Por Letícia Fucuchima e Taís Hirata

Último leilão federal do ano, a concorrência de ontem por linhas de transmissão foi marcada por forte interesse dos competidores, o que se traduziu no maior deságio da história. Com elevado número de ofertantes por lote e disputas a viva-voz, o desconto médio sobre a Receita Anual Permitida (RAP) atingiu 60,3%, superando o recorde de 55,3% de 2018. O leilão também se destacou pelo perfil diversificado de investidores, com participação tanto de grupos tradicionais quanto de empresas de médio e pequeno porte, que ofereceram lances agressivos e conseguiram desbancar grandes competidores.

No certame, foram arrematados todos os 12 lotes oferecidos, incluindo aqueles com empreendimentos que já haviam sido ofertados anteriormente. Distribuídos em 12 Estados, os projetos envolvem 2.470 km de linhas e subestações com capacidade de transformação de 7.800 mega-volt-ampères (MVA). No total, são estimados investimentos de cerca de R$ 4,2 bilhões e geração de 8.782 empregos diretos.

De acordo com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a licitação proporcionará economia ao sistema da ordem de R$ 430 milhões por ano. Desse total, R$ 210 milhões devem vir da redução na Conta de Consumo de Combustíveis (CCC) com a oferta do lote 11, com empreendimentos no Acre.

Ao todo, 38 empresas participaram da concorrência, que contou com a presença de estrangeiros já conhecidos no país, como os colombianos do grupo ISA e os portugueses da EDP. Quem se sagrou como a grande campeã foi a ISA CTEEP: os três lotes arrematados pela companhia (1, 6 e 7) somam R$ 1,3 bilhão em investimentos, cerca de 30% do total do leilão.

Na avaliação do mercado, os resultados do certame de ontem comprovam que o setor elétrico segue como um vetor de boas notícias ao governo federal. Para Laura Souza, sócia de Energia do escritório Machado Meyer, a licitação trouxe um novo vigor ao país após a frustração com o megaleilão de petróleo. A especialista observa que, embora os mercados de energia e óleo e gás não sejam diretamente comparáveis, a decepção com os leilões de cessão onerosa e da 6ª Rodada de partilha de produção haviam gerado ceticismo quanto a atratividade do Brasil ao investimento estrangeiro.

Mesmo os deságios agressivos não devem ser encarados como lances de “aventureiros”, que poderiam trazer algum risco à viabilidade dos projetos, avalia a Thymos Energia. “As empresas estão aceitando correr um risco maior, com expectativa de antecipar a entrega da linha”, afirma João Carlos Mello, presidente da consultoria.

Grande vencedora do certame, a ISA CTEEP foi responsável por elevar os deságios da competição. Segundo o diretor financeiro da companhia, Alessando Gregori, a estratégia era justamente essa: se concentrar nos empreendimentos que trariam mais sinergias às suas operações e pelos quais poderia oferecer lances “ganhadores”.

Além da própria atratividade dos projetos, o interesse da ISA CTEEP no certame demonstrou a confiança do grupo no Brasil, de acordo com o diretor técnico Carlos Ribeiro. “Estamos em um ciclo virtuoso, com crescimento importante. A estabilidade regulatória e jurídica nos dá condições de vir aqui e colocarmos nossas ofertas de forma consciente e planejada.”

Somando os empreendimentos conquistados ontem, a ISA CTEEP tem 13 projetos de transmissão em andamento. Nos últimos três anos, a companhia arrematou dez lotes, que somam investimentos estimados em R$ 2,9 bilhões. Desses, nove estão em desenvolvimento e um deles, o Itapura-Bauru, foi energizado no terceiro trimestre, com 18 meses de antecedência em relação ao prazo estipulado pela Aneel.

Outro destaque do leilão foi a presença de novos investidores - principalmente companhias com mais experiência em construção e não tanto em operação de linhas de transmissão. É o caso da Zopone Engenharia e Comércio, que levou dois lotes. No primeiro deles, arrematou sozinha uma linha de transmissão de 238 quilômetros entre Minas Gerais e Rio de Janeiro. O segundo lote, que a construtora ganhou em consórcio com a Sollo Participações (Consórcio Norte), é um dos mais complexos licitados ontem: uma linha de 672 quilômetros no Acre, onde questões de licenciamento ambiental costumam gerar entraves.

Outro grupo menos tradicional que chamou a atenção foi o Consórcio VSF, formado pela KF Participações e pela JAP Participações. As empresas são donas da Jaac, que começou a atuar no setor de transmissão no fim do ano passado, quando arrematou uma linha de transmissão no Amazonas. A companhia também ficou conhecida no setor em meados de 2018, quando teve problemas técnicos para se habilitar para o leilão e entrou com uma liminar que paralisou a concorrência por sete horas.

Outras empresas menos tradicionais que arremataram lotes ontem foram a construtora paranaense Montago, que tem experiência em construção de linhas; a Engepar, empresa do Mato Grosso do Sul; e a Barollo Participações.

A entrada desses grupos menores no setor já era esperada, por conta da oferta de lotes pequenos. E a expectativa é de que essa se torne tendência para os próximos leilões. “As grandes linhas serão menos frequentes. Vai haver mais conexões regionais, de tensão mais baixa, e não vejo grande insegurança na entrada de empresas menores nesses ativos”, diz João Carlos Mello, da Thymos Energia.

Questionado sobre o possível risco em relação a esses novos agentes, Rodrigo Limp, diretor da Aneel, disse que o órgão regulador faz a avaliação prévia à assinatura do contrato e que tem mecanismos para garantir que as companhias terão capacidade de entregar os empreendimentos dentro do cronograma e operá-los. “Vemos com satisfação a entrada de novos ‘players’. Isso é bom para a competição. Caso [a empresa] não atenda requisitos de qualidade, terá descontos na receita. Caso a empresa queira transferir controle, faremos novamente a análise do novo controlador.”

Estão previstos dois leilões de transmissão em 2020. A concorrência do primeiro semestre deverá licitar sete lotes de linhas em seis Estados. Entre eles, deverão estar lotes da Amazonas Geração e Transmissão (GT) - linhas na região Norte, principalmente no Amazonas. Hoje a Amazonas GT (fruto da cisão com a Amazonas Distribuição) está operando essas linhas como designada, mas optou por não seguir com os ativos. A essas linhas já construídas serão agregadas novas instalações, combinando ativos existentes e novas obras.

Já o leilão previsto para o segundo semestre ainda está em elaboração pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), mas já existe a previsão de ao menos R$ 9 bilhões de investimentos.

Valor Econômico 
https://valor.globo.com/empresas/noticia/2019/12/20/leilao-de-transmissao-bate-recorde-de-desagio.ghtml
(Notícia na Íntegra)