A preocupação mundial com a aceleração da inserção de fontes de energia renováveis e sustentáveis na matriz energética tem contribuído fortemente para a ascensão do mercado de hidrogênio verde (H2 verde). Na mesma medida, cresce o número de grupos de trabalho e iniciativas voltadas ao fomento, à produção, distribuição e exportação do H2 verde, como os hubs dessa mesma fonte
O objetivo dos hubs é viabilizar o uso do hidrogênio verde como nova fonte de energia sustentável, concentrando esforços privados e governamentais (locais e internacionais) na definição e implementação de políticas eficazes: as parcerias são formadas com vistas ao compartilhamento de expertise, tecnologia e recursos que permitam a instalação de projetos abastecidos com energia limpa em locais estratégicos.
Diversos países têm se mobilizado para elaborar estudos preliminares e de viabilidade, a fim de implementar de forma efetiva os inovadores projetos que se destinam à produção e/ou exportação de H2 verde. Destacamos a seguir alguns países que merecem especial atenção no desenvolvimento desses projetos, além de iniciativas semelhantes no Brasil e aspectos práticos da viabilização dos hubs. Uma breve síntese de experiências internacionais relevantes também pode ser acessada em nosso e-book Hidrogênio Verde em ebulição.
A experiência internacional
Um importante projeto na Europa é o hub de hidrogênio de Hamburgo, na Alemanha. Ele surgiu com a assinatura de uma carta de intenções entre as gigantes Shell, Mitsubishi Heavy Industries, Vattenfall e Wärme Hamburg. Com o fim de possibilitar a produção de hidrogênio verde em larga escala e a descarbonização do sistema energético e das indústrias de base até 2025, o estudo de viabilidade para esse projeto contempla a transformação de uma planta à base de carvão para a produção de hidrogênio verde com potencial inicial de 100 MW, alimentada por plantas fotovoltaicas e eólicas.
Ainda na Europa, o governo holandês estima que o setor de hidrogênio verde tenha regulações similares aos setores elétricos e de gás natural. O país está desenvolvendo pesquisas para a utilização das redes de gás existentes para o transporte de hidrogênio, conectadas aos países vizinhos. Espera-se que essa vantagem estrutural coloque a Holanda em evidência como hub relevante no noroeste europeu.
No Reino Unido, o North of Scotland Hydrogen Programme, no Porto de Cromarty Firth, se destina ao desenvolvimento de um hub de última geração para produzir, armazenar e distribuir hidrogênio para a região e outras partes do Reino Unido e da Europa. As destilarias e portos mais próximos devem ser os primeiros beneficiados pelo combustível limpo.
Na Arábia Saudita, está em curso um projeto de hidrogênio verde com investimento avaliado em US$ 5 bilhões. A proposta é produzir em torno de 650 toneladas de hidrogênio verde por dia, de forma integrada com o projeto da cidade inteligente de Neom, próxima das fronteiras do país com o Egito e a Jordânia.
O projeto de maior relevância da Ásia é desenvolvido pela estatal Sinopec, maior produtora de hidrogênio da China. O lançamento está previsto para, no máximo, 2022, na Mongólia Interior. A produção estimada do projeto, cujo investimento aproximado é 2,6 bilhões de yuans, é de 20 mil toneladas de H2 verde. A fase inicial de produção é avaliada em 10 mil toneladas e apoiada por estação de energia solar com capacidade de 270 MW e parque eólico de 50 MW.
A Sinopec também planeja desenvolver uma usina de hidrogênio verde com a mesma capacidade anual na região noroeste da China, em Xinjiang, apoiada por estação de energia solar de 1.000 MW.
Na América do Sul, o Chile já demonstrou a intenção de se tornar um hub de hidrogênio verde de reconhecimento internacional, tendo apresentado sua Estratégia Nacional de Hidrogênio Verde ainda em 2020. O Ministério de Energia chileno espera que a região de Magalhães (Magallanes), no sul do país, possa se valer de seu grande potencial eólico e da experiência petroquímica e portuária para se tornar referência na produção e exportação de hidrogênio verde. Também se espera que a região norte do país, focada em produção energética solar, seja referência em produção de H2 verde.
Hubs no Brasil
Também no Brasil é possível notar a formação das primeiras aglomerações produtivas vocacionadas à produção, distribuição e exportação de hidrogênio verde. Apesar da ainda incipiente regulamentação da atividade no Brasil, ganham relevância entre elas as recentes iniciativas lideradas pelo Complexo Industrial e Portuário do Pecém/CE e pelo Porto de Suape/PE.
Com relação ao Complexo do Pecém, complexo industrial portuário e hub logístico criado com intuito de desenvolver a produção industrial na Região Nordeste do Brasil, notadamente no Ceará, destacam-se os memorandos de entendimento (MoUs) celebrados com empresas interessadas em se instalar no complexo, especialmente a White Martins e a Fortescue, para explorar um hub de hidrogênio no local – com investimentos previstos em US$ 6 bilhões – e produzir mais de 15 milhões de toneladas de H2 verde até 2030.
Para viabilizar o empreendimento, o Complexo do Pecém conta com localização privilegiada – o que proporciona custos logísticos competitivos para a interligação do país a relevantes polos consumidores, como a Europa e os Estados Unidos – e tem parceria com o Porto de Roterdã, talvez o principal hub de hidrogênio verde da Europa. Outras vantagens são um sofisticado ecossistema de negócios e uma zona de processamento de exportação capaz de reduzir custos para produção local do H2 verde.
O Complexo do Pecém é resultado de um esforço estadual coordenado, exemplificado pela publicação do Decreto Estadual nº 34.003/21, que instituiu um grupo de trabalho estratégico do qual fazem parte a Universidade Federal do Ceará, a Federação de Indústrias do Estado do Ceará (Fiec) e o próprio governo do estado do Ceará. Tal grupo foi responsável por elaborar e apresentar plano de ação com foco na elaboração de políticas públicas de energias renováveis voltadas para o desenvolvimento sustentável e a configuração e implantação do futuro hub de H2 verde no Ceará.
Esforços semelhantes vêm sendo conduzidos pelo estado de Pernambuco, com vistas a assegurar seu posto entre os hubs globais de H2 verde. O Decreto Estadual nº 50.731, editado em 18 de maio de 2021, instituiu grupo de trabalho multilateral no âmbito do Poder Executivo estadual com a finalidade de discutir e definir as diretrizes de desenvolvimento de projetos de produção de H2 verde.
O eixo orbital dos esforços pernambucanos também passa por seu principal ativo portuário, o Porto de Suape, um dos maiores e mais relevantes portos públicos da Região Nordeste, localizado na Região Metropolitana de Recife e igualmente inserido em um complexo industrial portuário voltado à promoção do desenvolvimento econômico regional. Recentemente, o Porto de Suape publicou a Portaria nº 62/2021, a qual confere descontos em sua tabela tarifária para embarcações movidas a H2 verde.
Os esforços pernambucanos parecem surtir efeito: já tiveram início estudos de viabilidade da Planta de H2 verde de Pernambuco, capitaneada pela Oair Brasil, empresa de origem francesa cuja principal atividade é a produção de energia elétrica a partir de fontes alternativas. Estima-se que o empreendimento seja capaz de mobilizar investimentos na ordem de US$ 3,8 bilhões, o que o torna um dos mais relevantes projetos em curso em todo o estado.
Aspectos práticos da viabilização dos hubs
Os hubs de H2 verde ganham maior relevância em um contexto no qual os custos de produção do H2 verde ainda são muito maiores que os de produção do H2 cinza ou azul (H2 cinza é aquele originado a partir de fontes fósseis, como o gás natural, petróleo e carvão, e o H2 azul é gerado por fontes fósseis, mas cujo carbono emitido é capturado para neutralizar a poluição gerada).
A produção de 1 kg de H2 verde por produção industrial custa cerca de 5 euros, em comparação com apenas 1,5 euro para a produção de 1 kg do H2 cinza custa.[1] A desvantagem competitiva do H2 verde se mantém na comparação com o H2 azul, sendo o custo da produção local do último avaliado em metade a um terço do registrado para o primeiro.[2]
Para alterar essa realidade, os setores público e privado precisarão somar esforços e realizar forte investimento. Publicado em janeiro de 2020, o último relatório do Hydrogen Council, intitulado Path to Hydrogen Competitiveness: A Cost Perspective, mostra que, com o aumento robusto de investimento no setor, o custo das soluções de produção, armazenamento e distribuição do hidrogênio verde deve baixar 50% até 2030.
Com mais de 80% da sua matriz elétrica renovável, o Brasil é forte candidato a protagonista mundial na produção e exportação do H2 verde.[3] Para que isso seja viável em um futuro próximo, é fundamental criar mecanismos públicos e privados de apoio e incentivo à produção e comercialização desse combustível. A criação de hubs de H2 verde representa, assim, um importante pilar para torná-lo economicamente competitivo em relação a outras fontes energéticas.
A seguir destacamos alguns mecanismos que podem ser adotados no âmbito dos hubs de H2 verde:
1. Criação de zonas especiais com incentivos fiscais
Os incentivos fiscais de caráter regional, estadual e/ou municipal são importantes mecanismos de fomento ao investimento, pois contribuem para diminuir custos e aumentar a competitividade do H2 verde. Para tanto, é essencial que haja união de esforços públicos e privados, bem como o alinhamento de interesses de incentivo ao setor.
Nesse sentido, o Complexo do Pecém tem se mostrado uma referência de sucesso: além de incentivos fiscais regionais (por estarem localizados na região da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene)), estaduais[4] e municipais, as empresas instaladas em Zona de Processamento de Exportação (ZPE) ainda contam com a suspensão de alguns outros impostos e contribuições, como Imposto de Importação e Imposto sobre Produtos Industrializados.
Os incentivos tarifários voltados a empresas que utilizem H2 verde como insumo produtivo, no âmbito do próprio Hub, também são estratégias de fomento ao setor. Nesse sentido, a Portaria nº 62/21, destacada anteriormente, confere descontos tarifários para embarcações movidas a H2 verde.
2. Integração com outras indústrias
A viabilização de projetos de hidrogênio verde em áreas estratégicas, onde já estão localizados outros projetos de infraestrutura (como hidrelétricas, termoelétricas, portos, estações de tratamento de água e/ou esgoto), pode ser um mecanismo interessante para tornar os projetos de H2 verde ainda mais atrativos economicamente.
Uma possibilidade seria a cogeração de energia elétrica, no âmbito de hidrelétricas e termoelétricas, em uma dinâmica parecida com a da cogeração na produção de açúcar e etanol, na qual a energia produzida a partir da biomassa é utilizada na própria usina e vendida ao mercado.
A produção do hidrogênio Verde também pode estar integrada com concessões portuárias, nas quais haja a cessão onerosa de determinada área para a implementação de usinas de produção de H2 verde ou concessão que preveja a implementação de gasodutos, para viabilizar o transporte interno de H2 verde. Um exemplo bem-sucedido de integração de concessão portuária com projetos de H2 verde é o Porto de Suape.
Uma alternativa seria no âmbito das concessões de serviços de tratamento de água e esgoto, também com previsão de cessão onerosa de área para a construção de uma usina de produção de H2 verde ou até mesmo a integração de estações de tratamento esgoto com usinas de produção de energia elétrica por biomassa ou resíduos sólidos.
3. Fomento de parcerias entre entes públicos e privados
A cooperação e o constante diálogo entre o setor público (através dos estados, municípios e suas respectivas agências de fomento) e parceiros privados são essenciais para tornar o hidrogênio verde mais competitivo. É interessante que estados e municípios firmem MoUs com parceiros privados e que fomentem políticas públicas para auxiliam no desenvolvimento da indústria regional.
O Complexo do Pecém tem como seus acionistas o governo do Ceará (70%) e o Porto de Roterdã (30%), parceria que traz uma vantagem competitiva ao projeto, pois o Porto de Roterdã vem trabalhando com vários parceiros para desenvolver uma rede de hidrogênio em grande escala com a intenção de se transformar em um hub internacional de produção, importação, aplicação e transporte de hidrogênio para a Europa.
No âmbito internacional, o fomento a parcerias entre o setor público e privado também tem se mostrado basta efetivo: em março de 2020, a Comissão Europeia lançou a European Clean Hydrogen Alliance, uma parceria público-privada que reúne investidores e parceiros governamentais, institucionais e industriais.
Próximos passos
A tentativa de tornar o H2 verde economicamente atrativo e competitivo requer tempo, esforço conjunto dos setores público e privado e mecanismos cirúrgicos para o fomento do mercado.
Em dezembro de 2021 será divulgado o Plano Nacional do Hidrogênio, que deverá regulamentar o desenvolvimento da cadeia de produção do hidrogênio. Os próximos meses serão, portanto, decisivos na construção da política pública do setor.
Considerando este cenário, é essencial que a iniciativa privada una esforços para estudar possíveis desenhos regulatórios de fomento ao H2 verde, dialogue com os órgãos públicos e forneça insumos ao Ministério de Minas e Energia (MME), ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTI), ao Ministério de Desenvolvimento Regional (MDR) e à Empresa de Pesquisa Energética (EPE).
A série de artigos sobre o setor de H2 verde, fruto de estudos do corpo jurídico do Machado Meyer Advogados, é um pequeno exemplo do que pode ser feito para fomentar o setor.
[1] The Agillity Effect. O Hidrogênio Verde será em breve competitivo. Disponível em: https://www.theagilityeffect.com/br/article/o-hidrogenio-verde-em-breve-sera-competitivo/. Acesso em: 09/07/2021.
[2] Agência EPBR. Hidrogênio verde pode ficar competitivo até 2030, com renováveis mais em conta. Disponível em: https://epbr.com.br/hidrogenio-verde-pode-ficar-competitivo-ate-2030-com-renovaveis-mais-em-conta/. Acesso em: 10/07/2021.
[3] Associação Brasileira de Hidrogênio. Disponível em: http://abh2.com.br/index.php/pt/. Acesso em 09//07/2021.
[4] Os detalhes sobre os incentivos estaduais podem ser consultados no Guia do Investidor sobre Incentivos Fiscais, Guia do Investidor – Licenciamento Ambiental e Guia do Investidor – Linhas de Financiamento, elaborados pela Agência de Desenvolvimento Econômico do Estado do Ceará (Adece), e no Decreto Estadual nº 32.438/17, que dispõe sobre o Fundo de Desenvolvimento Industrial do Ceará (FDI).