Por Guilherme Eleutério Martinez, Gabriela Bazaca Matsushita e Filipe Rezende do Amaral.
Na longarina dos trabalhos efetuados pelo Grupo Tributação e Energia[1], passamos a analisar um novo tema da série. A reforma tributária e os reflexos decorrentes do custo de conformidade e compliance fiscal no setor elétrico. Há tempos o custo suportado pelas empresas brasileiras decorrentes das horas e valores gastos para o cumprimento das obrigações fiscais no Brasil é alvo de constantes críticas dos empresários que, além de enfrentar o emaranhado de normas e obrigações tributárias existentes no país, convivem ainda com suas constantes alterações.
Para ilustrar o cenário desafiador enfrentado pelo empresário brasileiro, destaca-se um estudo feito pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) o qual demonstra que historicamente as empresas vivem em média 40 anos. Já no Brasil, o tempo de vida das empresas é de 34,7 anos.[2][3] Esse número é ainda menor quando falamos das Pequenas e Médias Empresas PME: uma a cada quatro enfrentam o encerramento de suas atividades com 2 anos de vida (em média), segundo estudo do Sebrae[4].
Ao se analisar o motivo do fechamento das empresas nacionais não se pode ignorar fatores como concorrência, problemas financeiros, crises econômicas e má gestão. Ao lado disso tudo, há de ser reconhecido também o significativo impacto nocivo que as diárias alterações da legislação tributária e sua complexidade causam no desenvolvimento dos negócios das empresas brasileiras, quanto na percepção de potenciais investidores estrangeiros.
Um olhar específico para o setor elétrico brasileiro, é capaz de mostrar um cenário ainda mais desafiador. O setor não apenas enfrenta as mudanças tributárias constantes, como convive, ainda, com um órgão regulador muito ativo e que, por sua vez, também promove mudanças na legislação regulatória as quais, por muitas vezes, impactam a tributação das empresas do setor.
De acordo com dados da ANEEL, os tributos cobrados nas contas dos consumidores no Brasil chegam a representar 30% do total do valor cobrado pelas distribuidoras em suas faturas, o que demonstra o enorme peso que a carga tributária traz para as empresas do ramo. Destaque-se, ainda, a quantidade exagerada de obrigações acessórias que são enviadas mensalmente pelas empresas aos fiscos municipais, estaduais e federal. Nesse contexto, nota-se que grande parte do contencioso das empresas de energia elétrica abrange erros no preenchimento das obrigações, que consequentemente resultam em altos custos com pagamento de multas exacerbadas, além dos tributos já recolhidos.
É nesse cenário conturbado que a simplificação dos tributos emerge como a principal bandeira de determinadas propostas que visam dispor de um novo sistema tributário nacional, especialmente a PEC 45/2019 e a PEC 110. Tais propostas apresentam como ponto de confluência a unificação de diversos tributos que hoje são calculados e pagos de forma individualizada em um único imposto, por meio da instituição do IBS, o imposto sobre bens e serviços. A instituição de um imposto único sobre o consumo visa colocar o Brasil em linha com o modelo tributário mundial atual, principalmente com países da Europa e alguns países da América do Sul, nos quais já há a utilização de um imposto único, o IVA, que é similar ao modelo proposto para o IBS.
Ademais, o modelo das reformas tributárias propostas visam, em tese, deve reduzir drasticamente o problema da enorme burocracia tributária do país por meio da simplificação do cálculo do tributo, bem como pela potencial redução no número de obrigações acessórias entregues ao fisco.
Sobre esse ponto, é importante destacar que as empresas do setor elétrico, especificamente as distribuidoras de energia elétrica, desempenham um papel de mera arrecadadora de muitos dos tributos incidentes sobre seu faturamento, visto que os valores a serem pagos ao fisco são cobrados dos consumidores em suas faturas de energia.
Nesse sentido, ainda que não conste na proposta uma sinalização de redução de carga tributária (pelo contrário, a vedação à concessão de benefícios fiscais e subvenções, o que, por consequência, pode contribuir para um possível aumento da carga tributária no setor e maior regressividade no sistema tributário), em uma primeira leitura, seria possível afirmar que as empresas do setor elétrico como um todo tenderiam a ser beneficiadas com a redução do risco de serem multadas por erro de preenchimento de obrigação acessória, bem como com a redução do custo necessário para garantir o compliance fiscal.
Contudo, uma vez que ambas as propostas de reforma tributária deslocam a tributação do IBS para o município/estado de destino, com autonomia dos entes para a fixação de alíquotas, é evidente que haverá a necessidade de um controle demasiado sobre todas a alíquotas estabelecidas em nível estadual e municipal. Isso, invariavelmente, demandará um aumento no custo de conformidade tributária, somado a um longo período de transição, no qual o contribuinte perdurará com um regime de bitributação, sendo muitas vezes obrigado ao cumprimento de obrigações tributárias tanto no destino quanto na origem.
No que tange ao setor elétrico, referida alteração pode ocasionar danos ainda maiores. Como citado, a tributação da energia elétrica apresenta um elevado grau de interdisciplinaridade com normas regulatórias. Ademais, o setor apresenta um regime tributário específico para diversos agentes da cadeia (geradores, transmissores, distribuidores, comercializadores, consumidores).
Assim, um novo regramento afetará sensivelmente as regras atuais, demandando que seja reestruturado, até mesmo pelo órgão regulador, para fim de moldar à própria atividade de energia elétrica. Novamente, tal situação poderá ocasionar um dispêndio considerável com compliance tributário.
A despeito desses pontos, não se pode negar que uma revisão da estrutura tributária do país é necessária. Contudo, a preocupação com o custo de conformidade fiscal é algo de extrema relevância para uma tributação neutra.
Em um passado nem tão distante, contribuintes buscaram no Judiciário resguardar uma tributação mais eficiente: é o caso da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.835, na qual discutiu a validade de dispositivos da Lei Complementar 157/2016, que alterou a sujeição passiva do ISS para determinados serviços para o local do tomador do serviço (consumo). Naquela oportunidade, para diversos serviços, restou demonstrada a inviabilidade de efetivar o negócio ante o alto custo de conformidade tributária.
O custo de conformidade constitui um elemento relevantíssimo e deve ser considerado em uma reforma tributária da magnitude propostas pelos projetos de lei em discussão no Congresso.
O passado nos ensina outra lição. Em 2017, a Índia, após extenso esforço, instituiu o Goods and Service Tax (GST), um IVA nacional, com o intuito de trazer maior transparência e eficiência no sistema tributário (algo similar ao que é proposto para o novo ordenamento tributário brasileiro).
Entretanto, conforme demonstra relatório do Banco Mundial[5], o elevado custo de conformidade tributário derivado do GST acabou por impactar negativamente as pequenas e médias empresas indianas, com impactos evidentes no desenvolvimento do país.
Há grandes desafios a serem enfrentados pelas propostas de reforma tributária em discussão; a necessidade de simplificação do ambiente de negócios tem sido a bandeira encampada nos discursos favoráveis às mudanças.
Contudo, faz-se necessário olhar com cautela para setores específicos, de modo que alterações e criação de um novo sistema tributário não inviabilize negócios e intensifique a crise econômica nacional.
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Autor: MARTINEZ, Guilherme Eleutério / MATSUSHITA, Gabriela Bazaca / AMARAL, Filipe Rezende do
JOTA - 12.03.2020