O setor de biogás vem conquistando mais espaço no Brasil nos últimos anos. Trata-se de um segmento crítico na atual conjuntura global, em que se buscam soluções sustentáveis no esforço de transição energética. Nesse sentido, contar com um arcabouço legal e regulatório adequado e matéria-prima abundante são fatores fundamentais para o desenvolvimento de projetos de biogás, como comprovam experiências observadas em outros países.
Em relação à matéria-prima, o Brasil está em posição de destaque no cenário global, segundo a Associação Brasileira de Biogás e Biometano (Abiogás). O país é um dos que apresentam maior potencial de produção de biogás no mundo a partir de resíduos da agroindústria (especialmente a sucroalcooleira), da pecuária e do saneamento.
Este ano, assistimos a um reforço ao incentivo do uso do biogás e biometano com a publicação do Decreto 11.003/22, que instituiu a Estratégia Federal de Incentivo ao Uso Sustentável de Biogás e Biometano. Na sequência do decreto, foram publicadas a Portaria 71 do Ministério do Meio Ambiente, que instituiu o Programa Nacional de Redução de Emissões de Metano (Programa Metano Zero), e a Portaria Normativa 37 do Ministério de Minas e Energia, que inclui projetos de produção de biometano no rol do Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura (Reidi).
Esse cenário de condições favoráveis à produção de biogás e biometano no país, associado à necessidade de soluções viáveis no curto prazo para o cumprimento das metas de descarbonização e aumento da segurança energética nacional, tem levado agentes a apontar o setor como extremamente atrativo para investimentos.
Nesse contexto, a instituição de programas e políticas voltados ao desenvolvimento de projetos estruturantes de biogás são primordiais para atrair mais investimentos. É o caso de iniciativas como o Programa Metano Zero, que estipula algumas diretrizes para a redução da emissão de metano.
Os desafios na área de regulação do biogás, porém, ainda são grandes. Apesar de sua equivalência ao gás natural para fins regulatórios (prevista na Lei 14.134/21 (Lei do Gás) e no Decreto 10.712/21 (Decreto do Gás)), é preciso considerar que toda a regulação aplicável hoje ao biometano foi elaborada sob a lógica aplicada ao hidrocarboneto fóssil. Por ser uma regulação “emprestada”, observam-se algumas lacunas regulatórias ou até mesmo dúvidas relevantes que podem gerar insegurança jurídica para o desenvolvimento de projetos na área.
O momento de revisão regulatória, portanto, é oportuno para que agentes do setor se posicionem diante da Agência Nacional de Petróleo (ANP), a fim de contribuir para o estabelecimento de normas capazes de atender às necessidades do mercado.
Além do esforço na esfera federal, é urgente desenvolver políticas estaduais. A ausência de regulação específica na maioria dos estados do país revela um importante gargalo. Poucos estados têm legislação voltada para o biogás e/ou biometano: São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina e Goiás.
O biometano tem um potencial de interiorização incomparável, que pode contribuir para a formação de demanda em regiões não integradas ao sistema nacional de transporte de gás – algo fundamental para a instalação de infraestrutura em novos mercados. Esse potencial de interiorização da produção de biometano revela também uma vocação para alcançar mercados mais restritos e locais, por meio de sua injeção nas malhas de distribuição.
A escala de produção de biometano tende a ser comparativamente menor do que a do gás natural. O volume de produção diário e a correspondente injeção em gasodutos é mais compatível com uma operação que envolva sistemas de distribuição do que sistemas de transporte.
Uma vez que a injeção inicial ocorra na rede de distribuição, sua comercialização ficaria restrita, ao menos em princípio, àquela área de concessão. Isso porque, atualmente, considera-se impossível fazer a reversão de fluxo e injetar o gás no sistema de transporte a partir de uma rede de distribuição.
Ou seja, para que o biometano alcance projeção nacional por meio de sua injeção em gasodutos de transporte, gargalos de natureza operacional precisam ser superados.
Investimentos em compressão de gás para viabilizar a injeção de biometano diretamente em gasodutos de transporte permitiriam a formação de um mercado de escala nacional. Mas, considerando que os custos envolvidos nessas soluções operacionais podem ser vultosos e desincentivar a formação de mercado, outras soluções mais criativas precisam ser consideradas.
Existe, por exemplo, a possibilidade de realizar operações de swap (troca) de gás natural, tanto no âmbito local, para conectar diferentes redes de distribuição, como no âmbito nacional, envolvendo redes de distribuição e sistemas de transporte. Mas essas soluções ainda esbarram em dúvidas de caráter legal e regulatório.
Apesar dos avanços recentes, ainda há muito a fazer para que o Brasil possa desenvolver todo o seu potencial de produção de biometano. Tornar o setor mais atrativo a investimentos para que ele tenha condições de evoluir é fundamental. Para isso, urge elaborar e estabelecer regulações e políticas que ajudem a promover esses investimentos.