A recém-editada Medida Provisória nº 806/2017 (MP 806) estabelece novas regras para a tributação de Fundos de Investimento em Participações (FIPs). Elas se aplicam aos:
- investidores de FIPs qualificados como entidade de investimento, que passam a ser tributados pelo Imposto sobre a Renda Retido na Fonte (IRRF) na alienação de ativos do fundo, em razão de uma distribuição ficta dos rendimentos à alíquota de 15%; e
- FIPs não qualificados como entidade de investimento (FIP Patrimonial), que passam a ser tributados como pessoas jurídicas, e os seus ganhos e rendimentos não distribuídos até 2 de janeiro de 2018 terão distribuição ficta e serão tributados à alíquota de 15%.
No Brasil, os FIPs são o principal veículo para os investimentos em private equity e venture capital, que envolvem diferentes fases de investimentos em participações em empresas (equity investments). Esse tipo de investimento pressupõe baixa liquidez e retornos de médio e longo prazo. Sua principal característica é o aporte de recursos (inclusive em rodadas de investimento) e a saída após incremento de valor de mercado.
Entre as modalidades de aporte de investimento estão: (i) o aporte tradicional (na forma de capital); (ii) mezanino (investimentos de dívida subordinada, instrumentos híbridos de financiamento, incluídos debêntures conversíveis em ações ou outras modalidades e direitos de subscrição); e (iii) public investment in public equity (PIPE) (investimento substancial em ativos listados em bolsa com baixíssima liquidez e introdução de gestão profissionalizada e governança corporativa para recuperar a liquidez desse ativo).
É da natureza desse instrumento o reinvestimento do capital em novos negócios sem a distribuição de rendimentos ao cotista. O intuito é elevar o valor de mercado do ativo para uma possível venda, seja no fomento de novos negócios ou na recuperação de ativos ilíquidos. A sua característica é a iliquidez.
A regra da CVM limita os investimentos do FIP em ativos líquidos em 10% do patrimônio líquido. Os 90% restantes devem ser obrigatoriamente investidos em (i) ações; (ii) bônus de subscrição; (iii) debêntures simples; (iv) outros títulos e valores mobiliários conversíveis ou permutáveis em ações de emissão de companhias abertas ou fechadas; ou (v) títulos e valores mobiliários representativos de participação em sociedades limitadas.
As novas regras criam uma ficção de rendimentos para o investidor, ao contrariar a lógica e a realidade do investimento. Em conjunto com outros elementos da lei, isso tem motivado a reavaliação das estruturas, muitas vezes com o objetivo de supressão do fundo ou conversão em entidades de investimento.
A regra de transição
A regra de transição submete ao IRRF os ganhos e rendimentos auferidos por FIPs patrimoniais que não forem distribuídos até 2 de janeiro de 2018. Ao fazê-lo, impõe o IRRF sobre resultados reconhecidos pelo FIP apenas para fins contábeis, decorrentes do método de equivalência patrimonial ou ajustes no valor justo do investimento.
A orientação da Receita Federal reconhece este fato, ao sugerir que os administradores vendam ativos ou exijam aportes de recursos dos cotistas para o pagamento do imposto. Ou seja, exige que o fundo crie uma liquidez que não possui, pressupondo um poder de que o administrador não dispõe.
A inconstitucionalidade das novas regras
Na MP 806, tanto a distribuição do rendimento ao investidor do FIP na alienação do investimento quanto a distribuição de ganhos/rendimentos do passado do FIP Patrimonial são eventos fictos. Tributa-se a expectativa de ganho, não a disponibilidade econômica ou jurídica da renda.
A tributação de distribuição ficta foi considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no RE 172.058/SC, que tratou do Imposto sobre Lucro Líquido. Entendeu-se que, enquanto os acionistas não têm o poder de dispor sobre os rendimentos, não há aquisição da disponibilidade jurídica ou econômica.
Além disso, a tributação de ganhos/rendimentos não distribuídos do FIP Patrimonial alcança ganhos do passado. Essa matéria também foi objeto de análise do STF na ADIN 2.588/DF, que acertadamente entendeu que a regra de distribuição ficta de lucros aferidos no exterior no passado (acumulados no balanço) violou os princípios da anterioridade e da irretroatividade, decidindo pela sua inconstitucionalidade.
Esses precedentes se aplicam à MP 806 e são o destino esperado para esse conjunto de normas, caso o texto seja convertido em lei pelo Congresso Nacional.