Por Camila Galvão
Sócia do Machado, Meyer, Sendacz e Opice na área tributária
Por Maria Isabel Barbosa
Advogada do Machado, Meyer, Sendacz e Opice na área tributária
Começou a produzir efeitos, no início de maio, nova cobrança de IPI sobre empresas atacadistas de cosméticos, medida que foi anunciada como parte do pacote de ações de reequilíbrio fiscal. Entendemos, porém, que a mudança não foi introduzida no nosso ordenamento jurídico pelo meio adequado.
Trata-se do Decreto nº 8.393, publicado em 29 de janeiro de 2015. Por força dele, a partir de 1 de maio de 2015 distribuidores atacadistas de determinados cosméticos foram equiparados a estabelecimento industrial nas vendas de produtos adquiridos de empresas com as quais mantenham relação de interdependência [1].
Na prática, o IPI, que via de regra incide apenas sobre as vendas realizadas pela indústria e por outras empresas equiparadas à indústria pela lei, tal como as importadoras, passou a ser devido também sobre as vendas de perfumes, maquiagem, preparação para tratamento capilar, dentre outros, praticadas pelos distribuidores acima referidos.
Fazendo menção ao histórico que precedeu a edição do mencionado decreto, vale lembrar que em 1989 a Lei nº. 7.798 estabeleceu que deveriam pagar IPI os atacadistas que adquirissem os produtos listados no seu anexo de empresas interdependentes.
Essa mesma lei, ainda vigente, trouxe uma delegação de competência ao Poder Executivo, autorizando-o a excluir produto ou grupo de produtos do seu anexo, e, portanto, do regime de equiparação, bem como a incluir outros produtos com alíquota superior a 15%.
Nesse contexto, em 1994 os cosméticos que originalmente estavam na lista da lei foram excluídos da regra de equiparação, permanecendo essa forma de tributação apenas para o segmento de bebidas quentes e pneus.
Pretendeu-se por meio do decreto de janeiro deste ano estabelecer novamente a equiparação dos atacadistas de cosméticos a estabelecimento industrial, reintroduzindo determinados cosméticos no anexo da lei.
A questão que se coloca é a de se essa alteração poderia ter sido feita por decreto.
No sistema jurídico brasileiro, o princípio da legalidade determina que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei, estando previsto genericamente no art. 5º, inciso II, da Constituição Federal, como cláusula pétrea, garantia individual fundamental, sendo tido como um dos pilares do Estado Democrático de Direito.
No âmbito tributário, o princípio da legalidade é expressamente previsto no art. 150, inciso I, da Constituição Federal, que veda a exigência e o aumento de tributo sem lei que estabeleça.
Como consequência, todos os aspectos principais da relação jurídico tributária, como quem paga o tributo, quanto paga, quando paga, devem ser fixados por lei.
A atribuição conferida pela Constituição Federal à lei é indelegável, ou seja, a própria lei não pode atribuir ao Poder Executivo a regulação de matéria que lhe seja constitucionalmente reservada.
A única exceção a esse princípio, no âmbito do IPI, é a majoração da sua alíquota, que não é o caso aqui tratado.
Ora, sabendo-se que um dos mais importantes aspectos da chamada relação jurídico tributária é a definição de quem paga o tributo, quem é o contribuinte, nos parece claro que diante do princípio da legalidade essa definição é matéria reservada à lei.
Ocorre que o novo decreto, ao incluir determinados cosméticos no anexo da lei, na prática está definindo quem é contribuinte do IPI. Ele define que uma empresa que não era contribuinte do imposto passará a ser considerada como tal.
Tendo a medida tal alcance, entendemos que a sua veiculação por decreto não atende plenamente ao mandamento constitucional segundo o qual a definição dos contribuintes há de ser determinada por lei formal.
Ao decreto são atribuídas outras funções, específicas do Poder Executivo, limitadas a regulamentar a fiel execução da lei, sendo certo que a definição de que distribuidores são ou não contribuintes do IPI não reflete mera regulamentação da legislação. Não é atribuída aos decretos competência para criar ou modificar tributos, nem competência para impor, aos contribuintes ou terceiros a eles relacionados, deveres novos.
Nos parece que nesse caso não houve plena observância do princípio da legalidade, uma vez que a inclusão de novos produtos implicará, necessariamente, na exigência de IPI de pessoas que não recolhiam esse imposto.
O alcance econômico, operacional e jurídico da medida reflete a necessidade de atendimento ao processo de edição das normas tributárias que definem contribuintes.
[1] As situações que caracterizam interdependência são descritas pela lei, e dizem respeito a vínculos societários, administrativos ou comerciais.
(Jota – 18.06.2015)
(Notícia na Íntegra)