Por Natalia Viri

A postura mais realista do governo no leilão de ajuste realizado ontem garantiu que as distribuidoras contratassem boa parte da necessidade de energia necessária para abastecer o mercado no primeiro semestre. Mas o preço elevado necessário para atrair oferta em meio à escassez deve se traduzir em reajustes elevados nas tarifas.

Foram negociados 2,1 mil megawatts (MW) médios em contratos de três e seis meses, cerca da metade para compensar os contratos de 4 mil MW médios que venceram em 2014. O preço médio ficou em R$ 387,07 por MWh, próximo ao teto de R$ 388,48 do Preço de Liquidação das Diferenças (PLD), parâmetro para negociações no mercado de curto prazo (spot).

"Deixar para contratar em cima da hora e na crise custa muito caro. É como comprar uma passagem para o Carnaval na sexta-feira", afirma Claudio Sales, do Instituto Acende Brasil. Segundo ele, o governo acertou em trazer preços mais condizentes com o mercado, mas o problema poderia ser evitado se o pragmatismo tivesse prevalecido nos últimos dois anos.

Apesar dos preços equivalentes ao mercado spot, as distribuidoras têm uma vantagem importante na contratação via leilão. Nesses casos, o repasse às tarifas já pode ser feito no próximo reajuste, enquanto, nas liquidações de curto prazo, a contabilização é feita mês a mês, o que pode levá-la a carregar a conta por mais tempo, pressionando o caixa.

Diante do cenário de reservatórios em baixa, a oferta foi dominada principalmente por comercializadoras. O maior vendedor foi o BTG Pactual, com 800 MW médios. "As comercializadoras têm um portfólio muito mais flexível e trabalham em cima da distorções de mercado", afirma Laura Souza, do Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados.

Na lista de ofertantes, chamou atenção ainda a presença de indústrias eletrointensivas. A fabricante de alumínio Alcoa vendeu 25 MW médios e a Companhia Brasileira de Alumínio (CBA), outros 90 MW médios. A Gusa Nordeste, que produz ferro-gusa, fechou contratos para venda de 9 MW médios.

Entre as geradoras, apenas a Cemig vendeu 250 MW médios. Cesp e Copel, que tem concessões que vencem em julho, ficaram de fora. De acordo com Sales, do Acende Brasil, o setor de geração está mais cauteloso por conta do déficit hídrico. A diferença entre as garantias físicas das hidrelétricas e a energia gerada é liquidada no mercado de curto prazo e elas preferem ficar descontratadas para poder mitigar esse risco.

O leilão de ajuste foi uma espécie de "tapa-buraco" por conta da frustração de oferta da modalidade A-1, quando foram vendidos apenas 622 MW médios, garantidos por Eletrobras e Petrobras, em contratos em três anos.

A situação de descontratação é mais crítica para o primeiro semestre, já que a partir de julho está prevista a entrada de cerca de 3 mil MW médios em energia barata de usinas cujas concessões venceram.

O ingresso das cotas, no entanto, ainda é uma incerteza, já que a Cemig contesta na Justiça a devolução de usinas. Para a primeira metade do ano, a situação se complicou porque a estatal mineira conseguiu uma liminar para continuar operando a usina de São Simão, com 1,3 mil MW médios que se transformaria em cotas já neste mês, até que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) dê um parecer sobre a questão.

(Valor Econômico - 16.01.2015, p.B2)

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