As diferenças sempre geram atrito. Cada um tem a sua compreensão da verdade e acredita fielmente nela. Assim, cada indivíduo interpreta, por meio de seus valores e crenças, as normas impostas para convívio.
Mas se cada um entende o texto de uma forma, como conseguir que todos entrem em um acordo e vivam em harmonia? É intrínseco ao ser humano acreditar nos seus instintos e querer estar certo, o que pode levar a conflitos, especialmente quando pessoas com posicionamentos divergentes não conseguem chegar à autocomposição.
O direito tenta suprir essa necessidade do ser humano de querer estar sempre com a razão ao estabelecer limites e premissas básicas de interpretação das regras, que consideram o momento histórico em que essas regras foram criadas, as relações interpessoais e a busca pela justiça. Pode parecer simples, mas não é.
Apesar de a hermenêutica buscar induzir os diferentes a entender as normas da mesma maneira, essa é uma missão extremamente complexa, porque as experiências humanas podem levar a diferentes interpretações e convicções sobre o mesmo assunto.
Mas, afinal, quem estará certo? Existe apenas uma resposta?
Como o ser humano é um ser racional e emotivo, que vive em contato com seus semelhantes, podem surgir conflitos em qualquer aspecto de sua convivência. A via tradicional e mais conhecida de solução de conflitos é o Poder Judiciário, em que duas ou mais partes se enfrentam e levam seus pontos e considerações para um órgão estatal, que analisará argumentos, fatos e provas e dará vitória a uma delas.
É essencialmente uma dinâmica típica de um processo adversarial, de embate de argumentos, que dificilmente leva a uma possibilidade de aproximação e diálogo - ao contrário, cada parte, convicta de suas posições, com o passar do tempo, acaba se convencendo de que o único resultado possível é a sua vitória. Em raras ocasiões os argumentos da parte contrária são suficientes para permitir uma nova reflexão sobre os fatos e, assim, um acordo.
Entretanto, toda ação judicial envolve tempo e dinheiro, além do desgaste das partes envolvidas. Quanto maior o tempo para resolução do conflito, maior a probabilidade de novos conflitos surgirem.
Quando a divergência de entendimento se dá apenas entre pessoas físicas, são elas que decidirão se têm tempo e capital suficientes para bancar uma discussão. Mas se o conflito envolver empresas, os mecanismos podem se complicar, já que há uma exposição do nome da organização no mercado, assim como do próprio negócio, pois os recursos (tempo e dinheiro) que poderiam ser investidos no desenvolvimento da atividade acabam destinados ao litígio.
Apesar de, como já dito, tradicionalmente se recorrer ao Poder Judiciário, as boas práticas de governança corporativa atuais buscam fazer uma composição entre as partes interessadas, para tentar manter as boas relações e evitar o prolongamento de conflitos, além de preservar o bom nome da empresa no mercado e o investimento em suas atividades.
É nesse cenário que figura a utilização de métodos alternativos para resolução de conflitos, uma forma rápida e eficaz de resolver todo e qualquer tipo de conflito, interno ou externo, para evitar prejuízos e manter o bom andamento da empresa.
Apresentamos, a seguir, uma visão geral sobre cada um dos principais métodos utilizados e sua relevância para a governança corporativa das empresas.
Conciliação, mediação e arbitragem
A máquina judiciária é complexa. Diversos conflitos chegam a todo momento às mãos dos juízes, com discussões sobre as mais diversas matérias, o que acaba por sobrecarregar o sistema. Muitas vezes, são anos de espera, com grande desgaste para as partes e um custo alto, até que uma decisão final e definitiva seja proferida.
Para tentar melhorar essa situação, métodos alternativos de resolução de conflitos foram sendo introduzidos em nosso sistema jurídico. Não é mais necessário aguardar anos em uma fila para uma decisão justa. E essa não é única vantagem da utilização desses meios alternativos.
Como mencionado anteriormente, as boas práticas de governança corporativa devem prezar pela utilização de métodos alternativos para solucionar conflitos e utilizar demandas judiciais apenas quando inevitáveis. Assim, as divergências tendem a ser resolvidas mais diretamente pelas partes e, também, com mais rapidez, trazendo serenidade e economia de recursos para as empresas.
São três os principais métodos alternativos de resolução de conflitos: conciliação, mediação e arbitragem.
A conciliação, como meio de resolução de conflitos, pode acontecer em diversos momentos de um conflito: antes da proposição de uma ação, no decorrer dela ou até mesmo após o trânsito em julgado. Nesse método, um terceiro (conciliador) propõe alternativas para solução do conflito e, junto com as partes, busca um denominador comum. Essa técnica tem se mostrado bastante eficiente para solucionar desavenças e é muito utilizada no ordenamento jurídico brasileiro.
A mediação apresenta algumas diferenças em relação à conciliação por se tratar de uma forma de heterocomposição de conflitos, em que há uma ou mais pessoas neutras e imparciais (ou seja, não diretamente envolvidas com o conflito). Por meio de técnicas apropriadas, essas pessoas assistem as partes na solução dos conflitos, identificando os pontos de controvérsia e dando o apoio necessário para que elas tomem decisões capazes de atender, da melhor forma possível, aos respectivos interesses.
Não menos importante é a arbitragem, método também muito utilizado para resolução dos conflitos, principalmente quando se trata de disputas sobre direitos patrimoniais disponíveis. Na arbitragem, as partes contam com o auxílio de um especialista, que decidirá a controvérsia de forma bastante parecida com um juiz estatal.
Embora também a arbitragem seja um procedimento de modelo adversarial - o que a distingue da composição e da mediação -, o fato de as partes terem que conversar para escolher árbitros e estabelecer o rito do procedimento arbitral tende a fazer com que elas tenham maior controle sobre o processo e sua duração.
Vale ressaltar que os métodos alternativos de resolução de conflitos não são um substituto à via judicial, mas caminhos alternativos e complementares que têm o objetivo de evitar o abarrotamento do Judiciário e, consequentemente, apresentar às partes resultados concretos com mais agilidade.
A importância dos métodos alternativos de resolução de conflitos é tão grande que o legislador fez questão de mencionar a possibilidade de sua utilização no Código de Processo Civil atual, em seu art. 3º, § 3º, assim como destacou a necessidade de juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público estimularem o uso desses métodos.
Governança corporativa e a busca por vias alternativas às demandas judiciais
De acordo com o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), a "governança corporativa é o sistema pelo qual as empresas e demais organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre sócios, conselho de administração, diretoria, órgãos de fiscalização e controle e demais partes interessadas. As boas práticas de governança corporativa convertem princípios básicos em recomendações objetivas, alinhando interesses com a finalidade de preservar e otimizar o valor econômico de longo prazo da organização, facilitando seu acesso a recursos e contribuindo para a qualidade da gestão da organização, sua longevidade e o bem comum."
A governança está inserida no conceito ESG (sigla em inglês para Environmental, Social and Governance), que abrange uma série de princípios corporativos adotados pelas empresas para transformar seus negócios, considerando critérios ambientais, sociais e boas práticas de governança corporativa. Ela permite à empresa garantir o melhor desempenho de suas atividades, por meio de uma boa gestão administrativa, decisões mais embasadas e mais transparência na relação com acionistas e terceiros. Por meio de uma governança corporativa eficaz, busca-se um bom desempenho da empresa com foco no futuro da organização e na responsabilidade social corporativa.
Como boa prática de governança corporativa, o IBGC recomenda, em seu Código de Melhores Práticas, o uso das vias alternativas de conflitos para resolução de controvérsias de maneira ágil e eficaz, sejam elas dentro da própria organização ou com terceiros.
Isso porque, por meio das formas mencionadas de resolução de conflitos, a empresa pode mitigar seus passivos sem que seja preciso aguardar anos por um resultado. Além disso, com a aplicação desses métodos, todo o dinheiro que seria gasto em um litígio fica liberado para ser investido na atividade empresarial.
Com o uso das práticas alternativas aqui abordadas, além da agilidade para resolver seus conflitos, as empresas se tornam também agentes transformadores do Poder Judiciário, ao evitar o abarrotamento de litígios que podem ser resolvidos de outras formas.
Para além da responsabilidade social de desempenhar sua função no mercado, elas colaboram com o Poder Judiciário, utilizando a autonomia privada das partes para fazer uma autocomposição justa, capaz de chegar a um bom resultado para todos os envolvidos, sem a necessidade de uma disputa judicial.
As empresas podem utilizar esses meios para solucionar situações que envolvam demandas repetitivas. Nesses casos, a aplicação pelas próprias partes de uma decisão judicial já utilizada em situações análogas pode aliviar o atravancamento do Judiciário com litígios semelhantes.
Vemos assim que as empresas têm plenas condições de buscar a composição de seus conflitos sem necessariamente precisar recorrer ao Poder Judiciário. Esse tipo de atitude está alinhado às boas práticas de governança corporativa e, além de ajudar a diminuir o abarrotamento do Poder Judiciário, fortalece as relações comerciais e preserva os fundos da organização, que, de outra maneira, seriam destinados a longos litígios processuais.
A busca por vias alternativas é, portanto, um caminho promissor para a solução de conflitos e as empresas podem, cada vez mais, contar com o apoio de escritórios de advocacia que vêm se especializando no aconselhamento e acompanhamento de todas as vias de resolução aqui abordadas.
1 IBGC. Código das melhores práticas de governança corporativa, 2015.
Eduardo Perazza - Sócio área de Contencioso do Machado Meyer Advogados
Renato Carvalho Barbosa de Lima - Advogado da área de Contencioso do Machado Meyer Advogados.
(Migalhas - 10.04.2023)