A presença global de vendas, marketing e suporte da Boeing e seus métodos agressivos de gerenciamento da cadeia de suprimentos também poderão ser muito úteis para os produtos de defesa e jatos executivos da Embraer, avaliou Richard Aboulafia. O especialista é vice-presidente de análise do Teal Group, uma respeitada consultoria aeroespacial e de defesa.
"Uma joint venture poderia criar novas variantes especiais de missão do KC-390 ou aviões ISR (Inteligência, Vigilância e Reconhecimento) usando as plataformas EMB-135 e EMB-145", afirmou Aboulafia em um dos seus relatórios sobre o acordo de parceria entre a Boeing e a Embraer. Hoje as companhias anunciaram um memorando de entendimento para criação de uma empresa de capital fechado, com sede no Brasil, avaliada em US$ 4,75 bilhões -- sendo que 80% do capital será da Boeing.
Aboulafia argumenta que a Embraer tem muitos engenheiros experientes, que representam um baixo custo relativo, com disponibilidade para trabalhar em novos projetos, com a finalização do desenvolvimento de programas como o KC-390 e os jatos executivos Legacy 450/500.
"A Embraer não tem um caminho claro para o desenvolvimento de novos produtos. Associar-se à Boeing seria um caminho inteligente para ambas as empresas", destacou o especialista.
O aproveitamento da mão de obra da Embraer, considerada altamente qualificada e bem treinada, também foi um dos pontos de interesse da Boeing para a composição da parceria.
"A indústria aeronáutica americana sofre hoje problemas graves de mão de obra qualificada. Grande parte dos engenheiros tem mais de 60 anos. Existe um 'gap' (buraco) na faixa etária dos 40 e 50 anos, provocado pela crise do mercado internacional na década de 90", diz o professor de engenharia aeroespacial Carlos Cesnik. Ele é diretor do laboratório de pesquisa em estruturas e aeroelasticidade da Universidade de Michigan. A unidade desenvolve vários projetos para empresas como a Boeing e a Airbus.
Segundo Cesnik, existem soluções tecnológicas desenvolvidas na Boeing que não foram aproveitados para os aviões de grande porte da companhia, mas que têm grande potencial de aplicação em aviões da classe dos E-Jets da Embraer. "A joint venture com a Boeing é uma maneira de a Embraer continuar competitiva neste mercado altamente complexo em termos de desenvolvimento tecnológico", afirmou.
Recursos
Peter J. Skibitski, analista sênior da corretora Drexel Hamilton, afirmou que a Embraer deverá utilizar parte dos recursos de US$ 3,8 bilhões que receberá da Boeing para desenvolver produtos nas divisões de defesa e aviação executiva.
Segundo o especialista, a proposta para desenvolver uma parceria na área de defesa para abrir mercados para o cargueiro KC-390 é interessante, mas não deverá ser tão abrangente quanto o acordo para a aviação comercial. "Talvez esteja mais relacionada a marketing, com a Embraer aproveitando-se a estrutura da Boeing para beneficiar o projeto."
Em termos gerais, Skibitski disse que o acordo é interessante e que fortalecerá as duas fabricantes de aeronaves.
Defesa
Após o acordo, a Embraer dependerá mais de contratos no segmento de defesa, na avaliação do sócio da consultoria Bain & Company, André Castellini. “A Embraer passa a depender principalmente de contratos de defesa. A aviação executiva é mais competitiva e de margens mais baixas”, observou o especialista, referindo-se aos dois negócios que permanecem sob o guarda-chuva da companhia brasileira após a venda de 80% da aviação comercial para a americana Boeing.
A área de defesa representa receitas anuais da ordem de US$ 1 bilhão, enquanto a de aviação executiva, US$ 1,5 bilhão. Essa última área tem se mostrado cada vez mais concorrida, embora a Embraer seja líder em jatos leves. O segmento comercial, por sua vez, representa o negócio mais lucrativo.
Sobre a empresa americana, a Boeing já havia sinalizado a intenção de entrar no segmento de jatos comerciais menores, com 100 assentos, e esse projeto foi acelerado após o acordo entre Airbus e Bombardier, no ano passado.
Para tanto, a companhia americana tinha duas alternativas: desenvolver uma aeronave do zero, o que demandaria tempo, ou comprar uma concorrente. “A Embraer era o melhor candidato, com o melhor produto [a linha E-Jet]. E o acordo traz para a Boeing o benefício de ter um produto do porte desejado já no fim de 2019, início de 2020”, comentou.
Também para a Embraer há ganho nesse sentido, já que além de enfrentar a concorrência de Airbus e Bombardier no segmento de jatos regionais, mais à frente, concorreria também com a Boeing. “É uma ótima solução nesse sentido”, afirmou Castellini.
O especialista observou ainda que a cisão da aviação comercial dos demais negócios da Embraer não é simples, já que existe sobreposição em diferentes áreas, incluindo pesquisa e desenvolvimento. “A cisão em si é complicada e não pode atrapalhar o dia a dia”, comentou.
Transferência de tecnologia
Um ponto de atenção do governo brasileiro no acordo deve estar relacionado à transferência de tecnologia, na avaliação do advogado Fabio Falkenburger, especialista em aviação e sócio do Machado meyer Advogados.
"Como se dará a transferência de tecnologia e em que medida isso vai ocorrer é um ponto sensível do acordo", afirmou.
Conforme o especialista, muitas vezes, uma tecnologia desenvolvida para a área de defesa pode ser utilizada também no segmento comercial e os termos do memorando de entendimentos divulgados hoje ainda não abordam detalhadamente como essa questão será tratada.
Segundo o documento, as companhias vão celebrar contratos operacionais de longo prazo englobando "prestação de serviços de engenharia, licenças recíprocas de propriedade intelectual, acordo de pesquisa e desenvolvimento, acordo de compartilhamento de uso de determinados estabelecimentos, acordo de preferência no fornecimento de determinados produtos e componentes, e um acordo para maximizar potenciais oportunidades na cadeia de suprimentos".
"Possivelmente haverá limites de como e quanto da tecnologia será transferida à Boeing", ressaltou Falkenburger.
Ao estabelecerem o fim do ano que vem como prazo para conclusão do negócio, afirmou o especialista, Boeing e Embraer já indicam ao mercado a complexidade da operação. "Vai ser um processo longo. As próprias partes sabem que ainda há muito a detalhar", acrescentou.
Valor Econômico
https://www.valor.com.br/empresas/5640777/analistas-indicam-vantagens-e-pontos-sensiveis-em-acordo-da-embraer