Letícia Arcoverde
Com o cenário de volatilidade do câmbio, as empresas estão adaptando a forma como remuneram seus expatriados para garantir que as mudanças cambiais não prejudiquem o executivo nem gerem surpresas para a companhia. Mais atenção aos contratos, adoção de bônus e mudanças na definição de qual operação se responsabiliza pelo pagamento dos salários são algumas das medidas adotadas.
A instabilidade do câmbio é um fator que sempre preocupa as empresas, diz Caio Taniguchi, responsável pela área de remuneração estratégica de executivos e empregados do ASBZ Advogados. Nos últimos anos, ele tem percebido uma atenção maior das companhias a esse tipo de questão, especialmente a partir do ano passado, quando o real sofreu forte desvalorização.
Trazer um profissional estrangeiro para atuar no Brasil é, contudo, "importar" alguém que já tem um pacote de remuneração em moeda estrangeira - o que significa que ele dificilmente aceitará a movimentação se não tiver a garantia de que não vai ter perda financeira em relação ao que ganharia no país de origem. É normal que o profissional queira continuar recebendo uma parte do salário em "moeda forte" - até porque muitas vezes continua a ter despesas em seu país -, mas no Brasil é vetado o pagamento em dólar. Dessa forma, muitas companhias recorrem ao sistema de "split payroll", em que uma parte da remuneração é paga pela operação de fora e a outra, por aqui.
Segundo Taniguchi, na negociação do contrato a empresa e o executivo podem até estipular um valor em dólar como referência no momento de estabelecer o salário no Brasil para que ele se mantenha comparável ao que o profissional ganharia se continuasse na operação original. "Se a empresa não quer que o contrato da pessoa seja afetado pela variação cambial, é preciso fazer um aditivo contando com a anuência do estrangeiro de que a capacidade financeira combinada no dia em que chegou ao país vai ser mantida. Ele não vai ganhar mais ou menos independentemente da variação cambial", diz.
Taniguchi diz que muitas empresas passaram a incluir essa cláusula no contrato após a crise de 2008-2009, mas isso ainda não acontece em 100% dos casos. "A companhia muitas vezes não enxerga o risco envolvido, ou não quer criar conflito com o profissional ou com a matriz", diz o advogado.
Se isso não ficar especificado no contrato, no entanto, o funcionário eventualmente pode alegar, na justiça, que está sendo prejudicado se o dólar subir, mas seu salário mensal continuar o mesmo. Já se a companhia aumentar o salário de um mês para o outro, as regras da CLT não permitem que ela o diminua posteriormente, caso o real se valorize.
O escritório Tauil & Chequer Advogados tem recebido mais consultas de companhias em busca de orientação sobre como lidar com as oscilações da moeda estrangeira. Segundo Maurício Tanabe, sócio na área de trabalhista e previdenciário, uma saída para proteger a empresa de riscos trabalhistas e garantir que o executivo não se sinta prejudicado é combinar com o profissional um bônus que compense qualquer oscilação. O valor pode então ser pago após um período determinado, que o advogado recomenda que seja de seis meses.
"A empresa faz um balanço do período. Se o dólar flutuou muito para menos, ela não paga nada. Se o profissional ganharia mais, a empresa calcula quanto pagaria a cada mês e ele recebe esse valor em gratificação", explica. Essa pode ser uma saída para apaziguar os ânimos do profissional caso o valor a ser pago no Brasil tenha sido combinado em dólar. Para novos expatriados, Tanabe tem recomendado a seus clientes já estabelecer essas regras no contrato.
Na experiência de Guilherme Dias, da consultoria especializada em transferências internacionais Emdoc, outra estratégia para que as empresas se protejam de variações cambiais tem sido aumentar a parcela da remuneração paga pela operação estrangeira. "No contrato de quem vem, a empresa aumenta o ′split salary′ e reduz o salário recebido no Brasil, assim ele não perde tanto com a questão do câmbio", afirma Dias.
A multinacional Bayer está implementando pela primeira vez o sistema de "split payroll", que divide a remuneração do expatriado entre a operação local e a original. Até o fim do ano passado, o salário era todo pago pelo país que recebia o profissional. "É uma forma de contemplar as questões de proteção de moeda, e também era o desejo de alguns expatriados", explica a head de RH no Brasil, Elisabete Rello. A mudança tem acontecido globalmente sempre que a legislação local permite.
A Bayer tem hoje 24 estrangeiros atuando na operação brasileira, a maior parte vinda da matriz na Alemanha, e 38 brasileiros em outros países, concentrados na operação alemã e nos EUA. Esses números apresentaram alguma queda em relação aos anos anteriores, maior no número de estrangeiros aqui - em 2014, por exemplo, eram 34. "Isso é bom, pois significa que estamos exportando mais do que importando. Como temos investido fortemente nos últimos anos em pessoas, na medida em que surge uma oportunidade há profissionais mais preparados para assumir posições que antes eram preenchidas por estrangeiros", diz Elisabete.
Ainda assim, o novo cenário de volatilidade e crise econômica tem exigido mais cautela na definição dessas movimentações. "Óbvio que a crise acaba fazendo com que a gente tenha um cuidado maior nas análises de expatriação, pois a empresa se preocupa em manter o poder aquisitivo do profissional", diz.
A variação cambial também impacta brasileiros enviados para outras operações, se eles continuarem a receber todo ou uma parcela do salário por meio da operação brasileira, em real. "É preciso tomar bastante cuidado na estruturação do contrato, para a empresa evitar alterar o salário base em razão da alta do dólar, senão quando o profissional retornar ao Brasil, esse valor vai ser incorporado na remuneração", explica Rodrigo Takano, sócio da área trabalhista do escritório do Machado Meyer. Para evitar que o executivo perca o valor de compra no exterior, a saída mais usada é aumentar o valor do adicional de transferência pago mensalmente, que pode variar de um período para o outro e é um rendimento transitório, que acaba ao fim da expatriação.
"O adicional tem que ser de pelo menos 25%, mas a empresa pode estabelecer um valor maior nos meses em que a variação cambial exigir isso", diz Caio Taniguchi, do ASBZ. Outra alternativa é oferecer benefícios indiretos, como custear moradia e cursos de capacitação. Há mais riscos trabalhistas nesse caso, segundo Taniguchi. "A empresa não pode pagar contas pessoais. Tudo que tiver uma relação de temporalidade atrelada ao período de transferência não se integra no salário, mas sempre pode ser questionado depois", diz.
(Valor Econômico - 31.03.2016, p. B2)
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