A carreira pública jamais deveria ser
escolhida por aqueles que buscam riqueza. Por Leonardo Machado
Com a proposta feita por um grupo
seleto de renomados juristas que pretendem criminalizar o enriquecimento
ilícito de servidores públicos dentro do contexto do novo Código Penal, estamos
vivendo um momento sem precedentes.
Caso essa proposta seja aceita,
pessoas que antes pretendiam ocupar cargos públicos com segundas intenções passarão
a ter que pensar duas vezes. Atualmente não é crime enriquecer "sem
fundamento", ou seja, sem que se tenha uma razão legal para tanto. Nos
dias de hoje, pessoas mal intencionadas criam uma aparente razão para o seu
estilo de vida incompatível com sua carreira profissional.
A carreira pública jamais deveria ser
escolhida por aqueles que buscam riqueza. Deveriam se enveredar por esse
caminho aqueles que o fazem por vocação, que buscam estabilidade profissional
ou que não são afeitos às pressões e aos riscos da livre iniciativa.
O Brasil é um dos poucos países que
não pune a empresa que corrompe as autoridades governamentais
É importante que se diga que todos os
servidores públicos, sem exceção, estão sujeitos a princípios constitucionais
que se traduzem, acima de tudo e de todos, em princípios éticos fundamentais
que devem nortear o desempenho profissional dos mesmos, em estrita observância
aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência.
No momento de sua posse, cabe ao
servidor público fornecer cópia da sua declaração de bens por força da Lei nº
8.730/93. Significa dizer que se um servidor público vier a enriquecer por
causa de atividades alheias à sua vida pública (direito este que não lhe está
sendo tolhido), é justo e legal que o mesmo comprove a origem de seus recursos,
observadas as formalidades existentes para garantir a confidencialidade destas
informações. Ora, sendo lícita a atividade desempenhada por um cidadão, qual a
dificuldade para provar sua renda? Aliás, não deveria ele fazer isso anualmente
para o fisco nacional?
De acordo com o procurador da
República Luiz Carlos Gonçalves, nosso ordenamento jurídico possui ferramentas
capazes de punir indivíduos envolvidos em atos de corrupção e lavagem de dinheiro,
faltando apenas criminalizar o enriquecimento ilícito na esfera pública. No
entanto, especialistas no assunto afirmam que essa carência legislativa vai
além.
Segundo a Controladoria Geral da
União, não há corrupção sem que haja corruptor, e pelo que se vê das recentes
leis anticorrupção adotadas por inúmeros países, inclusive por todas as outras
nações que compõem o Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), é
fundamental punir o corruptor que se beneficia desse tipo de "vantagem".
O Brasil ainda é uma das poucas
nações que se limita a responsabilizar - nas modalidades ativa e passiva - as
pessoas físicas que praticam o crime de corrupção, deixando de punir a empresa
corruptora. São essas empresas, e não simplesmente seus representantes, que
buscam vantagens ilícitas para favorecer ou incrementar os seus negócios.
É disso que se trata o Projeto de Lei
nº 6.826/2010, que agora está sendo chamado de Lei da Empresa Limpa (www.empresalimpa.org.br), em trâmite
em Comissão Especial. Esse projeto responsabiliza, civil e administrativamente,
a pessoa jurídica que - por meio de seus executivos, lobistas e representantes
- corrompe autoridades governamentais de todos os escalões, de todos os poderes
e em todas as esferas, tanto no Brasil quanto no exterior.
Em suma, é um dispositivo legal muito
potente, similar à lei americana FCPA (do inglês, Foreign Corrupt Practices
Act), que passou a existir em 1977 por causa do escândalo Watergate. Juntamente
com a legislação UK Bribery Act, que passou a valer no Reino Unido em julho de
2011, essas leis anticorrupção são cada vez mais temidas no mundo corporativo
pelas multas pesadíssimas impostas às empresas infratoras.
No próximo dia 23 de maio, está
prevista uma importante votação na Comissão Especial formada pela Câmara
Federal para dar prioridade e imprimir velocidade à tramitação do PL
6.826/2010. Especula-se, por outro lado, que aqueles que não desejam essa
evolução social estejam tentando barrar a aprovação do texto final do projeto,
postergando sua remessa para o Senado.
A Lei da Empresa Limpa é mais do que
uma tendência global e, frise-se, foi um dos compromissos assumidos pelo
Governo Federal quando da ratificação da Convenção da Organização para a Cooperação
e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em 2000. Dos 39 países que ratificaram a
Convenção Anticorrupção da OCDE, apenas Brasil, Argentina e Irlanda ainda não
possuem em seu ordenamento jurídico esse tipo de lei que pune a empresa
corruptora.
Enquanto o Brasil continuar deixando
de cumprir com seus compromissos internacionais em áreas tão importantes como é
o combate à corrupção, provavelmente continuará enfrentando dificuldades para
receber o reconhecimento que almeja e - de fato - merece.
Leonardo Machado é sócio do
escritório Machado Meyer Advogados.
(Valor Econômico 17.05.2012/Caderno A12)(Notícia na Íntegra)