Introdução
O conceito de ESG, que designa as práticas de uma empresa nas áreas ambiental, social e de governança, tem se popularizado nos últimos anos, refletindo-se em um aumento global na implementação de políticas internas que alinham as operações de negócios a esses critérios.
Um estudo da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje) de 2021, investigou 79 grandes empresas no estado de São Paulo. Já naquela época, 95% das organizações participantes classificavam a implementação de ações ESG como uma prioridade.
Observa-se a definição de requisitos de ESG para a contratação de novos funcionários, fornecedores ou prestadores de serviços e até mesmo para retenção de novos clientes, além de relatórios ou divulgação de ESG e investimentos em ESG.
No universo da advocacia, observa-se um crescente interesse de clientes em potencial, novos advogados, estagiários de direito e membros da equipe administrativa no modo como os escritórios empregam políticas de governança pró-ambiental, pró-social e pró-corporativa.
Há uma tendência em avaliar o comprometimento dos escritórios com iniciativas (tanto internas quanto externas) de diversidade, equidade e inclusão (DE&I), sustentabilidade, voluntariado e trabalho pro bono. Essa análise é um fator importante tanto para a decisão de contratar um escritório quanto para a escolha de se juntar a ele como profissional.
Conceitos relevantes
Tradicionalmente, o papel de promover a sustentabilidade, a DE&I e as políticas corporativas socialmente conscientes, bem como de estabelecer requisitos mínimos de governança corporativa cabe aos governos e legisladores, que estabelecem padrões específicos a serem observados pelas empresas em cada jurisdição.
No entanto, as empresas estão sendo compelidas a ultrapassar os requisitos legais mínimos em suas políticas de ESG como resultado da pressão da sociedade e, especificamente, de:
- investidores, que agora procuram direcionar seus investimentos a empresas e projetos que atendam aos requisitos mínimos de ESG;
- consumidores, que frequentemente preterem serviços ou produtos fornecidos por empresas que não atendem aos padrões mínimos ou que foram associadas a políticas ou práticas que os consumidores modernos consideram inaceitáveis; e
- funcionários ou outros trabalhadores contingentes, que exigem novo nível de atenção ao ESG nos processos de contratação e na administração do capital humano das empresas.
Além disso, elas são incentivadas a contribuir de forma mais ativa e assertiva para transformar as comunidades em que operam e a vida das pessoas nessas comunidades.
Em 1987, a Comissão Brundtland das Nações Unidas definiu sustentabilidade como "atender às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atender às suas próprias necessidades”. Ao adotar princípios ou padrões de ESG, as organizações assumem compromisso com os três pilares do desenvolvimento sustentável: ambiental, social e de governança. As estruturas e os relatórios de ESG também ajudam as partes interessadas a entender e monitorar melhor como as organizações estão gerenciando esses aspectos não financeiros de suas operações.
O que significa cada pilar ESG?
- O pilar ambiental geralmente se refere ao compromisso da organização em harmonizar o desenvolvimento econômico com a responsabilidade ambiental. Isso inclui adotar medidas para mitigar os impactos ambientais de suas operações, como a redução e reciclagem de resíduos, a conservação de recursos e o combate aos riscos climáticos de modo geral.
- O pilar social aborda as relações da organização com seus stakeholders. Isso envolve assegurar condições de trabalho justas para seu capital humano, contribuindo para um ambiente de trabalho acessível, diversificado e inclusivo, e engajar-se com as comunidades em que opera por meio de programas de alcance comunitário e políticas e ações que tenham impacto sobre pessoas, grupos e a sociedade em geral.
- O pilar de governança engloba o conjunto de regras escritas e não escritas que orientam a gestão da organização. Essas regras podem abranger desde padrões de tomada de decisão até requisitos de auditoria e diretrizes para cultivar a diversidade, proteger dados e melhorar o processo de responsabilização.
Na profissão de advogado, uma das principais formas de retribuir à sociedade e contribuir para a melhoria das condições coletivas é pelo trabalho pro bono (derivado do latim pro bono publico, que significa “para o bem público”), ou seja, prestando serviços jurídicos gratuitamente ou a custos muito baixos.
O impacto social que os advogados (e escritórios de advocacia) podem gerar com o trabalho pro bono é imensurável. Além do trabalho pro bono poder ser visto, de modo geral, como ação dentro do pilar social de ESG, os projetos pro bono também podem ser especificamente orientados para ESG. Ou seja, eles podem estar relacionados a outros pilares ou mesmo a ações específicas dentro do pilar social.
A realidade do ESG e do trabalho pro bono nas empresas
Na maioria das empresas ao redor do mundo, o trabalho pro bono e o ESG costumam ser tratados como tópicos separados e gerenciados por diferentes áreas internas. Isso se deve ao fato de que, enquanto o trabalho pro bono é resultado de uma tradição jurídica que tem permeado o trabalho dos advogados há mais de cem anos – principalmente nos EUA e cada vez mais no Reino Unido – o surgimento dos princípios de ESG é muito mais recente e exige adaptações por parte das empresas.
Considerando que os escritórios de advocacia não têm um impacto significativo sobre o meio ambiente, a implementação de ações como conscientização sobre a gestão de resíduos, uso de materiais reutilizáveis e preocupações ambientais na cadeia de suprimentos é suficiente para cumprir o princípio ambiental de ESG.
Em termos de governança, os escritórios de advocacia podem implementar mudanças para aumentar a diversidade nas suas diretorias e lideranças, por exemplo. Também podem adotar medidas de compliance, como a criação de códigos de conduta e políticas anticorrupção, e de melhoria do capital humano e dos processos da cadeia de suprimentos.
Entretanto, em muitas empresas, a dimensão social do ESG recebe menos atenção e, portanto, menos investimentos, que são geralmente direcionados primeiro à dimensão ambiental e depois à de governança.[1] Assim, na perspectiva de muitos investidores, o fator “S” é o mais desafiador para análise e implementação de estratégias de investimento nas empresas. Isso ocorre devido à dificuldade de acesso a dados ou à falta de padronização das métricas sociais.[2]
Para resolver esse problema, é preciso reformular a visão sobre o aspecto social e entender como as empresas podem adotar um comportamento “pró-social”, impactando positivamente a sociedade com suas ações e investimentos e indo além da mera contenção de riscos.
Uma das principais maneiras pelas quais as empresas e, especialmente, os escritórios de advocacia podem alcançar os critérios sociais é pelo trabalho pro bono. Essa prática permite um direcionamento ativo e eficiente do fator “S” na estrutura ESG. Mais do que isso, ambas as questões podem ser integradas para maximizar resultados e impactos positivos na sociedade.
Compatibilidade entre ESG e trabalho pro bono
A incorporação de critérios ESG no mercado jurídico foi impulsionada, em grande parte, pela demanda dos clientes. Os profissionais de direito estão cada vez mais empenhados em integrar os serviços jurídicos aos princípios de boas práticas ambientais, sociais e de governança. Nesse contexto, os escritórios de advocacia e os departamentos jurídicos corporativos se destacam como stakeholders importantes na implementação de práticas ESG. Eles desempenham papel crucial, trabalhando internamente e com clientes, para incorporar o fator “S” e promover iniciativas de impacto social positivo.
Nos escritórios de advocacia, os critérios ESG são frequentemente encontrados em programas de diversidade e inclusão (D&I) e em trabalhos pro bono, que envolve o fornecimento de assistência jurídica gratuita, ocasional e voluntária a organizações sem fins lucrativos, seus beneficiários e indivíduos de baixa renda e socialmente vulneráveis.
Embora o conceito de trabalho pro bono, conforme definido pela Ordem dos Advogados do Brasil,[3] não se refira explicitamente à mudança social, ele representa mais do que apenas trabalho gratuito e voluntário, pois incorpora a função social da lei. O objetivo de oferecer assistência jurídica aos necessitados é aumentar a conscientização sobre os direitos e capacitar os indivíduos a reivindicá-los, promovendo, em última análise, uma transformação social genuína.
O compromisso de fornecer acesso à justiça pelo trabalho pro bono se alinha perfeitamente com a agenda ESG, sobretudo com o pilar “S”. Como destaca Stephanie Cruz em seu artigo: “Quando se trata do fator social, os escritórios de advocacia de todo o mundo têm a grande vantagem de poder atender a esse padrão continuamente, por meio de seu trabalho pro bono”.
Assim, os escritórios de advocacia promovem os princípios ESG de duas maneiras: primeiro, incentivando o trabalho pro bono e contribuindo para o acesso à justiça e, segundo, abordando questões relacionadas a ESG em serviços jurídicos pro bono, como direito ambiental, direitos humanos e governança corporativa.
Em última análise, como destaca Stephanie Cruz, pelo trabalho pro bono, os escritórios de advocacia podem demonstrar sua capacidade de avaliar e aconselhar os clientes sobre questões regulatórias e indicadores ESG, ao mesmo tempo que promovem ativamente seus próprios ideais sociais.
As motivações para aderir aos pilares ESG e se envolver em trabalhos pro bono parecem estar interconectadas. O mundo passou por profundas transformações nas últimas décadas, com preocupações crescentes a respeito do aquecimento global, das mudanças climáticas e do impacto das ações das empresas.
Consumidores e clientes também se tornaram mais conscientes sobre os impactos ambientais e sociais das empresas. Como resultado, eles valorizam as organizações que priorizam a produção sustentável e a proteção ambiental e cujas ações têm impacto social positivo.
Assim, o trabalho pro bono torna-se componente importante da responsabilidade corporativa, dando visibilidade aos escritórios de advocacia e departamentos jurídicos na esfera social. Essa prática não apenas atrai clientes e investidores, mas também atende aos critérios sociais do ESG.
A mudança no pensamento e na cultura da sociedade em relação ao meio ambiente, às iniciativas sociais e à governança é, portanto, força motriz por trás do empenho em atender aos critérios ESG e melhorar o trabalho pro bono. Isso levou os departamentos jurídicos das empresas e os escritórios de advocacia a institucionalizar o trabalho pro bono como prática e cultura organizacionais, com o objetivo de causar impacto maior através de seu trabalho diário.
Formas de interação e benefícios da integração entre ESG e trabalho pro bono
A adaptação de uma cultura pro bono aos pilares ESG é um desafio contínuo não apenas porque a cultura pro bono ainda precisa ser promovida em diferentes lugares, mas também porque o ESG surge como algo novo, em constante construção e adaptação.
É importante entender que os benefícios do trabalho pro bono vão além de melhorar a reputação de uma empresa ou escritório de advocacia e, indiretamente, atrair clientes e investimentos. Em primeiro lugar, o trabalho pro bono contribui para o acesso à justiça e a promoção da igualdade de oportunidades. Muitos indivíduos e organizações da sociedade civil não têm recursos financeiros para pagar por assistência jurídica qualificada.
O trabalho pro bono também fortalece a comunidade e promove o desenvolvimento social. A atuação pro bono engloba mais do que apenas a representação jurídica perante tribunais. Envolve ainda o fornecimento de informações valiosas a respeito de direitos fundamentais.
Ao prestar serviços gratuitos, os advogados pro bono podem ajudar a resolver questões jurídicas que têm impacto direto na vida das pessoas. Esse apoio não só melhora as condições individuais dos beneficiados, mas também promove um impacto positivo e duradouro na sociedade como um todo.
Além disso, essa prática pode ser oportunidade valiosa para os profissionais do direito desenvolverem suas habilidades e ampliarem sua experiência profissional. Ao lidar com casos pro bono, os advogados se deparam com desafios jurídicos únicos e têm a chance de aprimorar suas competências de comunicação, pesquisa e solução de problemas. Isso ajuda a promover uma cultura de engajamento social nos escritórios de advocacia e nas empresas.
Para facilitar e maximizar o impacto dessas atividades, estruturas como a Rede Pro Bono das Américas se tornam essenciais. Com mais de 18 centros de distribuição de trabalho, incluindo o Instituto Pro Bono no Brasil e o Cyrus R. Vance Center for International Justice, essa rede oferece a advogados e escritórios de advocacia a oportunidade de participar de casos pro bono de impacto para a sociedade civil local e internacional e para indivíduos.
Quando combinado com as práticas ESG, o trabalho pro bono configura, portanto, uma ferramenta poderosa para promover a responsabilidade social e contribuir para um mundo mais justo e sustentável.
Muito além das tendências
Os fundamentos do ESG vão muito além de tendências e termos populares do momento. Da mesma forma que as regulamentações estabeleceram metas relativas às práticas ambientais e de governança, os escritórios de advocacia precisam fazer o mesmo para medir iniciativas relacionadas ao pilar social do ESG.
Separar trabalho pro bono do ESG é fazer uma falsa distinção que não contribuirá para o objetivo maior de usar habilidades jurídicas em benefício das comunidades e da sociedade em geral. Os conceitos são complementares e, quando combinados, podem maximizar resultados e impactos positivos. A rica história e a institucionalização do trabalho pro bono na profissão jurídica, combinadas com os padrões de responsabilidade e medição dos princípios do ESG, podem gerar um impacto social significativo e duradouro.
[1] De acordo com o relatório de tendências para 2020 do Fórum para Investimentos Sustentáveis e Responsáveis, os investimentos em ESG se concentram primeiro no aspecto “E” e depois no aspecto “G”. Disponível em: https://www.cnbc.com/2020/12/21/sustainable-investing-accounts-for-33percent-of-total-us-assets-under-management.html.
[2] A Pesquisa Global ESG 2021 do BNP Paribas indicou que essa é a opinião de 51% dos investidores pesquisados. Disponível em: https://securities.cib.bnpparibas/esg-global-survey-2021/.
[3] BRASIL. Ordem dos Advogados do Brasil. Provimento 166/2015, de 9 de novembro de 2015.