Por Natalia Viri
A energia solar passou com louvor no teste para a estreia em escala comercial no país. O interesse dos investidores superou as expectativas do mercado no Leilão de Energia de Reserva (LER), realizado na sexta-feira. Foram oito horas de concorrência acirrada, que colocaram a disputa como a mais competitiva da história, com 104 rodadas.
O preço médio oferecido ficou 17,9% abaixo do teto de R$ 262 por megawatt-hora (MWh), a R$ 215,12/MWh, rompendo com folga a barreira dos R$ 250, que era apontada por especialistas como um patamar mínimo de atratividade dos projetos. O volume de contratação também ficou acima do esperado. O governo comprou 1.048 MW em capacidade instalada, equivalente a um décimo da potência de Belo Monte.
O apetite dos fabricantes de painéis solares em ingressar no mercado brasileiro foi determinante para o deságio elevado, afirmou Ana Karina de Souza, líder de energia do Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados. "Com a demanda fraca nos mercados desenvolvidos, os produtores estrangeiros abriram mão de margens para aproveitar a oportunidade de entrar no Brasil", disse.
A ofertante mais agressiva foi a espanhola Fotowatio, que emplacou dois parques solares no Ceará, com preço de R$ 200 por MWh. Outra empresa estrangeira com participação relevante foi a italiana Enel Green Power, que já atua em energia eólica no Brasil, e conseguiu levar mais sete parques solares, todos na Bahia. O Estado concentrou a maior parte dos 31 projetos vendidos, com 14 parques, seguido por São Paulo, com nove.
A Renova Energia, que fechou contrato para venda de energia em quatro parques solares em território baiano, afirmou que chegou a condições vantajosas com a SunEdison, líder mundial em fabricação de equipamentos para geração fotovoltaica. Os contratos de fornecimento foram fixados em reais, o que reduziu o risco cambial. Além disso, os equipamentos vão atender aos requisitos de conteúdo nacional exigidos pelo BNDES para concessão de crédito subsidiado.
Segundo especialistas, a percepção é que o leilão abriu as portas para novos interessados. "Nessa primeira rodada, entraram investidores que estavam estudando o Brasil há muito tempo e, por isso, vieram muito competitivos. Mas o interesse de empresas que ainda não tinham tanta expertise é grande", disse Ana Karina, do Machado, Meyer.
O presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim, afirmou que a intenção é anualizar os leilões de fonte solar. Segundo ele, o Plano Decenal da EPE, que prevê adição de 500 MW de energia solar por ano até 2023, pode ser considerado "conservador". "Contratamos energia solar a um dos menores preços de que se tem conhecimento no mundo, de aproximadamente US$ 90 por MWh. Isso coloca o Brasil como uma das fronteiras da expansão na energia solar", afirmou.
O leilão marcou a transição da energia solar de uma fase embrionária para a escala comercial, em um movimento que coincide com os esforços do governo para diminuir a dependência de termelétricas em momentos de crise hídrica, como o atual. A participação da fonte já tinha sido autorizada pelo governo em outros leilões de reserva, mas, como o preço era único para as diversas modalidades, os projetos não conseguiam competir com a energia eólica, muito mais barata. Na avaliação da EPE, o modelo do último certame funcionou e, nos próximos leilões, a energia solar deve voltar a ter sua própria faixa de preço.
Valor Econômico - 03.11.2014, p. B2