Por Cristiane
Romano
Na
última quinta-feira (19/3), o Supremo Tribunal Federal retomou o
julgamento da questão de ordem nas ADIs 4.357 e 4.425, que trata da modulação
dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade da Emenda Constitucional
62/09.
O
assunto interessa aos estados e municípios e a milhares de credores, que
esperam há décadas o cumprimento de decisões judiciais transitadas em julgado.
É de se
reconhecer que a EC 62/09, embora com aspectos ética e moralmente contestáveis,
acabou por representar avanço no pagamento de precatórios. Entes federados que
se encontravam inadimplentes, pela primeira vez, em quase 30 anos, realizaram o
pagamento dos mínimos valores determinados pela EC 62/09, temerosos das sanções
estabelecidas para o descumprimento da medida.
Por
outro lado, o Conselho Nacional de Justiça e os tribunais não se curvaram às
dificuldades enfrentadas para implementar e harmonizar as regras
constitucionais em cada Estado.
Não
obstante os incontestáveis avanços trazidos pela EC 62/09, diversos de seus
dispositivos ferem princípios constitucionais. De forma flagrante, privilegia
entes públicos devedores em detrimento não só de credores particulares, como
também do respeito que se deve às determinações constantes de sentenças
transitadas em julgado contra o governo.
O STF
afastou o índice da caderneta de poupança (TR) para a correção monetária de
precatórios por violação ao direito de propriedade. Contudo, uma das propostas
de modulação em discussão no Plenário determina que a TR permaneça válida pelo
período compreendido desde a edição da EC 62/09 (dezembro de 2009) até o fim do
julgamento da modulação, o que parece contrariar a própria decisão do STF.
É de se
reconhecer a razoabilidade da modulação para aqueles precatórios quitados com a
aplicação da regra já declarada inconstitucional, desde que não contestados
pelos contribuintes. Tal solução evita a reabertura de precatórios já extintos
e o tumulto processual. Entretanto, seria razoável que a modulação não
atingisse os precatórios já expedidos (em pagamento ou não) sob pena de tornar
letra morta a própria decisão que declarou a inconstitucionalidade da TR.
Na mesma
medida, discutiu-se no Plenário estender a aplicação de parte do regime
especial dos precatórios por um período de cinco anos a contar do julgamento da
modulação. Tal proposta parece contar com o apoio de vários ministros, em maior
ou menor extensão, a fim de permitir a manutenção dos pagamentos e evitar que
haja impacto imediato relevante nas contas públicas.
Se o STF
concluir pela manutenção de um regime transitório, é importante que mantenha a
eficácia temporária do mínimo possível dos dispositivos declarados
inconstitucionais, a fim de não tornar inócuo o pronunciamento do tribunal.
Assim, a
possibilidade de compensação unilateral de tributos inscritos, ou não, em
dívida ativa com os valores devidos pelas Fazendas Públicas, se contemplada na
modulação, deveria restringir-se às compensações que contarem com a
concordância expressa do contribuinte e apenas para os precatórios estaduais e
municipais, sujeitos ao regime transitório.
Por
outro lado não há justificativa para a manutenção dos leilões reversos e dos
acordos diretos com deságios abusivos - que se mantenham válidos apenas os
leilões e acordos já realizados em razão de segurança jurídica, mas que se dê
aplicação plena à declaração de inconstitucionalidade com efeitos não
retroativos.
A corte
tem um grande desafio pela frente: encontrar uma solução que restabeleça o
respeito às decisões judiciais contra entes governamentais e criar um ambiente
jurídico seguro de transição com elementos para que o Executivo cumpra as
ordens judiciais e o Congresso não lance mão de outros regimes
"transitórios" de precatórios. O Supremo deverá encontrar ainda uma
fórmula que permita os pagamentos pelos estados e municípios sem, contudo,
inviabilizar a continuidade na prestação dos serviços públicos. Será preciso
indicar, inclusive, os mínimos termos aceitáveis para o novo regime a ser
determinado pelo Legislativo, ao término do regime transitório resultante da
modulação.
Nessa
missão, cabe ao STF consagrar a sua própria decisão, que julgou a EC 62/09
inconstitucional. Não se pode cair na armadilha de ressuscitar os dispositivos
já fulminados, por meio de uma "super" modulação temporal, tornando
inócua a declaração de inconstitucionalidade.
Em um
país que luta para manter o seu grau de investimento e a sua credibilidade no
plano interno e internacional, não se pode perder a oportunidade de traçar as
balizas constitucionais para o regime dos precatórios e possibilitar que o
pagamento de ordens judiciais não seja a última das prioridades dos governantes
na utilização dos recursos públicos.
Caso
contrário, este problema será empurrado mais uma vez para as gerações
futuras. Enquanto isso, os credores permanecerão com a espada no pescoço
e a cruz nas mãos à espera de um milagre.
Cristiane
Romano é sócia da área Tributária do Machado,
Meyer, Sendacz e Opice Advogados.- Revista Consultor Jurídico