Desde o lançamento do Novo Plano de Aceleração do Crescimento (Novo PAC), muito se comenta sobre seus eixos prioritários de investimentos . Estima-se que investimentos na ordem de R$ 1,7 trilhão serão viabilizados (R$ 1,4 trilhão até 2026) em setores como:
- transporte eficiente e sustentável;
- infraestrutura social inclusiva;
- cidades sustentáveis e resilientes;
- transição e segurança energética; e
- saúde, entre outros.
Por outro lado, um destaque menor foi dado às chamadas “medidas institucionais” do Novo PAC, aquelas destinadas a “tornar o estado mais eficiente, desburocratizado, com capacidade de planejamento e ativo em seu papel indutor do crescimento”.
Essas medidas deverão incluir, entre outras frentes estratégicas, o aperfeiçoamento do ambiente regulatório de determinados mercados para garantir marcos regulatórios mais modernos e claros, que incentivem investimentos, procedimentos simples, com menor complexidade normativa e capazes de proporcionar maior segurança jurídica e previsibilidade para os investidores.
Qualquer medida de caráter institucional, porém, deve ser precedida de cuidadoso diagnóstico setorial, a fim de identificar eventuais gargalos à expansão dos investimentos privados no setor e propor alternativas para aprimorar o marco setorial em vigor, diante dos desafios identificados.
Nesse sentido, devem ser elogiados os esforços feitos recentemente por autoridades federais para realizar uma ampla e rigorosa avaliação do atual estado de coisas no setor portuário.
Um dos destaques é a auditoria operacional conduzida pelo Tribunal de Contas da União, cujas conclusões constam do Acórdão 2.711/20.
Por meio dessa auditoria operacional, foi possível constatar uma série de inconveniências no marco regulatório atual, que tendem a prejudicar a competitividade dos terminais públicos – explorados sob o regime de arrendamento – em relação aos terminais privados – explorados sob o regime de autorização.
No âmbito da auditoria operacional, a Corte de Contas apurou que essa assimetria regulatória se manifesta, entre outros:
- na celebração dos contratos de arrendamento, considerando-se que seu processo licitatório é complexo, rígido e moroso; e
- na gestão desses instrumentos, já que o modelo não confere aos terminais arrendados a flexibilidade necessária para permitir que as operações portuárias se adaptem ao dinamismo dos fluxos de comércio.
Estudo da Antaq traz informações relevantes para avaliar marco regulatório
Mais recentemente, foi feito um estudo pela Superintendência de Desempenho, Desenvolvimento e Sustentabilidade da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), aprovado pela diretoria colegiada da agência por meio do Acórdão 499/23.
Intitulado “Análise concorrencial: terminais de uso privado vis-à-vis terminais arrendados”, o estudo traz mais informações relevantes para a avaliação do atual marco regulatório do setor portuário.
Para realizar o estudo, foram coletados dados relativos às autorizações para a exploração de terminais de uso privado (TUPs), concedidas a partir da entrada em vigor da Lei 12.815/13 (Lei de Portos) e do seu decreto regulamentador – o Decreto 8.033/13.
Nesse período, a Antaq identificou a outorga de 94 novas autorizações para a exploração de terminais privados, das quais 39 chegaram ao estágio operacional, movimentando cargas e conduzindo operações portuárias.
Por outro lado, o estudo apontou que 24 autorizações – 25,53% do total de outorgas concedidas no período – sequer iniciaram as respectivas obras, o que corresponde a um valor estimado de R$ 62,36 bilhões em investimentos não realizados – 87% do valor total previsto de investimentos.[1]
No âmbito dos terminais privados autorizados, os investimentos necessários para a operacionalização do projeto são realizados por conta e risco exclusivos do autorizatário. Porém, por serem empreendimentos revestidos de interesse público, não se pode admitir a emissão de autorizações para “TUPs de papel”, isto é, autorizações que tenham caráter meramente especulativo. Por esse motivo, a regulação do setor exige a implementação dos projetos em terminais privados autorizados.
O artigo 29 da Resolução Normativa Antaq 71/22, por exemplo, determina que o início da operação de instalação portuária deverá ocorrer em até cinco anos, contados a partir da celebração do contrato de adesão. Esse prazo pode ser prorrogado a critério do poder concedente, desde que o autorizatário apresente um pedido fundamentado e documentação que comprove a viabilidade do novo cronograma.
No mesmo sentido, os contratos de adesão que formalizam as autorizações para exploração dos TUPs costumam conter previsão de extinção em caso de descumprimento do cronograma de investimentos, construção e operação da instalação portuária.
Assim, percebe-se que a Antaq já tem os instrumentos necessários para garantir que as autorizações outorgadas não sirvam como simples barreiras à entrada de eventuais interessados em efetivamente implementar novos terminais portuários. Elas devem servir de catalisadores para novos investimentos no setor.
Maior flexibilidade nos contratos de arrendamento pode ter reflexos positivos
Outro tema relevante abordado no estudo se refere aos impactos de eventuais novas autorizações de TUPs para arrendamentos situados no mesmo mercado geográfico relevante. Trata-se de um assunto complexo que requer uma análise pormenorizada de cada caso concreto. Por esse motivo, não pretendemos, neste breve artigo, adentrar em discussões específicas.
De qualquer forma, uma medida de aprimoramento do marco regulatório do setor portuário que poderia minimizar eventuais impactos e contribuir para a resolução dessas questões, seria dar maior flexibilidade aos contratos de arrendamento de terminais portuários públicos. Dessa forma, eles poderiam se adaptar a um leque maior de situações.
Atualmente, os contratos de adesão são altamente adaptáveis e contam com alternativas eficazes para, entre outros, proceder à:
- expansão da área da instalação portuária;
- alteração dos perfis de carga a que o terminal está autorizado a movimentar; e
- realização de novos investimentos para adaptação do terminal às flutuações de mercado (os quais poderão ser amortizados, considerando que o prazo do contrato de adesão pode ser prorrogado várias vezes).
Nesse sentido, em linha com as recomendações extraídas da auditoria operacional conduzida pelo TCU, entendemos que seria salutar para o aprimoramento das regras do setor portuário que os contratos de arrendamento tivessem capacidade de adaptação semelhante.
Trata-se de uma condição necessária para que essas instalações possam atender a sua área de influência (sua hinterlândia), sem as limitações oriundas de “instrumentos convocatórios”, que poderão ficar obsoletos durante a execução de contratos de longo prazo em mercados de alto dinamismo.
Dessa forma, se preservaria, de um lado, o procedimento atualmente previsto para a autorização de novos TUPs, que é limitada, em grande parte, à análise da “viabilidade locacional” do empreendimento, de caráter meramente operacional. Esse procedimento, em geral, – e apesar dos casos de “TUPs de papel”, que exigem uma contínua fiscalização da agência setorial – tem estimulado a implantação de inúmeras novas instalações portuárias e a realização de vultosos investimentos no setor – com suas respectivas externalidades positivas.
De outro lado, seriam oferecidas aos arrendatários de terminais públicos e autoridades do setor portuário ferramentas jurídicas para adaptar esses contratos às mudanças mercadológicas que ocorrerem durante a vigência do contrato.
Em conclusão, os temas abordados no estudo realizado pela Antaq e as constatações da auditoria do Tribunal de Contas da União revelam, em nossa visão, a necessidade de flexibilização na gestão dos contratos de arrendamento públicos, seja por meio de ajustes no marco regulatório ou pelo aprimoramento de sua aplicação pelas autoridades competentes. Tais medidas poderão contribuir para atrair mais investimentos e acelerar o desenvolvimento do setor portuário brasileiro.
[1] Processo Antaq 50.300.004140/2022-64, conforme voto do diretor-relator Alber Vasconcelos.