Bárbara Pombo | BrasíliaUm vazamento de 70 mil litros de diesel no interior do Rio de Janeiro em 2005 abriu uma discussão no Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre a responsabilidade de terceiros responderem por dano ambiental na esfera administrativa.Dividida e com decisões divergentes para o mesmo caso, a Corte vai unificar sua posição a partir do Embargos de Divergência 1318051/RJ, que será julgado pelos dez ministros que compõe a sessão de direito público. Na prática, a definição sobre o tipo de responsabilidade de terceiros terá impacto na manutenção ou não de multas milionárias aplicadas pelos órgãos ambientais.De acordo com advogados da área ambiental, a maior parte das decisões da Justiça reconhece atualmente a responsabilidade objetiva de terceiros. A jurisprudência, dizem, acaba por guiar a atuação de órgãos ambientais, que têm lavrado autos de infração por poluição em rios e solos a agentes que não deram causa diretamente ao dano."A redação da Política Nacional de Meio Ambiente é ampla. Mas fato é que a responsabilidade administrativa objetiva não é expressa na lei", afirma a advogada Daniela Stump, do escritório Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados.Em um intervalo de três meses, 1ª Turma do STJ proferiu duas decisões divergentes sobre a mesma situação. No dia 26 de abril de 2005, o descarrilamento do trem da Ferrovia Centro-Atlântica causou o vazamento de 70 mil litros de óleo diesel no Rio Caceribú e na Baía de Guanabara, entre Itaboraí e Campos dos Goytacazes, no litoral fluminense.O produto era da Ipiranga e da Texaco. O acidente atingiu 2 mil dos 14 mil hectares da área de proteção ambiental de Guapimirim. A Secretaria do Meio Ambiente do município multou as duas empresas e a concessionária do transporte ferroviário por infração administrativa ambiental.Contestação da multa
O questionamento da Ipiranga contra a multa de R$ 5 milhões foi julgado pelo STJ, em março. Por maioria de votos, os ministros mantiveram a sanção ao dono da carga por entenderem que a responsabilidade administrativa seria objetiva. Seguindo o voto do relator do caso, ministro Benedito Gonçalves, os ministros Sergio Kukina e Marga Tessler (juíza convocada) entenderam que a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1981) obriga o poluidor a indenizar ou reparar os danos, independentemente da existência de culpa. Ficaram vencidos os ministros Napoleão Nunes Maia Filho e Regina Helena Costa.A interpretação é extraída do parágrafo primeiro do artigo 14, segundo o qual "sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade". Diz ainda o dispositivo: "O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente"."É extreme de dúvida que são independentes as esferas de responsabilidade, mas, em se tratando das responsabilidades civil e administrativa, a Lei 6.938/1981 tratou de elidir a culpa e o dolo para a imputação de penalidades e obrigação de indenizar ou reparar o dano. Essa é a exegese que se infere da primeira parte do § 1º do art. 14 do dispositivo sob exame", afirmou o ministro, na decisão, considerando que o acidente foi extremamente grave e seria desarazoado apenas advertir a empresa.No voto, o relator cita precedente de 2003 (REsp 467.212/RJ), relatado pelo ministro Luiz Fux (hoje no Supremo Tribunal Federal), que manteve uma multa a Petrobras em razão de derramamento de óleo bruto transportado para Angra dos Reis por empresa estrangeira contratada pela petroleira.Leia o voto do ministro Benedito Gonçalves
Leia o voto divergente do ministro Napoleão Nunes Maia FilhoMudança de rumo
Em junho, a mesma 1ª Turma mudou de posição ao analisar o recurso contra a multa aplicada à Texaco, que foi herdada pela Ipiranga com a compra da companhia em 2008. Por 3 votos a 2, os ministros entenderam que a responsabilidade do dono da carga seria subjetiva, não cabendo a imposição de multa automaticamente. Ficaram vencidos os ministros Sergio Kukina, relator, e Benedito Gonçalves.Ao abrir a divergência, a ministra Regina Helena Costa entendeu que o acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) favorável à sanção contrariou a lei federal da Política Nacional do Meio Ambiente que não prevê responsabilidade administrativa objetiva, mas sim subjetiva.Segundo a ministra, ao contrário da responsabilidade civil para reparação ambiental - que independe de culpa -, a infração administrativa deve levar em conta a conduta do agente que causou o dano. Logo, para punir um terceiro, seria necessário comprovar o nexo de causalidade entre sua conduta e o acidente. Deveria ser demonstrado, por exemplo, que o dono da carga deu causa ou facilitou o acidente, o que não teria ficado provado no caso concreto.De acordo com o advogado da Ipiranga, Guido Silveira, as decisões do TJ-RJ e o primeiro acórdão do STJ consideraram a empresa responsável pelo acidente "em razão da sua culpa in elegendo", ou seja, pelo fato de ter escolhido o transportador de sua carga que deu causa ao acidente. "Fato é que a Ferrovia Centro-Atlântica é a única concessionária de transporte ferroviário na região. Não há concorrente, não há que se falar de culpa", afirma.Para Silveira, a responsabilidade objetiva na área civil não poderia ser aplicada também na via administrativa, já que a infração a lei ambiental pressupõe a conduta de um agente. "Fazendo uma analogia, é como se o motorista de um ônibus avançasse o sinal vermelho e a multa recaísse sobre os passageiros", diz.Tendência
A mudança de entendimento do STJ chamou a atenção de advogados da área ambiental. Apesar de grande parte das decisões judiciais reconhecer a responsabilidade objetiva, afirmam que a última manifestação do tribunal superior sinaliza uma tendência já observada em alguns tribunais.Em março, a Câmara Reservada de Meio Ambiente do Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, anulou auto de infração de R$ 3,6 mil lavrado pela Polícia Militar ambiental contra o proprietário da residência de São José do Rio Preto, onde foi ateado fogo em vegetação nativa em estágio inicial de regeneração natural, sem licença ambiental. De acordo com o processo, o dono do terreno não estava em casa no momento do incêndio e não ficou provado quem teria ateado o fogo."A responsabilidade pela infração administrativa, que resulta na autuação pelo órgão competente, é responsabilidade subjetiva que recai sobre o infrator, diferente da responsabilidade objetiva de reparação ao dano ambiental que recai também sobre o proprietário do bem", afirmou o desembargador Torres de Carvalho, na decisão proferida na Apelação 0045082-58.2012.8.26.0576.Pelos mesmos fundamentos, a câmara ambiental também afastou, em agosto de 2014, um auto de infração de R$ 12,8 mil contra um produtor rural de Tupã (Apelação 0000361-24.2011.8.26.0069), cuja propriedade de 12 hectares foi incendiada. No processo, testemunhas informaram que a queimada teve origem durante a noite, fora da propriedade. Além disso, os desembargadores entenderam que o produtor não teria interesse em atear fogo na própria propriedade, já que ela é usada para a criação de gado.De acordo com a advogada Daniela Stump, o foco agora é o julgamento do STJ que dará orientação única da Corte sobre o assunto. "O julgado pautará outros casos e, posteriormente, pode influenciar na mudança de entendimento e na conduta dos órgãos ambientais", diz.(Jota - 30.06.2015)
(Notícia na Íntegra)