Para garantir que suas demandas sejam ouvidas na segunda etapa da reforma do Novo Mercado, segmento máximo de governança da BM&FBovespa, os investidores terão que correr - contra o tempo e atrás das empresas. Até o momento, a balança pende para o lado das companhias.

Após a primeira fase de audiência pública, a bolsa decidiu flexibilizar as propostas, atendendo, principalmente, as demandas das empresas. Entre as mudanças, a sugestão de obrigatoriedade de criação de um canal de denúncias externo foi retirada, e a necessidade de publicação da remuneração dos executivos e redução do quórum mínimo para aprovação da saída do segmento foram flexibilizadas.

Com o fim do prazo, em 6 de janeiro, para participar da segunda rodada de audiência pública, os investidores devem buscar as companhias e a própria bolsa para debater as mudanças propostas e serem ouvidos antes de o pleito ir à audiência restrita - quando apenas as empresas listadas no segmento se manifestam sobre a alteração nas regras. Agora, especialistas ouvidos pelo Valor destacam que os investidores devem se preocupar em serem mais participativos para tentar encontrar um denominador comum com as empresas e terem seus interesses também refletidos na reforma.

Na rodada anterior, apenas quatro gestoras se pronunciaram na audiência - Aberdeen, Tarpon, M&G Investments e Polunin Capital Partners-, além da BNDESPar, braço de participações do BNDES, e da Amec, associação que representa os acionistas minoritários. Entre os fundos de pensão brasileiros, por exemplo, nenhum se pronunciou individualmente.

"A participação dos investidores, de forma geral, foi muito pequena nesse processo, porque as empresas não os buscaram, mas também porque eles não procuraram ser ativos", afirma o gestor da Leblon Equities Pedro Rudge. Para ele, é preciso procurar ao menos as maiores companhias dos portfólios de investimento para, assim, tentar fazer com que empresas levem em conta, na tomada de decisão, a visão dos seus acionistas. "Se o próprio controlador tem uma visão diferente, que isso fique claro, pois ser transparente neste momento é importante para que o acionista saiba a perspectiva de longo prazo daquela companhia, já que o impacto das decisões recai sobre o bolso do investidor.

"Na visão do diretor da gestora Aberdeen, Peter Taylor, a participação dos acionistas até agora foi satisfatória, mas, sendo as empresas peças-chave do processo de evolução do segmento, é preciso que eles reforcem os pontos de discordância tanto com a bolsa quanto com as próprias companhias. O objetivo, segundo Taylor, é convencer as empresas de que algumas mudanças seriam benéficas para o investidor ou, pelo menos, instigá-las a aprovar a reforma para que o processo não seja inteiro perdido - se mais de um terço das empresas se opor às mudanças na audiência restrita, tudo fica como está hoje. "Quem toma a decisão final são as empresas, portanto é preciso abrir esses canais de diálogo com elas.

"Os gestores defendem que é importante ser pragmático e entender que "algum avanço é melhor do que nenhum", mas reforçam que os investidores devem tentar reverter algumas das flexibilizações que a bolsa adotou. Uma delas diz respeito à divulgação da remuneração máxima, média e mínima dos administradores das companhias. A princípio, a bolsa propôs que o Novo Mercado obrigasse a publicação desses dados. Depois, voltou atrás e sugeriu que a obrigação valesse apenas para novos ingressantes no segmento, mas não para as empresas contempladas por uma liminar do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças do Rio (Ibef-Rio).

"Esse ponto é um contrassenso, não é cabível a empresa estar no melhor nível de governança do mercado e se negar a dar uma informação tão básica quanto essa, em especial quando comparamos com outras regulações no mundo. É uma decisão que ainda espero que seja revertida", diz o presidente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec), Mauro Rodrigues da Cunha.

Em relação à composição do conselho de administração, outro ponto de interesse para os investidores, a Aberdeen chegou a sugerir um percentual maior de membros independentes no Novo Mercado - 30%, em vez dos 20% ou, no mínimo, dois, conforme sugeriu a bolsa. "A sugestão da BM&FBovespa já é positiva, mas ainda deixa o Brasil atrás de outros mercados emergentes. Na Ásia, ao menos um terço do conselho tem membros independentes", afirma Taylor.

"O investidor deve buscar a empresa para tentar mudar sua visão. Se isso não for possível, que pelo menos a proposta seja aprovada como está, o que já é algum avanço, ainda que não o ideal", diz Rudge.

O presidente da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca), Antonio Castro, considerou "uma boa notícia" a flexibilização das propostas da bolsa, mas preferiu não opinar sobre como poderia ser a interação dos investidores com as empresas neste momento. Ele se limitou a dizer que a entidade "dá muita importância à reforma do Novo Mercado".

Para a advogada Maria Cristina Cescon, sócia do escritório Souza Cescon e especialista em mercado de capitais, a dificuldade para aprovar grandes mudanças no Novo Mercado já era esperada. "Desde a última reforma do segmento, o cenário [econômico e financeiro] piorou muito. Mas acho que o investidor até está sendo contemplado na reforma. O que eu não sei dizer é se ele está interessado em participar neste momento em um mercado que não conhece tanto.

Para o advogado Mauro Guizeline, sócio do TozziniFreire Advogados, as companhias são prioridade em um processo de revisão como o atual. São as companhias que, no final, aprovam ou não as novas regras. Eliana Chimenti, sócia do Machado Meyer Advogados, apesar de acreditar que os minoritários também tiveram voz no processo, entende a importância de dar mais segurança aos investidores. "A bolsa vem buscando dar segurança para o mercado com a reforma. No caso das companhias com capital difuso, por exemplo, não há tanta segurança para o acionista.”

Uma questão, porém, desponta como relevante tanto entre investidores quanto entre empresas para garantir que pelo menos as normas propostas sejam aprovadas: a votação ponto a ponto, e não em bloco. A representante do Machado Meyer diz acreditar que a BM&FBovespa não deve tentar aprovar a mudança em bloco único, e sim por temas.

Segundo o cronograma da reforma, após o fim da audiência pública em janeiro, a minuta com as alterações vai para o período de audiência restrita, de 1º de março até 31 de maio. O período de votação das novas regras será em 1º de junho, com encerramento previsto no dia 30 do mesmo mês. Procurada, a BM&FBovespa não comentou.

(Valor Econômico)

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