A possível revisão do leilão do aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, devido a pressões do governo estadual, tem gerado preocupação em parte do setor e questionamentos no estado de São Paulo. O temor é que as mudanças sejam de caráter político, e não técnico. Além disso, há críticas de que as mudanças podem beneficiar o Rio, mas afetar a situação do aeroporto de Guarulhos, em São Paulo — o que pode desencadear uma nova frente de disputa.

Os governos estaduais e municipais do Rio vêm pressionando o governo federal desde o ano passado para alterar o leilão Santos Dumont, visto como uma das “joias da coroa” do setor. Eles temem que os novos investimentos coloquem em risco a operação do outro aeroporto do estado, o Galeão, controlado pela chinesa Changi. Por isso, pedem a inclusão de restrições na operação Santos Dumont para, segundo eles, evitar que a demanda do Galeão seja prejudicada.

Diante das ameaças de litígio e da cassação das licenças ambientais do projeto, o governo federal concordou em negociar os termos do edital por meio de um grupo de trabalho, que será criado nesta semana.

Esse movimento, no entanto, pode gerar reações. A concessionária de Guarulhos, controlada pela Invepar, já pediu ao Ministério da Infraestrutura para participar do grupo. A empresa diz que seu objetivo é “contribuir para uma possível solução técnica que não gere assimetria competitiva entre os aeroportos envolvidos e o Aeroporto Internacional de São Paulo”, afirmou em nota.

A avaliação é que a criação de mecanismos para estimular a demanda no Galeão aumenta artificialmente a concorrência no aeroporto de Guarulhos. Dessa forma, a concessão paulista seria duplamente afetada pelo aumento da concorrência, já que o governo federal também planeja leiloar o aeroporto de Congonhas, em São Paulo.

Uma fonte diz que, caso o Galeão seja beneficiado, a concessionária de Guarulhos terá que pleitear um reequilíbrio econômico-financeiro ou vantagens semelhantes – por exemplo, a criação de restrições também na nova concessão de Congonhas.

Para uma fonte que acompanhou de perto a estruturação do projeto, a reclamação de Guarulhos faz sentido, já que o aeroporto de São Paulo é hoje o principal concorrente do Galeão em voos internacionais.

Para Fábio Falkenburger, sócio do Machado Meyer, a criação de restrições no aeroporto Santos Dumont pode ser uma solução para evitar uma disputa com Rio de Janeiro e Galeão. No entanto, representaria uma mudança de postura do governo federal em relação aos leilões de aeroportos e, portanto, poderia abrir um precedente para outras concessões levantarem questões semelhantes.

“O posicionamento até agora sempre foi: o risco da demanda de passageiros é um problema exclusivo das concessionárias. Essa foi a postura no embate entre Confins e Pampulha [em Minas Gerais], no questionamento das concessões em São Paulo sobre a possibilidade de um quarto aeroporto no estado. Então, se for criada uma proteção nesse caso, há espaço para questionamentos de outros grupos”, diz.

Uma alternativa já sugerida pelo Ministério da Infraestrutura seria, ao invés de impor restrições ao Santos Dumont, utilizar os pagamentos fixos da concessão para gerar investimentos no acesso ao Galeão. Essa seria a solução ideal, diz Renato Sucupira, sócio da BF Capital. “Colocar uma limitação no aeroporto vai contra o bom senso, seria cortar a própria garganta do Rio de Janeiro. Seria muito melhor criar melhorias no Galeão do que destruir investimentos no Santos Dumont”, diz. Sucupira lembra que o governo federal já converteu os pagamentos da concessão fixa de Guarulhos em investimentos em mobilidade para melhorar o acesso ao aeroporto – portanto, não faltaria igualdade nesse caso.

Questionado sobre a questão de Guarulhos, o Ministério da Infraestrutura afirmou que “as concessões seguem critérios estritamente técnicos e de interesse público”, além dos princípios regulatórios de liberdade de fornecimento e liberdade tarifária.

O ministério afirma ainda que os estudos de viabilidade do leilão levaram em conta os impactos das novas concessões na economia local onde estão localizados os aeroportos, e que a criação do grupo de trabalho indica que o governo “mantém aberto o canal de diálogo com os partes interessadas no processo para melhorar a proposta.”

A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) afirmou que “qualquer alteração que venha a ser feita na modelagem será amplamente discutida e analisada pela equipe técnica”.

No momento, os analistas não veem o risco de disputas como um fator que afastará os investidores. A criação do grupo de trabalho pelo governo federal foi vista como uma tentativa de neutralizar os efeitos negativos, diz Caio Loureiro, do escritório Cascione Pulino Boulos Advogados.

“Essa discussão não é boa, gera algum risco, que o mercado pode ver como negativo. Neste momento, não basta afastar [investidores], mas é um ponto de atenção. Porque o grupo de trabalho também pode não chegar a nenhuma conclusão e o aeroporto pode ir a leilão com essa resistência”, diz.

Mesmo com possíveis restrições na operação, a avaliação é que Santos Dumont – que será leiloado em bloco com os aeroportos de Jacarepaguá (Rio de Janeiro), Montes Claros, Uberlândia e Uberaba (MG) – continua atrativo para o setor privado . No entanto, as limitações tendem a afetar o preço das ofertas, destaca Bruno Aurélio, sócio do Demarest. “Isso pode impactar o preço, reduzindo o número de voos e a receita não tarifária”, diz ele.

Outro possível impacto do imbróglio é o atraso do leilão. Nesse caso, ele acredita que seria interessante separar o bloco Santos Dumont dos outros dois lotes previstos na sétima rodada — São Paulo-Pará (que inclui Congonhas) e Norte (com Belém e Macapá).

(O Petróleo - 19.01.2022)