Por Marília Scriboni
Em seu primeiro parecer para a varejista Walmart, o advogado Deolindo Crivelaro Neto causou
espécie ao citar a doutrina de Pontes de Miranda. Há cinco anos trabalhando no
escritório Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados, ele acabara de
mudar para o departamento jurídico da rede, como parte de uma experiência
pioneira entre a empresa e o escritório, o job
rotation. No lugar de Neto, a loja enviou para a banca a também
advogada Karla Bernicchi, que atua há seis anos no
estabelecimento, na área tributária.
A troca de papéis foi produtiva, contou Amira Chammas,
diretora jurídica do Walmart, durante a 15ª
Conferência Anual de
Departamento Jurídico, promovida pela International Business
Communications, nesta quarta-feira (20/6). Depois de 17 anos atuando juntos,
departamento jurídico e escritório resolveram estreitar ainda mais a relação.
“Foi uma maneira que encontramos de capacitar nossa advogada com baixo
custo.” Amira explica que o feedback entre
as duas partes é constante e diário. “A parceria tem de ser transparente”, diz.
Deolindo Neto conta que, no começo,
ficou inseguro. “Parei de elaborar peças e passei a escrever pareceres
internos. Participei de reuniões com diversas áreas, como fiscalização,
importação e comercial”, diz. “Aprendi que o mais importante é focar na
operação, sempre, não adianta falar bonito.”
Já para Karla, uma das maiores dificuldades foi a linguagem. “No
departamento jurídico, eu estava acostumada a empregar uma linguagem mais
simples. No escritório, eu tive que mudar isso”, lembra. No Machado, Meyer,
ela não atendeu à conta do Walmart, mas sim a outras operações mais específicas
em contencioso e consultivo.
Para Amira, é importante que o advogado conheça outros
horizontes e que estabeleça uma troca de culturas com outras empresas. Por meio
do job rotation,
explica, é possível reter talentos, tornar o time mais coeso, reduzir os custos
com treinamento e capacitar profissionais para outras áreas, para casos como
substituição de férias.
Também acredita na efetividade da iniciativa a advogada Daniela Zagari,
sócia do Machado, Meyer e responsável pela área tributária da banca. “Nosso
controle de qualidade é cotidiano.”
Contrato e acompanhamento
O diálogo inicial aconteceu, em primeira mão, entre Daniela e Amira.
“Nada foi imposto”, conta a executiva do Walmart. O primeiro passo foi ajustar
o contrato, que passou pela área trabalhista do Machado, Meyer. Um prazo
foi delimitado, férias foram respeitadas. “A Karina e o Neto, de fato,
mudaram de papéis. Era como se eles fossem mesmo, na prática, trabalhadores de
lá”, conta. Nenhum dos dois recebeu honorários durante os seis meses do intercâmbio,
de julho a dezembro de 2011.
Tanto no Machado, Meyer quanto no Walmart uma preocupação
foi recorrente: o sigilo. Por isso, os dois advogados assinaram um termo de
confidencialidade, que só permitia o acesso restrito à rede. Cada um tinha um
mentor e relatórios com indicadores eram apresentados periodicamente.
Daniela Zagari acredita que o maior
benefício com o rodízio foi o estreitamento da parceria entre o departamento
jurídico e a banca. “Também reduz o tempo para o advogado entender coisas que
só aprenderia mais à frente”, conta. A banca, diz, está aberta para outras
experiências do tipo.
Já Amira, que viu na troca uma forma de treinamento, vê como
ponto alto a capacitação para outros negócios. Na volta, Karla foi promovida, e
o inglês, conta, “está muito melhor”.
Modelo ideal
Paulo
Frank Coelho da Rocha, sócio do Demarest e Almeida Advogados,
explica que o diretor jurídico, hoje, é aquele que mantém todo o trabalho do
departamento jurídico na linha, "além de gerenciar o escritório
externo". Ao falar sobre os lucros, ele diz que o empregado "tem de
ser criativo na contratação". Pode, por exemplo, escalonar o preço por
meio de fatias de um mesmo projeto.
Já Carlos Fernando Siqueira Castro, sócio do
Siqueira Castro Advogados, lembra que não é o escritório quem escolhe o
cliente. Por isso, a "adaptabilidade e a flexibilidade são as maiores
virtudes de uma banca". "A advocacia de empresa requer uma empresa de
advocacia", improvisa.
"Às vezes, é necessário fazer mais por menos. Para isso, a
equipe tem de ser heterogênea. Tem que ter advogado júnior, sênior, pleno...",
enumera. E completa: "A gratidão do cliente é dinheiro no bolso no final
do mês. Por isso, vamos ouvir mais os clientes. Quem não presta assistência,
abre para a concorrência."
O advogado acredita, ainda, que muitas vezes o diretor jurídico
age de maneira irresponsável. "Nós temos que correr os riscos juntos.
Quando for contratar uma banca, não dá para comparar pelo preço, a não ser que
o objetivo seja a curto prazo", diz.
Marília Scriboni é repórter da
revista Consultor Jurídico.
(Revista
Consultor Jurídico 22.06.2012)
(Notícia
na Íntegra)