Desde abril deste ano, a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) trava uma disputa judicial bilionária contra o consórcio responsável pela exploração do Bloco BM-S-11, formado por Petrobras (operadora), BG e Petrogal. A disputa teve origem no desentendimento das partes acerca da unicidade ou não dos campos de Lula e Cernambi, localizados no pré-sal da Bacia de Santos.
Após serem realizadas atividades exploratórias de avaliação e descoberta, o consórcio entendeu que a área possui dois reservatórios distintos, e por isso apresentou à ANP dois planos de desenvolvimento separados para os dois campos, de Lula e Cernambi.
A agência, por sua vez, reiteradamente negou a divisão do reservatório, inclusive via resoluções da diretoria. A negativa culminou na instauração, pelo consórcio, de um procedimento arbitral perante a Câmara de Comércio Internacional (CCI), nos termos da cláusula do contrato de concessão assinado entre as partes, cuja minuta foi elaborada e apresentada pela própria ANP.
No dia 29 de abril de 2014, a ANP, através de sua Procuradoria Geral, ajuizou ação anulatória do procedimento arbitral (n. 0005966-81.2014.4.02.5101) perante a 1ª Vara Federal do Rio de Janeiro, por discordar da legalidade do procedimento, sob o argumento de que a discussão com o consórcio versava sobre direitos não patrimoniais e indisponíveis, portanto, não sujeitos a arbitragem.
As alegações da agência são substancialmente colocadas em duas linhas de argumentação. A primeira, no sentido de que o conceito de campo de petróleo é um conceito legal, e não tem cunho geológico, de forma que tanto a delimitação de campos quanto a aprovação dos planos de desenvolvimento são atos administrativos que resultam do Poder de Império da ANP. Já a segunda linha argumentativa defende que a aprovação de dois planos de desenvolvimento para a área acarretaria um impacto para os cofres da União que, pelos cálculos da ANP, chegaria à casa dos R$ 50 bilhões. Esse valor se refere aos pagamentos do consórcio BM-S-11 a título de participação especial ao longo da fase de produção. Isso porque o valor da participação especial incide sobre a receita líquida de campos que atinjam substanciais volumes de produção e nenhuma participação especial será devida a menos e até que o volume de isenção seja ultrapassado e a receita líquida acumulada atinja determinadas alíquotas.
Ora, a união dos blocos representaria um aumento no valor total da receita do consórcio explorador e no montante produzido referente àquela única área de produção e, consequentemente, resultaria num acréscimo do valor pago à União. Considerando que a participação especial é uma forma de remuneração governamental advinda da alta rentabilidade de campos de elevada produção, cuja destinação envolve programas sociais e eventual compensação pelos transtornos e riscos inerentes à exploração petrolífera, a agência utiliza como argumentos políticos o impacto socioeconômico que seria causado pela decisão e o comprometimento do interesse público. Em suma, segunda a visão da ANP, a divisão de um único campo em dois resultaria na depreciação, ao arrepio da lei, da apropriação estatal sobre as receitas extraordinárias geradas pela economia de escala obtida pelo consórcio.
O pleito da agência é para que seja declarada a inaplicabilidade da cláusula de arbitragem do contrato de concessão, com a consequente declaração de nulidade do procedimento arbitral. Além disso, a ANP requereu que fosse concedida medida liminar de suspensão da arbitragem.
Em sua defesa, o consórcio alega que a segurança jurídica do contrato de concessão precisa ser respeitada, especialmente quanto à aplicação da clausula arbitral, caso contrário, haveria uma quebra de confiança legítima. Além disso, o consórcio afirma que a arbitragem envolve questões essencialmente patrimoniais e disponíveis, quais sejam, os direitos de exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e gás natural advindos do contrato de concessão. O consórcio busca afastar a discussão do âmbito das participações especiais, por entender que a motivação da ANP em assumir seu entendimento é exclusivamente financeira e não técnica ou mesmo jurídica.
Ainda que, até o momento, a ação anulatória aguarde julgamento de mérito, a arbitragem encontra-se atualmente suspensa. Isso porque, no dia 8 de maio de 2014, a Justiça Federal deferiu liminar suspendendo o procedimento arbitral por reconhecer fundamento nos argumentos da ANP, decisão ratificada pelo Tribunal Regional Federal da Segunda Região por meio de acórdão publicado no dia 10 de dezembro de 2014.
Para o setor como um todo, essa ação é de fundamental importância, visto que a questão de fundo é a efetividade da cláusula de arbitragem dos contratos de concessão em ações contra a ANP. Diante da tendência da agência de aumentar a abrangência dos seus normativos sobre importantes marcos e cláusulas do contrato de concessão (e.g. unitização, pesquisa e desenvolvimento, plano de desenvolvimento etc.), a prevalecer o entendimento da ANP, eventuais disputas entre concessionários e o Estado acabarão por ter de enfrentar, primeiramente, uma disputa preliminar sobre a arbitrabilidade da matéria objeto da contenda.