Em meados de 2001, Colette R. Brunschwig,[1] pesquisadora sênior da Universidade de Zurique, Suíça, se dedicou a analisar o rápido processo de digitalização e o aumento do uso de elementos visuais, como fatores cada vez mais importantes no cotidiano da sociedade.
Em sua tese de doutorado – que veio a se tornar uma das principais referências sobre o tema –, Brunschwig qualificou o Legal Design e o Visual Law como áreas de pesquisa relativamente novas e promissoras, que deveriam ser estudadas mais profundamente e integradas ao contexto jurídico, para atingir plenamente seu potencial.
Mais de 20 anos depois, essas práticas já são amplamente aplicadas no mundo – incluindo o Brasil. São diversos os resultados positivos e as vantagens que ambas vêm gerando para os profissionais jurídicos e seus clientes.
Antes de explorar as vantagens do uso do Visual Law e do Legal Design, é fundamental estabelecer o que, afinal, são essas áreas.
Afinal, o que é Visual Law? E o Legal Design?
Para a corrente predominante, o Visual Law é apenas uma das formas de operacionalização daquilo que se conhece como Legal Design. Nessa perspectiva, o Visual Law corresponde à etapa mais fortemente associada ao design de informação, com o uso de elementos visuais que facilitam o entendimento da questão jurídica examinada ou discutida.
O Legal Design, por sua vez, pode ser concebido como um subproduto autônomo do Design Thinking, método de pensar e conduzir negócios, cujas origens remontam à década de 1960.[2]
Em resumo, o Design Thinking preocupa-se em apresentar soluções criativas e mais eficientes para situações cotidianas, combinando o olhar analítico e o intuitivo. Não basta que a solução seja funcional: ela deve ser adequada ao problema em questão, sob a perspectiva de quem está habituado a enfrentá-lo.
Para atingir esse fim, são compostas equipes multidisciplinares, que, com base em suas experiências diversificadas, administram situações complexas para chegar a uma solução não convencional, sempre com foco no destinatário final do serviço ou do produto.[3] Por isso mesmo, é comum dizer que o Design Thinking se baseia em empatia, colaboração e experimentação.
O Legal Design representa a evolução natural dessa lógica do Design Thinking aplicada às atividades desenvolvidas pelas pessoas que operam o direito. Combina-se o conhecimento jurídico a técnicas de design – sobretudo design de informação, serviços e sistemas –, além de experiência do usuário (UX), para criar um produto com valor legal, privilegiando sua forma e funcionalidade.[4]
Essa nova forma de elaborar produtos jurídicos mais eficientes e atrativos foi popularizada nos últimos anos pelo Legal Design Lab da Universidade de Stanford,[5] ministrado pela professora Margaret Hagen. O propósito da professora é explorar a aplicação do Legal Design como estratégia de inovação para o aprimoramento dos sistemas que regem o ordenamento jurídico. O laboratório pauta-se nas seguintes bases:[6]
- auxiliar pessoas leigas a compreender as particularidades das leis a que estão sujeitas, para que possam interagir com o ordenamento jurídico com maior propriedade;
- auxiliar as pessoas que operam o direito a melhor direcionar seus serviços para as soluções buscadas por seus clientes;
- conceber interfaces do sistema jurídico que sejam mais intuitivas; e
- modificar a cultura jurídica sob a perspectiva de ideias e serviços focados no usuário.
Como se percebe, o Legal Design preocupa-se também em democratizar o conhecimento e o entendimento do direito por meio da aplicação de conceitos de design centrados na experiência do usuário. O objetivo é construir serviços mais úteis e eficientes.
Mais do que se preocupar em produzir documentos que cheguem a minúcias de aspectos técnicos, portanto, o Legal Design busca produtos que sejam facilmente compreendidos e respeitados pelos seus destinatários.
Nesse contexto, se insere o Visual Law – termo cuja utilidade prática é por vezes discutida. O Visual Law não se confunde nem substitui o Legal Design. Pode, quando muito, ser entendido como uma etapa ou espécie do gênero Legal Design.
Quais os benefícios dessas técnicas?
Esclarecidas as diferenças práticas entre Legal Design e Visual Law, é importante destacar as aplicações gerais dessas ferramentas no campo do direito. De forma geral, um documento em formato de Visual Law, quando bem aplicado e baseado nos princípios básicos de uma boa comunicação visual, tem como principal finalidade ajudar ou melhorar o entendimento do usuário/leitor em relação a determinado produto jurídico.
Assim, independentemente do produto a ser desenvolvido – de um simples memorial até uma peça-chave de um processo, como uma petição inicial ou uma contestação –, alguns princípios centrais/fundamentais devem ser observados:
- o conteúdo da mensagem deve estar claro para o interlocutor;
- a mensagem deve ser ilustrada por imagens simples, combinadas com uma quantidade discreta de texto;
- o formato em “Z” de leitura deve ser respeitado – ou seja, da esquerda para a direita, de cima para baixo.
Além disso, há alguns princípios acessórios:
- utilizar palavras simples para transmitir as mensagens – que devem ser curtas; e
- antecipar possíveis dúvidas do interlocutor para já dar a ele as respostas.
Ao seguir os princípios mencionados acima, um documento em formato de Visual Law certamente atingirá o seu principal objetivo: ajudar ou melhorar o entendimento de um usuário em relação a um produto jurídico. Com isso a comunicação se tornará mais eficiente.
Como o Legal Design vem sendo utilizado?
Como exemplo prático de uso do Visual Law, é possível citar o célebre “Vendor Power”. Trata-se de um guia elaborado em 2009 pelo Street Vendor Project, que mostra, com gráficos e imagens, o que um comerciante pode e não pode fazer nas ruas de Nova York. Ao visualizar de forma clara as regras, fica mais fácil evitar multas que podem chegar a US$ 1 mil.[8]
O Brasil também coleciona casos de autoridades públicas que utilizam o Visual Law. O Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região, por exemplo, criou um projeto que usa a linguagem gráfica para facilitar a compreensão de um julgamento. Já o Tribunal de Justiça de Minas Gerais lançou, em 2023, sua política de proteção de dados pessoais com recursos de Visual Law.
O tema no Brasil ganhou tanta importância que o próprio Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ao dispor sobre a Política de Governança das Contratações Públicas no Poder Judiciário, por meio da Resolução CNJ 347/20, estabeleceu que recursos de Visual Law sejam utilizados para esclarecer e tornar mais acessíveis documentos e dados estatísticos:
“Art. 32. Compete aos órgãos do Poder Judiciário elaborar o Plano Estratégico de Comunicação para implementação dos ditames desta Resolução, que assegure, além do disposto na Resolução CNJ nº 85/2009, os seguintes objetivos:
[...]
Parágrafo único: Sempre que possível, dever-se-á utilizar recursos de visual law que tornem a linguagem de todos os documentos, dados estatísticos em ambiente digital, análise de dados e dos fluxos de trabalho mais claros, usuais e acessíveis”.
Fica claro, assim, que a utilização do Legal Design e do Visual Law é uma forma de tornar mais inteligíveis as discussões jurídicas sobre determinado assunto – principalmente para aqueles que não são profissionais do ramo do direito, mas que, devido às atividades que exercem, precisam tomar ciência e, às vezes, decisões pautadas em informações legais.
Atento a essa realidade, o Machado Meyer conta com um departamento próprio dedicado à implementação adequada dessas técnicas. Isso nos permite acompanhar e traduzir estatísticas complexas referentes a temas de interesse de nossos clientes em painéis fáceis de entender. Ou, ainda, converter grande volumes de informação sobre perícias técnicas e transformar essa massa de dados em produtos que ajudem magistrados a decidir casos complexos, de forma precisa e objetiva.
Quais as tendências para o futuro?
As vantagens da instrumentalização do Legal Design e Visual Law no dia a dia estão intimamente atreladas à otimização do tempo: como o método visa a tornar a mensagem mais clara e acessível, espera-se que o tempo normalmente gasto com explicações e esclarecimentos sobre o seu conteúdo seja reduzido.
Essa tendência permite que informações jurídicas sejam transmitidas de maneira mais acessível não só para o público leigo, mas também para profissionais da área que desejam adotar uma linguagem mais moderna e eficiente ao elaborar documentos jurídicos.
A adoção do Visual Law, porém, não deve implicar abordagens rasas, e sim objetivas. Seu uso sem o conhecimento prévio da matéria a ser discutida pode resultar, por exemplo, em documentos sem informações essenciais para a discussão do tema abordado.
Além disso, é necessário que o profissional tenha sensibilidade para identificar em que temas é adequado aplicar elementos de Visual Law. Se usado de maneira excessiva, o interlocutor pode acabar não se envolvendo com o conteúdo e perder o interesse pela mensagem.
Há uma forte tendência em adotar práticas modernas de comunicação jurídica visual, especialmente aquelas que já vêm progredindo no formato digital. Diante desse fenômeno, é importante levantar mais dados e estudos sobre os impactos dessas práticas na esfera jurídica e social, considerando a simplificação trazida pelos conceitos de Legal Design e Visual Law.
É necessário, principalmente, desconstruir a noção equivocada, ainda reproduzida por diversos operadores do direito, de que o Legal Design consistiria apenas em apresentar informações curtas em documentos coloridos. Mais do que saber qual tipografia ou imagens utilizar para passar uma mensagem, “pensar no usuário” requer uma reflexão profunda sobre como transmitir uma ideia de maneira eficiente.
O design gráfico, é claro, pode ser útil para enfatizar questões ou ilustrar uma parcela do texto. Sozinho, entretanto, não vai solucionar o “problema” do documento legal – isto é, tornar algo complexo e inacessível em um produto mais simples e de fácil compreensão.
Para isso, é essencial que esses documentos sejam, desde o princípio, redigidos considerando a experiência do usuário final, o que alguns chamam de “UX Writing”.
[1] Ver: Brunschwig, Colette R. Visualisierung von Rechtsnormen: Legal Design. Zurich: Schulthess, 2001.
[2] O termo é frequentemente associado ao trabalho de Herbert A. Simon em The Sciences of the Artificial, The MIT Press, 1969.
[3] Sobre essa abordagem, ver: NEVES JUNIOR, Paulo Cezar. Laboratório de inovação (Ijusplab) e Legal Design no Poder Judiciário, Revista de Direito e as Novas Tecnologias, vol. 1, out. a dez. de 2018.
[4] Para se aprofundar no tema, ver: NYBO, Erik. Legal Design: o que é, como e quando usar.
[5] Os objetivos e projetos do laboratório estão delineados em sua página oficial..
[6] Sobre o tema, ver: SILVEIRA, Guaracy Carlos da; PIVA, Silvia Gomes. Fundamentos do Legal Design. Revista de Direito e as Novas Tecnologias, vol. 8, jul. a set. de 2020.
[7] Faz referência, em particular, à n.r. 3.
[8] De acordo com os responsáveis pelo documento, um vendedor de rua em Nova York faturava, em média, US$ 14 mil por ano ou R$ 1.666,66 por mês. Assim, uma multa de US$ 1 mil significa uma perda considerável de renda.