As circunstâncias exatas do vazamento de petróleo na costa brasileira ainda não estão claras, mas a gravidade desse incidente para o meio ambiente e para a economia das cidades afetadas é evidente.
Animais marinhos ameaçados, tartarugas mortas e prejuízos para o turismo são algumas das consequências.
Um relatório da Petrobras mostra que os resíduos que já chegaram a 138 áreas do litoral nordestino são uma mistura de óleos da Venezuela.
Antes da divulgação do documento, o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, deu a entender que o governo sabia qual era o país da embarcação que deu origem às manchas de óleo e que poderia se tratar de uma ação criminosa.
"Eu não posso acusar um país, vai que não é aquele país. Não quero criar problemas com outros países. É reservado", disse. "Temos no radar um país que pode ser a origem do petróleo."
"É um volume que não está sendo constante, não é? Se fosse um navio que tivesse afundado, estaria saindo ainda óleo. Parece que [...] criminosamente algo foi despejado lá."
Os 'donos do óleo'
A Marinha e órgãos estaduais e federais estão atuando em conjunto para tentar identificar a origem do vazamento. Participam da operação 1,5 mil militares, cinco navios, uma aeronave e diversas embarcações e viaturas de delegacias e capitanias dos portos.
Três hipóteses são consideradas: naufrágio de embarcação, despejo criminoso ou acidente na passagem de óleo de um navio para outro.
Ainda há muitas perguntas sem resposta. Mas quando a origem do óleo finalmente for rastreada, quem deverá ser responsabilizado e punido pelos danos ambientais?
Para responder a essa pergunta a BBC News Brasil ouviu duas especialistas em Direito Marítimo Internacional especializadas em conflitos envolvendo vazamento de petróleo no oceano.
Segundo a professora de Direito Marítimo Ingrid Zanella, da Universidade Federal de Pernambuco, e a advogada Maria Fernanda Soares, especialista em direito marítimo do Machado Meyer Advogados, antes de saber quem o governo brasileiro deve processar e punir, é preciso identificar com certeza quem é o dono da embarcação ou das embarcações envolvidas no episódio, que país produziu o óleo vazado, em que território vazou o óleo, qual empresa contratou o navio e que empresa receberia a mercadoria transportada.
As vítimas desse vazamento podem ser comunidades de pescadores — caso tenha afetado a quantidade ou volume histórico de pesca, por exemplo —, a indústria do turismo, hotéis, e os próprios Estados que estão gastando dinheiro para limpar o óleo da orla brasileira e mitigar os danos causados.
Local do vazamento
Zanella diz que uma das primeiras perguntas que devem ser respondidas é o local onde ocorreu o vazamento — ou seja, se foi em águas nacionais ou internacionais.
Ela afirma que, pela extensão do derramamento do óleo, que afetou diferentes praias do Nordeste, tudo indica que o vazamento ocorreu não em território brasileiro, mas na chamada zona econômica exclusiva.
"O mar é dividido em diversas áreas. Temos a área considerada Brasil, que vai até 12 milhas (da costa). Após essas 12 milhas, temos a zona econômica exclusiva, que vai das 12 milhas a 200 milhas. Isso não é Brasil, mas os recursos naturais que ali estão, como águas, petróleo, recursos vivos e bens ambientais são do Brasil", explica.
Zanella e Soares concordam que, neste caso, o Brasil tem jurisdição para processar civil e criminalmente os envolvidos no incidente.
"Mesmo que tenha sido embarcação de outra nacionalidade, os recursos afetados são brasileiros, portanto nós temos jurisdição para processar civil e criminalmente", diz Zanella.
Soares explica que o Brasil "tem um histórico grande de aplicar o direito brasileiro a danos ambientais" mesmo sendo signatário de uma convenção internacional que regula a compensação de danos causados por vazamento de petróleo, de 1969 (a Convenção Internacional sobre Responsabilidade Civil em Danos Causados por Poluição por Óleo).
Isso porque há quem enxergue problemas de compatibilidade entre a Constituição brasileira de 1988 e a convenção internacional de 1969, já que a lei brasileira garante reparação integral, enquanto a norma internacional estabelece limites à indenização.
Neste caso, porém, por se tratar da zona econômica exclusiva do Brasil, o direito brasileiro é aplicável de qualquer forma.
Possíveis responsáveis
Zanella explica que existem duas esferas de responsabilização neste caso: civil e criminal. No caso da responsabilização civil, o objetivo do Brasil será buscar indenização para cobrir todos os danos econômicos e ambientais, de curto e longo prazo, provocados pelo vazamento.
Já no âmbito criminal, será preciso identificar se houve dolo ou culpa, ou seja, se as pessoas envolvidas tiveram a intenção de cometer aquele crime ou assumiram o risco de que esses danos ocorressem.
A professora da UFPE diz que diferentes empresas e até países podem eventualmente ser responsabilizados judicialmente pelo vazamento de óleo nas praias do Nordeste brasileiro.
Segundo ela, o responsável principal costuma ser o dono da embarcação responsável pelo incidente.
"O primeiro possível responsável é o dono da embarcação de onde saiu o óleo", afirma.
Zanella aponta que o capitão do navio também pode ser punido, especialmente criminalmente, já que era o responsável geral pela embarcação.
Mas todas as empresas e até países envolvidos na operação, como a companhia que receberia a mercadoria e o país que vendeu o produto, podem eventualmente ser processados e obrigados a pagar indenizações pelos danos econômicos e ambientais provocados.
"Cada vítima, cada entidade que queira reparação por algum motivo pode, em tese, escolher quem será responsabilizado", observa Soares.
Então, é possível separar as entidades que podem ser responsabilizadas: o poluidor direto, que é o proprietário da embarcação, e o poluidor indireto, que responde solidariamente.
"Todas as pessoas relacionadas àquela atividade: quem alugou a embarcação, o dono da mercadoria, quem comprou aquela carga. Então, temos diversas empresas e países que podem ser solidariamente responsáveis civilmente", afirma Zanella.
O país de origem do petróleo e o país de nacionalidade do navio envolvido no vazamento poderiam, de acordo com Zanella, ser processados pelo Estado brasileiro caso ficasse comprovado que a embarcação operou irregularmente.
"O país que vendeu a mercadoria tem que verificar as condições da embarcação que vai levar o produto. E o país que deu a bandeira ao navio pode ser responsabilizado por não ter impedido a navegação de um navio em situação irregular."
Soares lembra que a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, de 1982, estabelece que um país tem poder e dever de controle sobre suas embarcações, e que "eventualmente, se uma embarcação não está apropriada para carregar uma carga, é possível considerar que o país pode ter falhado na fiscalização da embarcação".
Além de responsabilizar o país juridicamente, os Estados podem tomar medidas políticas, como sanções, explica ela.
(BBC News - 09.10.2019)