Por Cristiane Romano Farhat Ferraz e Larrisa Carvalho Gersanti.

A pandemia global provocada pelo novo coronavírus ("covid-19") gerou impactos em todos os setores da sociedade brasileira, visivelmente afetados pelas medidas editadas pelos governos, tanto nas esferas federais quanto estaduais e distritais, com intuito de aplacar a crise. Como era de se esperar, tais medidas estão sendo questionadas quase que instantaneamente por diversas entidades perante o Supremo Tribunal Federal ("STF"). Dessa forma, a capacidade do STF de dar respostas rápidas e assertivas tem sido vital para a condução da crise, de modo a assegurar a observância dos princípios que regem o Estado Democrático de Direito brasileiro.

O próprio STF, sensível à gravidade da situação, em sessão administrativa ocorrida em março, rapidamente entendeu a importância de seu papel como instituição basilar da República, porquanto assegurou seu pleno funcionamento, mas impôs, prudentemente, severas restrições à circulação de pessoas. Para tanto, ampliou a possibilidade de julgamento virtual para, a critério do relator, todos os processos de competência do STF[1], suspendeu prazos processuais de processos físicos[2] e permitiu o uso de videoconferência nas sessões de julgamento do Plenário e das Turmas[3].

Embora haja várias ressalvas em relação a essas medidas, fato é que o STF tem sido cada vez mais cobrado não só pelas entidades que representam classes ou categorias econômicas, mas também pelo próprio governo, que busca amparo para realizar algumas ações em um contexto de calamidade pública, em especial no que toca ao Pacto Federativo para definir o que é competência de quem (União, Estados, Distrito Federal e Municípios).

Os questionamentos são tantos que o STF já recebeu 938 ações relacionadas à covid-19. Foram proferidas já 634 decisões[4], sendo que boa parte delas foi indeferida por inadequação da medida escolhida. Apesar de os Habeas Corpus representarem a maioria das medidas apresentadas até o momento, as ações que têm mais chamado atenção são as de controle concentrado de constitucionalidade, uma vez que as decisões ali proferidas irão repercutir em todo o país, considerando seu caráter eminentemente objetivo.

Como já mencionado, o próprio governo federal, na figura do presidente da República, tem buscado a jurisdição do STF para solucionar questões que surgiram com a decretação de estado de calamidade, ajuizando para tanto a ADI 6357 e da ADPF 663, ambas de relatoria do Min. Alexandre de Moraes.

Na ADI 6357, o presidente da República requereu o afastamento de algumas exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n. 101/2000) e da Lei de Diretrizes Orçamentárias (Lei n. 13.898/2020) em relação à criação e à expansão de programas de prevenção ao novo coronavírus e de proteção da população vulnerável à pandemia, enquanto que a ADPF 663 buscou a prorrogação do prazo de validade das Medidas Provisórias em trâmite no Congresso Nacional.

Para tais questões, o STF já forneceu uma resposta célere, ainda que monocraticamente. O ministro Alexandre de Moraes afastou a exigência de demonstração de adequação e compensação orçamentárias em relação à criação/expansão de programas públicos destinados ao combate no contexto de calamidade gerado pela disseminação do novo coronavírus, bem como autorizou alterações nos regimes de tramitação das Medidas Provisórias. Tais decisões, ainda que em sede de medida cautelar, cujo referendo do Plenário se faz necessário, demonstram a aptidão para solucionar demandas mais imediatas.

A sociedade Civil, de outra parte, questiona medidas trabalhistas impostas neste momento em que "o cobertor está curto". Ampara-se um lado e o outro se sente desacolhido.

O STF foi chamado para ser o fiel da balança e, usando a ponderação, decidirá pelo caminho menos danoso preservando direitos para que a sociedade possa caminhar nos trilhos da normalidade em um futuro, que, espera-se, seja em breve.

Essa certamente não foi a primeira vez que o STF foi acionado para resolver questões urgentes e necessárias em um período de crise. Na não tão longínqua greve dos caminhoneiros de 2018, que paralisou rodovias do país por alguns dias, o presidente da República propôs a ADPF 519 questionando diversas decisões que autorizavam os participantes de movimento a ocupar bens públicos de uso comum de forma indevida, inviabilizando o escoamento da produção nacional pelas rodovias. O ministro Alexandre de Moraes, também relator dessa ação, deferiu a medida cautelar pleiteada para autorizar a adoção de medidas necessárias para resguardar a ordem durante a desobstrução das rodovias nacionais em decorrência da paralisação dos caminhoneiros. Todavia essa decisão, proferida em 25 de maio de 2018, não foi analisada em sede de referendo pelo Plenário.

Com a gravidade da crise atual, sem precedentes na história do país, a Suprema Corte tem agido rapidamente. Tanto assim é que fez, de forma célere, as adaptações necessárias para retomar os julgamentos do Plenário por videoconferência, readequou a pauta e, para as sessões de 15 e 16 de abril, que serão as primeiras sessões da história do STF realizadas por videoconferência, incluiu diversos referendos em medidas cautelares de ações relacionadas à covid-19. Assim, espera-se a análise, pelo Plenário, de decisões monocráticas proferidas por diversos ministros da Corte, fornecendo, por conseguinte, segurança jurídica a todos.

No que diz respeito aos julgamentos virtuais que estão ocorrendo desde o início da crise, a crítica que se faz é a inclusão nas pautas de casos de controle concentrado, os quais afetam toda a sociedade. Nesses casos, que em regra já estavam nos gabinetes bem antes da pandemia esperando para serem julgados, não se poderia dispensar o julgamento colegiado presencial, que conta com ampla participação dos advogados, os quais fazem intervenções, que, em geral, enriquecem o debate e contribuem para que as decisões abordem, de forma ampla, todos os espectros da questão analisada.

Caso a ampliação dos julgamentos virtuais seja realmente necessária em razão da crise, dever-se-ia, ao menos, dever-se-ia, ao menos, haver a possibilidade de, a requerimento dos advogados, automaticamente retirar-se o caso de pauta para julgamento no Plenário a fim de que todas as garantias inerentes ao processo, como contraditório e ampla defesa, sejam plenamente exercidas.

Quanto aos demais julgamentos virtuais, imperiosa a disponibilização da integra dos votos à medida que são proferidos. Isto porque, se já não há o debate, fundamental às decisões judiciais, sobretudo na Suprema Corte, ao menos as partes poderiam saber o teor dos votos no decorrer do julgamento que dura, em regra, cinco dias úteis para terminar.

Nos momentos de crise a capacidade das nossas instituições é posta a prova. Até aqui, o STF, sob a batuta do presidente Dias Toffolli, demonstrou que possui plena capacidade para fornecer respostas rápidas, o que ocorre majoritariamente por meio de decisões monocráticas, logo levadas ao plenário.

O que não pode acontecer, entretanto, é que procedimentos excepcionais, criados no momento da crise, mitiguem o contraditório e a ampla defesa e se perpetuem afastando os advogados dos Tribunais com julgamentos virtuais e audiências à distância. Não foi sem razão que a Constituição Federal estabeleceu no artigo 133 que o advogado é indispensável à administração da Justiça.

*Cristiane Romano e Larissa Carvalho Gersanti são, respectivamente, sócia e advogada da área tributária do Machado Meyer Advogados


[1] Emenda Regimental n. 53, de 18 de março de 2020, publicado no DJe nº 66, divulgado em 19 de março de 2020.
[2] Resolução n. 670, de 23 de março de 2020.
[3] Resolução n. 672, de 26 de março de 2020.
[4] Informações obtidas do PAINEL DE AÇÕES COVID-19, disponível em https://transparencia.stf.jus.br/extensions/app_processo_covid19/index.html. Acesso em 13/04/2020, às 18:33

(O Estado de S. Paulo online - 15.04.2020)