Escritórios possuem mais advogadas do que advogados, mas as mulheres compõem, em média, apenas 30% das sócias
Desde que me lembro, a falta de mulheres em posições de liderança no mundo sempre me foi apresentada como um fato da vida. “Mulheres engravidam”, “mulheres querem se dedicar às suas famílias”, “mulheres são menos ambiciosas”, mulheres isso e mulheres aquilo. Ao analisar o retrato da participação de homens e mulheres nos principais escritórios de advocacia do Brasil, a sensação é de que algo mais complexo está acontecendo. As mulheres são maioria no quadro de advogados, mas a figura se inverte radicalmente nas altas posições.
Embora componham mais da metade da população, as mulheres são minorias expressivas no Congresso Nacional, em cargos de liderança de grandes empresas e na academia. Em outras palavras, decisões importantes sobre suas vidas pessoais e profissionais são tomadas pelos homens que exercem estas posições de poder. Até começar minha vida profissional como estagiária e depois advogada, nunca tinha percebido como este desequilíbrio poderia me afetar diretamente, mas até no meu escritório e nos dos meus colegas, o desenho era escancarado: uma base composta majoritariamente por um verdadeiro exército de advogadas inteligentes e esforçadas trabalhando incansavelmente, que, ano após ano, minguava até chegar no topo, onde mulheres são raridade.
Meu interesse por igualdade de gênero e a inquietude com essa situação me levaram a cursar um LL.M. (mestrado em Direito) na Columbia Law School, com ênfase em Direito de Gênero e Sexualidade, que acabo de concluir.
De volta ao Brasil, me juntei à Impulso Beta, startup focada em soluções de educação para promover liderança feminina e igualdade de gênero no mercado de trabalho, onde começamos a refletir também sobre a falta de protagonismo feminino na liderança do mercado de trabalho jurídico.
Para entender melhor o tamanho do desafio no setor, fizemos um levantamento da participação de homens e mulheres nos principais escritórios do Brasil, considerando como referências os rankings da Chambers and Partners. Dos 9 escritórios analisados, 8 possuem mais advogadas do que advogados, mas as mulheres compõem, em média, apenas 30% das sócias. Essa realidade está expressa nos gráficos a seguir.
Estes números evidenciam o “teto de vidro” da advocacia brasileira. A famosa metáfora norte-americana simboliza a barreira invisível que impede que mulheres alcancem posições de liderança em suas respectivas carreiras. A aceitação deste fenômeno, entretanto, não é pacífica. Seus opositores alegam que a escassez de mulheres em posições de liderança no mercado de trabalho é consequência das escolhas feitas pelas mulheres – fatores como a maternidade ou falta de ambição, interpretando e normalizando a altíssima taxa de evasão de advogadas como consequência exclusiva da escolha unânime por “uma vida mais tranquila”, reforçando a invisibilidade de possíveis barreiras externas à suas vontades.
Estudos indicam, entretanto, que outros fatores mais complexos explicam o teto de vidro, como por exemplo:
Mulheres são avaliadas de forma mais rigorosa, e consequentemente menos promovidas do que seus pares homens (fenômeno conhecido como “unconscious bias” ou viés inconsciente, que já é reconhecido por empresas que possuem compromissos públicos com a igualdade de gênero, como Google e Facebook); mulheres ainda recebem menos do que homens com a mesma formação e experiência, e tendem a negociar menos aumentos e promoções com seus superiores. Consequentemente, conforme estudo levantado pela American Bar Association, “quando mulheres sofrem injustiças salariais, elas geralmente votam com seus pés e vão embora”; e especialmente no que diz respeito à advocacia, mulheres têm menos oportunidades de networking e captação de clientes, fator decisivo na grande maioria dos escritórios para que um advogado se torne sócio.
Muitas são as ações que os escritórios podem lançar mão para promover liderança feminina, diversidade e igualdade de gênero. O primeiro para esse trabalho é o tamanho do desafio que eles têm à frente. Ao olhar os números de nosso levantamento, a percepção é de que precisamos aproximar mais dois números bastante simbólicos: os 60% da participação feminina na base dos escritórios e os 30% nas posições decisórias.
(Jota-Br)
(Notícia na íntegra)