A intenção do governo federal de utilizar as verbas reservadas no Orçamento para o pagamento de precatórios para custear o programa Renda Cidadã tem gerado polêmicas. Isso porque os precatórios nada mais são que dívidas da União com pessoas físicas ou empresas. Por isso, advogados alegam que o uso desse dinheiro pelo governo seria inconstitucional.

- Esse dinheiro não é do governo. É uma questão de segurança jurídica. O particular ganhou o caso, então ele tem direito a receber o valor da ação. Usar esse recurso para qualquer outro fim é mexer no patrimônio de outra pessoa - explica a advogada tributarista Daniella Zagari, sócia do escritório Machado Meyer.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) emitiu nota ressaltando que o que se propõe com essa medida é um "calote da dívida pública judicial", que além de gerar insegurança jurídica e ir de encontro com decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o assunto, ainda é injusta do ponto de vista social.

"Os credores são pessoas físicas e jurídicas que esperam há anos o encerramento de uma discussão judicial para fazer jus ao pagamento dessas dívidas. São trabalhadores, microempresários, famílias, idosos que têm verbas alimentares a receber e que, agora, caso a proposta do governo se concretize, levarão um calote que acarretará danos sociais gravíssimos", acrescenta a nota.


O que são precatórios?

Os precatórios existem em todas as esferas: federal, estadual e municipal. Eles são devidos pelo governo quando o cidadão ou empresa tem uma decisão final da Justiça favorável contra a administração pública.

No caso da União, são emitidos precatórios quando a ação tem valor acima de 60 salários mínimos (hoje em R$ 62.700). Nos estados, esse valor é de 40 salários mínimos (R$ 41.800). E nos municípios, 30 salários mínimos (R$ 31.350).

Quem recebe os precatórios?

Qualquer pessoa física ou jurídica que tenha entrado na Justiça contra a União, estado ou município, e ganhado a ação. Os precatórios são divididos entre verbas alimentares e não-alimentares.

Em junho deste ano, o Conselho da Justiça Federal (CJF) divulgou que os precatórios federais em 2020 totalizaram R$ 31,7 bilhões.

Desse total, R$ 13 bilhões são precatórios alimentares, sendo que mais da metade (R$ 7,98 bilhões) são relativos a condenação em matéria previdenciária do Regime Geral da Previdência Social (INSS). Ou seja, pessoas que buscaram na Justiça o direito a aposentadoria, pensão por morte, auxílio-doença ou qualquer outro benefício previdenciário, além de indenizações.

- As principais ações que geram precatórios são pedidos de benefícios, tanto por segurados do INSS, quanto servidores, além de indenizações de atos cometidos pela União e pagamento a maior de tributos - explica Daniella Zagari.

Já os precatórios comuns (não alimentares) foram estimados no valor global de R$ 18,7 bilhões em 2020.

Segundo Daniella, a ordem de pagamento dessas dívidas ocorre da seguinte forma: primeiro, são pagos os precatórios de natureza alimentar, para pessoas acima de 60 anos ou com deficiência. Depois, as ações de natureza alimentar, mas para pessoas que não possuem condições especiais. E por último recebem as empresas ou ações que não tenham natureza alimentar.

- Pela lei, se o juiz da causa faz o pedido do precatório para o presidente do tribunal até 1º de julho daquele ano, o precatório deveria ser emitido e pago até 31 de dezembro do ano seguinte. Ou seja, na melhor das hipóteses a pessoa recebe um ano e meio depois de ganhar a ação. Caso o pedido seja feito depois de 1º de julho, o prazo para pagamento é ainda maior. O melhor pagador ainda é o governo federal, que tem pagado corretamente. Mas os estados e municipais estão muito atrasados. Há pessoas esperando há 10 anos para receber.


Jornalista: TONDO, Stephanie

(O Globo - 30.09.2020)