As entidades de previdência complementar são constituídas com a finalidade de fazer a gestão de ativos financeiros de terceiros, buscando melhores rendimentos para seus investimentos, que assegurem a concessão de benefícios previdenciários aos colaboradores.
Como tal, as entidades de previdência complementar são gestoras de recursos de terceiros, nada auferindo de renda ou lucro, já que eventual superávit apurado deverá ser totalmente vertido aos planos previdenciários, em favor dos próprios colaboradores.
Nesse contexto, da mesma forma como essas entidades não apuram lucro – já que, por lei, têm que verter seus superávits aos próprios planos previdenciários – quando há déficit, os responsáveis por solucioná-lo também são os colaboradores.
Ultimamente, as notícias de que as entidades de previdência complementar vêm apresentado déficits em suas contas têm sido frequentes. Independentemente das razões desses resultados, fato é que tanto as contribuições normais quanto as extraordinárias apresentam natureza idêntica, pois ambas se destinam a compor a solidez e a saúde financeira dessas entidades para que seus colaboradores possam, à época própria, usufruir dos benefícios da aposentadoria complementar.
Assim sendo, mostra-se absolutamente fora de propósito a forçosa distinção feita pela Receita Federal do Brasil (RFB) no trato tributário dessas contribuições normais e extraordinárias. Em reiteradas soluções de consulta, a exemplo da Cosit nº 354/17, a RFB tem entendido que apenas as contribuições normais poderiam ser deduzidas da apuração do imposto de renda da pessoa física.
Para buscar fundamento de validade para essa forçada e açodada diferenciação no tratamento tributário conferido às contribuições normais e extraordinárias, a RFB sustenta que:
“Assim sendo, pelo princípio da estrita legalidade em matéria tributária (§ 6º do art. 150 da Constituição Federal de 1988), entende-se que as contribuições descontadas dos valores pagos a título de complementação da aposentadoria, pelas entidades fechadas de previdência complementar, destinadas a custear déficits, não podem ser deduzidas da base de cálculo do imposto de renda de pessoa física. Tais contribuições não têm a mesma natureza das contribuições normais.”
Em nosso entender, trata-se de incabível integração da norma legal com finalidade meramente arrecadatória. Com efeito, a Lei Complementar nº 109/2001, ao tratar das modalidades de contribuição às entidades de previdência complementar, não faz qualquer distinção quanto à natureza da contribuição.
Pelo contrário, o legislador complementar nacional textualmente consignou que as contribuições destinadas à constituição de reservas são classificadas em normais ou extraordinárias, sendo que ambas “terão como finalidade prover o pagamento de benefícios de caráter previdenciário”:
“Art. 19. As contribuições destinadas à constituição de reservas terão como finalidade prover o pagamento de benefícios de caráter previdenciário, observadas as especificidades previstas nesta Lei Complementar.
Parágrafo único. As contribuições referidas no caput classificam-se em:
I - normais, aquelas destinadas ao custeio dos benefícios previstos no respectivo plano; e
II - extraordinárias, aquelas destinadas ao custeio de déficits, serviço passado e outras finalidades não incluídas na contribuição normal.”
Conforme disposto no texto, as contribuições normais ou extraordinárias são espécies do mesmo gênero. Ambas se destinam a manter hígida e saudável a própria entidade, pois somente assim seus colaboradores poderão se beneficiar das aposentadorias que tanto almejam.
Também na lei tributária que concede a dedutibilidade das contribuições a planos de previdenciária complementar não há qualquer distinção entre as contribuições normais e extraordinárias. Ao tratar das parcelas dedutíveis na determinação da base de cálculo do imposto de renda da pessoa física, a Lei nº 9.250/95 assim estabelece:
“Art. 4º. Na determinação da base de cálculo sujeita à incidência mensal do imposto de renda poderão ser deduzidas:
(...)
V - as contribuições para as entidades de previdência privada domiciliadas no País, cujo ônus tenha sido do contribuinte, destinadas a custear benefícios complementares assemelhados aos da Previdência Social;”
Conclui-se, portanto, que essas contribuições – normais ou extraordinárias – são espécies do mesmo gênero, já que ambas se destinam a “prover o pagamento de benefícios de caráter previdenciário”.
Assim sendo, tem havido, com razão, intensa corrida ao Judiciário para se reconhecer a dedutibilidade, inclusive, das contribuições extraordinárias para cobrir déficits apurados pelas entidades de previdência complementar, observado o percentil admitido pela legislação (v.g. 12% do total dos rendimentos computados na determinação da base de cálculo do imposto devido, conforme artigo 11 da Lei nº 9.532/97).
Algumas decisões proferidas por diversas seções judiciárias do país já afastam a indedutibilidade dessas contribuições extraordinárias, a exemplo da que foi proferida pela desembargadora Ângela Catão, do TRF-1ª Região:
“Logo, não incide imposto de renda sobre as quantias pagas ao fundo a título de contribuições extraordinárias instituídas em razão de déficit do plano, por não configurar acréscimo patrimonial, de modo que os contribuintes possuem direito à dedução do valor correlato da base de cálculo do imposto de renda.”
No mesmo sentido, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU) assentou que “as contribuições do assistido destinadas ao saneamento das finanças da entidade fechada de previdência privada podem ser deduzidas da base de cálculo do imposto sobre a renda, mas dentro do limite legalmente previsto (art. 11 da Lei nº 9.532/97)”.
Com base no exposto, entendemos que há sólidos e consistentes fundamentos jurídicos para o afastamento das limitações à dedutibilidade das contribuições extraordinárias pagas às entidades de previdência complementar.