A discussão jurídica sobre a renovação das concessões das usinas da Cesp aponta que o destino da empresa está nas mãos de uma decisão política. Entre advogados, não há consenso sobre a vigência da resolução nº 425 de 2000, emitida pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que o governo do Estado de São Paulo tenta utilizar para retomar o processo de venda da estatal paulista. Esse documento, publicado durante a primeira tentativa de privatização da então Cesp Paraná, concedia novas concessões por mais 30 anos para os ativos da geradora. O novo prazo é fundamental para reiniciar a venda da Cesp, uma vez que a terceira tentativa de venda fracassou no final de março deste ano devido à incerteza sobre a renovação das concessões das usinas que expiram em 2015.
Na semana retrasada, o governo de São Paulo encaminhou ofício à Aneel e ao Ministério de Minas e Energia (MME) solicitando o reconhecimento da resolução nº 425/00, o que permitiria retomar o processo de privatização da Cesp. Após o leilão da usina de Jirau, na semana passada, o diretor geral da Aneel, Jerson Kelman, disse que a área jurídica da autarquia analisará a validade da resolução a luz da lei 10.848/04, que estabeleceu o novo modelo do setor elétrico. Essa nova legislação transferiu da Aneel para o Ministério de Minas e Energia (MME) a delegação da competência da União sobre a outorga de novas concessões.
Para o sócio do escritório Duarte Garcia, Caselli Guimarães e Terra Advogados, Luis Eduardo Serra Netto, a resolução nº 425/00, que altera o regime de exploração das usinas Jupiá, Ilha Solteira, Três Irmãos, Paraibuna, Jaguari e Porto Primavera para produtor independente, não teria mais validade. "O governo de São Paulo está tentando montar uma tese com elementos fracos. Juridicamente, esse instrumento já não produz mais efeitos", afirma o especialista.
Na avaliação de Serra Netto, a resolução foi emitida pela Aneel no contexto da privatização organizada pelo governo paulista em 2000. "A resolução era uma promessa de uma nova concessão caso ocorresse a venda da Cesp. Como o processo de venda da estatal paulista foi abandonado, encerrou juntamente as outras partes da operação", justifica o advogado. Para o especialista, a situação da Cesp é grave, porque a empresa corre o risco de possuir um histórico de construir usinas, mas chegar ao final de 2015 quase sem ativos para operar.
Entendimento semelhante é o da advogada do escritório L.O. Batista Advogados, Daniela Santos. Para a especialista, a resolução nº 425/00 produzia efeito apenas no contexto da primeira tentativa de privatização. "A resolução é um ato da administração pública sério, mas que perdeu efeito com as alterações das competências, direitos e deveres oriundas da lei nº 10.848/04. Seria temerário retomar o processo de privatização com base nisso", afirma.
Já a avaliação do advogado associado do Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados, Ricardo de Lima Assaf, é de que a resolução nº 425/00 ainda é valida após oito anos. Para o especialista, esse entendimento está calcado na idéia de que os artigos 27 e 28 da lei n° 9.074/95, que sugere a possibilidade de novas concessões pelo prazo de 30 anos, estão em vigor. "No processo de venda da Companhia de Transmissão de Energia Elétrica Paulista (Cteep), no qual o governo paulista tentou prorrogar a concessão da empresa, a procuradoria-geral da Aneel emitiu parecer em que diz que os artigos dessa lei continuam em vigor", diz.
Nesse sentido, Assaf afirma que o governo de São Paulo deveria ter tentado desde o início do processo de privatização da Cesp a alteração do regime de exploração das usinas para produtor independente. "O governo de São Paulo deveria ter percorrido esse caminho. É um instrumento jurídico que está em vigor e que deveria ser utilizado", diz. Apesar disso, Assaf lembrou que a legislação do setor elétrico passou por alterações nesses últimos oito anos, como a mudança de delegação de competência sobre as novas outorgas. "A resolução n°425/00 da Aneel está em vigor, mas precisa ser referendada pelo MME para produzir efeito."
Na mesma linha, Kelman chegou a afirmar que o MME pode publicar uma portaria semelhante à resolução nº 425/00 concedendo um novo prazo de 30 anos para os ativos da Cesp. Porém, isso demandaria uma justificativa para que o processo não fosse questionado pelo Ministério Público Federal e pelo Tribunal de Contas da União (TCU). "A questão não é apenas política. Existem argumentos técnicos para que o MME reconheça a resolução. O governo de São Paulo só conseguirá rentabilizar os seus ativos se receber um novo prazo", afirma Asaf.
O que pode dificultar a questão seria uma avaliação da Advocacia-Geral da União (AGU) sobre o tema da renovação das concessões. Segundo Assaf, informações de bastidores dão conta de que a análise da AGU é de que os artigos 27 e 28 da lei nº 9.074/95 não estariam em vigor. "É uma informação que circula pelos bastidores, mas que nunca foi escrita em nenhum lugar", revela o advogado associado do Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados.
Segundo o sócio do escritório Advocacia Waltenberg, David Waltenberg, outro fator que pode dificultar o processo é que a Cesp assinou, em novembro de 2004, contrato de concessão com a Aneel para regularizar a exploração de suas usinas. Com isso, passou a ter eficácia a portaria nº 289/04 do MME que prorrogou por 20 anos o prazo das concessões de Jupiá, Ilha Solteira, Jaguari e Paraibuna - no início deste ano, o ministério também prorrogou por igual prazo a concessão de Porto Primavera. "O entendimento do MME é de que a lei nº 10.848/04 limitou para apenas uma vez a prorrogação das concessões", diz o especialista.
Waltenberg lembra que a lei nº 10.848/04 revogou o artigo 27 da lei nº 9.427/96, que criou a Aneel. Esse dispositivo permitia renovar a concessão de ativos indefinidas vezes. Foi nesse contexto, exemplifica o advogado, que o governo de São Paulo alterou o regime de exploração para produtor independente dos ativos da Cesp vendidos para a AES e para a Duke, possibilitando um novo prazo de 30 anos. "Ninguém questionava a outorga de um novo prazo porque a lei permitia. Mas com a lei nº 10.848/04, essa possibilidade foi revogada", explica.
De acordo com Waltenberg, a tarefa dos advogados do governo de São Paulo é provar que a prorrogação das concessões e a alteração do regime de exploração para produtor independente com a outorga de um novo prazo são aspectos diferentes na lei nº 9.074/95 e na lei nº 10.848/04. "Avaliando os dispositivos isoladamente, seria possível obter um novo prazo de 30 anos. Porém, são assuntos imbricados. Se houver o entendimento de que há conflito entre as duas leis, prevalecem os dispositivos da lei posterior", comenta o especialista.
Para Daniela, do escritório L.O. Batista Advogados, a lei nº 10.848/04, em seu artigo 8, abre uma brecha para que a Cesp consiga um novo prazo para as concessões ao estabelecer que o tema será definido a critério do poder concedente, no caso o MME. "O poder concedente pode anuir sobre um novo prazo. É preciso levar em conta que o ministério não olha a questão apenas do ponto de vista jurídico, mas também considerando aspectos de política energética ou de política no sentido tradicional. Mas como qualquer ato público, qualquer decisão necessitará de uma roupagem jurídica para que não possa ser inviabilizada", justifica.
(Wellington Bahnemann)
(Agência Estado 28.05.2008)