Fiscalmente atrativas, estimuladas
pela via rápida da 476 e incumbidas de financiar a infraestrutura, debêntures
dominam as captações locais.
Por Luiz Sérgio Guimarães
Muitas águas vão rolar até dezembro, mas já são fortes os indícios
de que 2012 será um ano memorável no calendário das emissões de debêntures. A
diminuição do ritmo de crescimento da economia brasileira, derivada dos
impactos trazidos pela crise europeia, pela perda de fôlego da China e pela
acanhada expansão dos Estados Unidos fez minguar as emissões de ações e as
captações no exterior, abrindo ampla vantagem para as locais com títulos de
renda fixa. As ofertas de debêntures subiram 8,63%, de R$ 29,58 bilhões nos
seis primeiros meses de 2011 para R$ 32,14 bilhões este ano, representando
56,8% da oferta total de títulos no mercado doméstico, de acordo com dados da
Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais
(Anbima).
O domínio das debêntures tem uma explicação comum. "O
mercado se desloca para onde há custos menores e oferta abundante de
dinheiro", diz o diretor de produtos do Banco Fator, Julian Hester. A
crise europeia fechou o mercado externo para as empresas que não desfrutam de
rating irrepreensível, e o jeito foi buscar recursos internamente. Como o
ambiente internacional mostra-se carregado de incertezas, apenas as empresas de
porte gigantesco, excelente rating e parte ponderável da receita em dólar
conseguem acessar o mercado externo em condições atraentes. Dentre os maiores
emissores de debêntures do primeiro semestre estão os setores de comércio
varejista, com 11,6% do total, tecnologia e telecomunicações (10,9%) e energia
elétrica (10,1%).
A força das debêntures decorre, na visão de Alberto Kiraly,
responsável pela área de banco de investimento do Votorantim, da atividade de
setores com receitas predominantemente em moeda local e menos influenciados
pela conjuntura adversa de curto e médio prazo. O setor de consumo, por
exemplo, vem sendo estimulado por políticas governamentais. Para impedir um
recuo mais acentuado do ritmo de expansão do PIB, o governo promove a melhora
das condições do crédito ao consumidor e reduz os impostos. A área de
infraestrutura, outra prioridade, recebe substanciais aportes do Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). "A dinâmica da economia
interna garante a esses setores uma maior resistência aos impactos vindos de fora",
afirma o executivo.
Beneficiária desse contexto, a Aliansce Shopping Centers
captou, no primeiro trimestre do ano, R$ 685 milhões no mercado de dívida,
sendo R$ 185 milhões em debêntures e R$ 500 milhões em notas promissórias.
"A captação se destinou a bancar nossos investimentos em seis
shoppings", explica Eduardo Prado, superintendente de relações com
investidores (RI). As debêntures, com prazo de cinco anos, foram emitidas com
taxa de 2% além da variação do certificado de depósito interbancário (CDI). E
as notas promissórias, estruturadas como empréstimo-ponte de sete meses.
A política monetária do Banco Central também joga a favor
das emissões de debêntures. A expressiva queda da taxa Selic — de 12,50% em
agosto de 2011 para 8% em julho de 2012 — reduziu o custo absoluto aos
emissores sem espantar os investidores. Para os últimos, os papéis
mantiveram-se atraentes, pois pagam, em média, 1,5% ao ano acima da variação do
CDI, segundo Kiraly. Do lado dos emissores, o corte de 4,5 pontos percentuais
em menos de um ano no juro de referência é altamente estimulante.
Diante da oportunidade, empresas aproveitam para trocar os
financiamentos bancários por dívida no mercado de capitais. O custo das
debêntures não é mais baixo unicamente em consequência da redução da Selic — os
papéis são isentos do imposto sobre operações financeiras (IOF) de 0,38%
incidente sobre os empréstimos concedidos pelos bancos. "Na ponta do
lápis, a economia pode chegar a 1,88% se forem incluídos todos os encargos. Não
é pouca coisa", ressalta Hester. Conforme a Anbima, 42,1% das emissões
realizadas no semestre tiveram a finalidade de refinanciar o passivo, e 29,6%
destinaram-se à cobertura das necessidades de capital de giro. Os próprios
bancos articulam a troca de empréstimos bancários por debêntures. Dados da
associação indicam que 49% das emissões foram absorvidas pelos coordenadores.
Trata-se de uma maneira de escapar do IOF.
Plínio Pinheiro Guimarães, sócio do escritório de advocacia
Pinheiro Guimarães, aponta um terceiro estímulo às debêntures: empresas que
emitiram esses papéis no passado a juros substancialmente mais elevados que os
atuais estão optando por fazer um resgate antecipado e lançar novos títulos, a
taxas bem mais baixas. "Para viabilizar financeiramente o pré-pagamento
das debêntures, as companhias estão contraindo empréstimos-pontes, também a
juros mais vantajosos, a serem quitados depois pelas novas debêntures",
observa o advogado. O levantamento da Anbima mostra que as recompras ou os
resgates antecipados de emissões antigas foram a justificativa apresentada
pelas companhias para 4,5% do valor total colocado em debêntures no primeiro
semestre do ano. Na visão de Guimarães, o primeiro semestre reverteu o
resfriamento da segunda metade de 2011, decorrente das incertezas relativas aos
rumos da política monetária e às novas regras da caderneta de poupança.
ESTRADA RÁPIDA — Pouco mais de 77% das debêntures emitidas
no primeiro semestre do ano obedeceram ao regime de "esforços
restritos", regulados pela Instrução CVM 476. Como essas operações não
requerem registro na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a sua escrituração
é mais simples, menos trabalhosa e mais barata para o emissor. "A
agilidade permite às empresas aproveitar janelas de oportunidades. Com folga,
leva-se de 20 a 30 dias entre a decisão e o lançamento", conta Eliana
Chimenti, sócia do escritório Machado Meyer. A colocação pode ser dirigida
a um universo limitado de investidores qualificados: no máximo 50 potenciais
compradores, dos quais até 20 podem subscrever.
No rol de compradores de debêntures emitidas pela 476,
podem figurar pessoas físicas que se disponham a aplicar um mínimo de R$ 1
milhão. "Há hoje um grande interesse do investidor individual qualificado
por causa do declínio da Selic", considera Eliana. O mercado de
dívida interno não sofre as intempéries do segmento de ações por envolver,
sobretudo, investidores institucionais locais, como os fundos de investimentos
e os de pensão. "Numa oferta de ações, entre 70% e 80% do volume total é absorvido
por investidores estrangeiros. Por causa da crise, eles estão avessos a assumir
riscos", analisa a advogada.
ENCALHADAS — Já as debêntures de infraestrutura,
instrumentos que desfrutam de isenção tributária para compradores pessoa física
ou estrangeiros, ainda não decolaram. Por enquanto, não foi lançado nenhum
papel com os objetivos perseguidos pela legislação. Foi feita apenas uma
operação, pelo grupo Minerva, mas de troca de passivo em dólar por reais. Em
junho, o frigorífico emitiu debêntures de dez anos no valor de R$ 450 milhões
para internalizar parte dos recursos captados externamente no início do ano
através de uma emissão de bônus. A Rodovias do Tietê, concessionária que
administra 406 quilômetros de estradas no interior de São Paulo, tentou captar
R$ 650 milhões por meio de debêntures incentivadas, mas a emissão não foi
bem-sucedida. A empresa decidiu, então, trocar o banco coordenador — escolheu o
BTG Pactual em substituição ao Barclays — e esperar uma nova janela.
O entrave principal desse tipo de debênture é de ordem
jurídica. Pela Lei 12.431, que normatiza esses papéis, as empresas só podem
utilizar os recursos captados nos investimentos de infraestrutura. Não estão
aptas, portanto, a amortizar dívida com eles. O governo estuda introduzir
mudanças na legislação, autorizando o refinanciamento de passivos vinculados ao
setor. A expectativa é que o título tenha boa receptividade no mercado. Além do
benefício fiscal, a chamada debênture de projeto vai remunerar seus
investidores com IPCA mais juros de 8,75% ao ano. Se ela decolar nos próximos
meses, 2012 estará com tudo para ser o ano das debêntures no mercado de
capitais.
(Revista Capital Aberto | Ano 9 | No. 108 | Agosto 2012 |
Págs. 10 a 12)
(Notícia na Íntegra)