da vacina para imunizar a população - a primeira pessoa a ser vacinada foi uma idosa de 90 anos, Margaret Keenan, em um hospital em Coventry, região central da Inglaterra, em 8 de dezembro de 2020 - e chegamos a um novo ponto de discussão, uma vez que há quem se recuse a receber a vacina. A questão passou entrou pela porta da frente das empresas, colocando empregadores e empregados diante da dúvida.

"É possível despedir por justa causa empregado que se recusa a tomar vacina?" De tão relevante, o assunto transformou-se em um seminário recentemente. Mediado pelo advogado, Carlos Augusto Marcondes de Oliveira Monteiro, o webinário contou com a participação da advogada, professora, Doutora e Mestre em Direito do Trabalho Cristina Paranhos Olmos; do juiz do Trabalho no Tribunal Regional do Trabalho do Estado de São Paulo Fábio Augusto Branda e do juiz titular da 4ª Vara do Trabalho de São Paulo, Maurício Pereira Simões.

Carlos Augusto Marcondes de Oliveira Monteiro: "Não há lei que obrigue os empregados a tomarem vacina," no que tange a legislação trabalhista | Divulgação
O evento foi promovido Associação dos Advogados de São Paulo, (AASP), que conta com 80 mil advogados distribuídos por todo o Brasil. Trata-se da maior associação de advogados da América Latina, com 78 anos de fundação. Do ponto de vista de Monteiro, esse é um momento para a discussão, sim. "Tendo em vista o fato de alguns hospitais, por exemplo, já estarem vacinando seus empregados e sendo que muitos estão se recusando a tomar a vacina", argumenta. No que tange à legislação trabalhista, o advogado expõe: "Não diz nada, não há lei que obrigue os empregados a tomarem vacina. Trata-se de uma questão de análise dos princípios tanto da Constituição Federal, assim como do Código Civil, mas de forma expressa a Constituição Federal não traz nada", pondera.

O advogado também distingue o trabalho de home office e suas peculiaridades. "Existem dois tipos de "home office", o tradicional, quando o empregado é contratado nestes termos e o excepcional, que é a pandemia. Durante a pandemia, recomenda-se a adoção do home office e isso tem que ser analisado com base nas peculiaridades de cada profissão. Em regra, o empregador deve arcar com os custos", alerta. "Assim como os que permaneceram na empresa, ficam sob a proteção desta."

Do uso de máscaras por parte do empregado à cessão de álcool pela empresa, cada um deve fazer a sua parte. "Mas cabe à empresa fornecer todos os equipamentos de proteção para evitar a contaminação, esse é um dever do empregador", ratifica. Aos que já estão na ativa ou em busca de colocação no mercado, Monteiro alerta sobre outras questões que são consideradas constrangedoras. O empregador não pode questionar, por exemplo, se o candidato é fumante, se pretende ter filhos ou fez esterilização. " O processo de seleção não pode ser discriminatório", esclarece.


Outras opiniões sobre a justa causa

O outro lado da moeda é exposto pelo sócio da área trabalhista do Machado Meyer Advogados, Daniel Dias, em momentos de crise sanitária, como a que vivemos, o direito coletivo se sobrepõe ao direito individual de não querer receber o imunizante. Em entrevista à rádio CBN, afirmou: "O empregador pode exigir a caderneta de vacinação também no momento de contratação." Segundo Daniel, a empresa tem o dever de proteger a saúde dos funcionários e, por isso, a recusa em tomar vacina deve ser bem justificada - o que exclui motivos ideológicos", pontua.

Na mesma linha, a Doutora e Mestre em Direito do Trabalho Cristina Paranhos Olmos afirma que "o trabalhador que recusa a vacina por razões médicas não poderá ser apenado com a dispensa por tal razão, muito menos por justa causa. Já o trabalhador que se recusar à vacinação contra Covid sem qualquer razão médica para tanto poderá ser dispensado por justa causa, desde que sua recusa importe risco para o ambiente de trabalho, e, consequentemente, para os demais trabalhadores", informa.

Olmos lembra que é dever do empregador zelar pelo meio ambiente do trabalho, especialmente pela saúde dos trabalhadores, proporcionando condições seguras para o desenvolvimento de suas atividades. "É requisito, na atualidade, que os trabalhadores estejam vacinados contra a Covid-19, para que evitem a propagação da doença, ou, ao menos, minimizem seus efeitos. Assim, o interesse a ser preservado é da coletividade, e não o interesse individual de cada trabalhador.

Nos termos de recente decisão do STF, a vacina não pode ser forçada, mas aqueles que não aderirem ao programa de vacinação deverão suportar os ônus daí decorrentes. É exatamente essa a hipótese da dispensa por justa causa do trabalhador que não tomar a vacina contra Covid-19. Vale ressaltar que além da supremacia do interesse coletivo sobre o individual, há que se considerar ainda que o empregador é legalmente responsável pelo meio ambiente de trabalho proporcionado aos seus empregados e prestadores de serviços em geral (previsão da CLT)


Lei obriga imunização

O Art. 3º Lei nº 14.035, de 2020, traz a seguinte informação: "Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional de que trata esta Lei, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, entre outras, as seguintes medidas: I - isolamento;II - quarentena; III - determinação de realização compulsória de: a) exames médicos; b) testes laboratoriais; c) coleta de amostras clínicas; d) vacinação e outras medidas profiláticas; e) tratamentos médicos específicos."


O que diz a Constituição

O artigo 23 da Constituição Federal, em seu inciso II, expressa que é competência comum da União, dos Estados , do Distrito Federal e dos municípios. O artigo 24, inciso XII, por sua vez, discorre que compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre previdência social, proteção e defesa da saúde. O artigo 196, destaca: "A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação."


Jornalista: VIEIRA, Walkiria

(Folha de Londrina - 15.02.2021)