Por João Batista Pereira Neto e Otto Dmitry Garkauskas Hernandes
Como amplamente divulgado, o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou a alteração trazida pela lei 13.467/2017 (Reforma Trabalhista) sobre a contribuição sindical. A Lei tornou facultativo o pagamento, que fica condicionado à autorização do trabalhador.
Objeto de inconformismo de diversas entidades sindicais, este ponto da Reforma foi questionado por 19 Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI's). Por seis votos a três, todas foram julgadas improcedentes pelo STF, no dia 29 de junho deste ano.
Entre os argumentos dos ministros que defenderam o fim da contribuição obrigatória, ressalta-se a afirmação de que há um déficit de representatividade dos sindicatos. Esse déficit está ligado não apenas à histórica contribuição obrigatória, mas a algumas características do sistema sindical brasileiro como, por exemplo, a Unicidade Sindical.
A mudança na legislação pode ser um primeiro passo para que se reflita sobre uma nova organização sindical para o Brasil.
A legislação permite a existência de apenas um sindicato representativo de determinada categoria profissional ou econômica na mesma base territorial (que não pode ser inferior ao limite de um município). Além disso, o primeiro sindicato que obtiver seu registro para representar certa categoria em determinada localidade, o fará, quiçá, eternamente, pois nenhum outro poderá ser criado com a mesma representação.
Conforme determina a lei, não é possível também a criação de sindicatos que representem trabalhadores que tenham outros pontos em comum que não a profissão que exercem ou a categoria econômica/profissional a que pertencem.
Assim, ainda que as condições de vida ou de trabalho de trabalhadores de determinada empresa ou região sejam singulares e lhes possibilitasse discutir situações e melhorias muito mais aproximadas de suas rotinas, não lhes é permitido reunir em sindicatos, se não forem da mesma categoria profissional ou econômica.
O sistema brasileiro ainda tem como característica a representação obrigatória por sindicatos. Na prática, isso significa que empregadores e trabalhadores são, de forma compulsória, representados por um sindicato, ainda que a ele não tenha se associado, não o conheça ou nem saiba onde sua sede fica.
Vale salientar que grande parte dos sindicatos adotou um viés político ou ideológico, com associação a centrais sindicais ou partidos políticos. Em consequência, o trabalhador pode se ver obrigatoriamente representado por entidade com atuação e posição política com a qual não necessariamente compartilha.
Inclusive, antes da Reforma Trabalhista todo empregador e trabalhador tinha de pagar àquele sindicato que compulsoriamente representava sua categoria econômica ou profissional. O dinheiro da contribuição era rigorosamente destinado aos sindicatos, independentemente de sua efetiva representatividade ou atuação. Tratava-se da mais alta e garantida fonte de receita dessas entidades.
Pode-se concluir que o déficit de representatividade sindical citado pelos ministros do Supremo é resultado dessas principais características da organização brasileira.
Embora muitos sejam sérios, atuantes e comprometidos, a representação e o suporte financeiro garantidos por lei fizeram com que boa parte dos sindicatos não se preocupasse em buscar atender os anseios de sua categoria.
Não é de se surpreender, nesse contexto, que o Brasil esteja entre os países que mais possuem sindicatos, com 17.200 em 2017.
Os Estados Unidos, por exemplo, contam com, aproximadamente, 190 sindicatos, enquanto a Argentina com 91 e a Alemanha, reconhecida mundialmente por ter um sindicalismo forte, com apenas 16. Apesar da quantidade de sindicatos no Brasil, o número de trabalhadores associados a sindicatos é bastante baixo, o que mostra esse déficit de efetiva representatividade.
Segundo o IBGE, apenas 12,1% das pessoas ocupadas no Brasil em 2016 estavam associadas a algum sindicato, menor índice já apurado. Nesse contexto, a facultatividade da contribuição pode ser um primeiro estímulo à redução desse déficit de representatividade.
De acordo com dados do Ministério do Trabalho, as receitas dos sindicatos foram reduzidas em cerca de 80% no primeiro trimestre de 2018 em relação ao mesmo período de 2017, caindo de R$ 170 milhões para R$ 34 milhões.
As centrais sindicais também foram atingidas. Estima-se que a CUT, a Força Sindical e a UGT, deixaram de arrecadar cerca de R$ 100 milhões, em 2018. Para sobreviver, os sindicatos pouco representativos e que dependiam da contribuição obrigatória, terão que buscar fontes alternativas de custeio.
Seu sucesso nessa tarefa certamente passará pela revisão de seus conceitos para atrair e reter associados e apoiadores que, de forma espontânea, concordem em contribuir financeiramente. Para tanto, será essencial que os sindicatos se aproximem de suas categorias e passem a representá-las efetivamente.
Assim, vislumbra-se que a mudança na legislação, confirmada pelo STF, se consolide como uma medida de redução do déficit de representatividade. E pode ser um primeiro passo para que se reflita uma nova organização sindical para o Brasil.
Valor Econômico
https://www.valor.com.br/legislacao/5695533/deficit-de-representatividade-dos-sindicatos
(Notícia na Íntegra)