Publicação do INPI é importante fonte para avaliar riscos e indicar recomendações mitigadoras adequadas em operações negociais envolvendo marcas
Neste artigo, apresentamos uma seleção de alguns entendimentos constantes nas decisões apresentadas na Coletânea de Decisões da 2ª Instância Administrativa,[1] uma publicação voltada para questões de marca, lançada pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) em dezembro de 2021.
A coletânea compila os pareceres técnicos dos últimos 20 anos utilizados como base para as decisões de recursos e processos administrativos de nulidade (PAN), interpostos em registros de marcas. Nela encontramos a interpretação da 2ª instância administrativa sobre a legislação vigente à época e o entendimento final em casos paradigmáticos.
Como ressalvado na edição, os entendimentos das decisões compiladas estão sujeitos à alteração, com eficácia futura, pela Coordenação-Geral de Recursos e Processos Administrativos de Nulidade ou pela própria instância administrativa.
Destaques da coletânea
O texto apresenta algumas decisões sobre a liceidade do sinal marcário, o que abrange a licitude do sinal marcário como um todo. O entendimento de que “a representação gráfica de monumento oficial ou público pode ser registrada como marca, desde que suficientemente estilizada”[2] é um exemplo.
Pedidos de registro de marcas cujos desenhos remetam a monumentos oficiais ou públicos, como, por exemplo, a Estátua da Liberdade, não poderiam ser registrados, nos termos do artigo 124, inciso I, da Lei de Propriedade intelectual – LPI (Lei 9.279/96). Esse dispositivo prevê que um sinal requerido como marca não será registrável quando se tratar de reprodução de monumentos oficiais, públicos, nacionais ou internacionais, assim como suas respectivas designações ou imitações.
No entanto, de acordo com os critérios estabelecidos pelo Manual de Marcas do INPI (Manual de Marcas) na análise de matéria similar, podem ser registradas as marcas suficientemente estilizadas, cujos traços utilizados a diferenciem do monumento original.
Ainda no que se refere ao artigo 124, I, da LPI, outro entendimento firmado foi o de que “o tombamento de edifício não inviabiliza o registro de sua denominação como marca por terceiro”,[3] o que está em conformidade com o entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de que o tombamento é ato da vida civil para proteção do patrimônio cultural. Não produz, portanto, efeitos na esfera comercial, inclusive em relação ao registro de marcas.
A coletânea traz decisões a respeito da distintividade do sinal marcário. Há entendimentos como o de que “é irregistrável o conjunto marcário que tenha por elemento principal termo considerado irregistrável, ainda que requerido em forma mista de apresentação, que não confira suficiente distintividade ao conjunto”.[4] Nesses casos, é necessário verificar se a marca apresenta diferenças suficientes capazes de não relacioná-la a um produto/serviço existente.
Mesmo que se apresentem de forma mista, marcas que não tenham elementos fantasia relevantes no conjunto marcário para torná-las distintas nem representações gráficas suficientes para caracterizar a distintividade do elemento nominativo irregistrável estão em desacordo com o artigo 124, inciso VI, da LPI. Por isso, não podem ser registradas.
Em relação à veracidade do sinal marcário, ficou decido que “é irregistrável como marca o termo derivativo de indicação geográfica que induza a percepção de estabelecimento comercial, por configurar falsa indicação quanto à qualidade do produto/serviço assinalado”.[5]
Por exemplo, marcas que fazem referência a determinado local, como a região de Champagne, na França, não podem ser registradas. A palavra “Champagne”, no caso, é registrada no INPI como indicação geográfica, designa a origem de vinhos e espumantes oriundos dessa região, na França. O seu registro, portanto, é vedado conforme:
- artigo 124, incisos IX e X, da LPI, que vedam, o registro de marca de indicação geográfica ou o uso de sinal que induza indevidamente indicação geográfica; e
- entendimento firmado na NOTA/INPI/PRESIDÊNCIA/CGREC/COREM/Nº 01/2018, de que os termos derivados de indicação geográfica, como no presente caso, também não podem ser registrados.
Além disso, o artigo 182 da LPI determina que “o uso da indicação geográfica é restrito aos produtores e prestadores de serviço estabelecidos no local, exigindo-se, ainda, em relação às denominações de origem, o atendimento de requisitos de qualidade”.
A concessão do registro da marca, nesse caso, poderia também violar o direito do consumidor por induzi-lo a erro, ao vincular o produto comercializado àqueles efetivamente protegidos pela indicação geográfica, com fama e qualidade específicas.
Sobre a disponibilidade do sinal marcário, a coletânea trouxe o entendimento de que “é registrável como marca a expressão descritiva de produto/serviço assinalados associada ao nome geográfico indicativo do local de procedência ou prestação do produto/serviço”.[6]
Isso, porque, conforme entendimento consolidado do INPI, essas marcas têm menor proteção nos termos do artigo 124, inciso XIX, da LPI, por contarem com baixo grau de distintividade, sendo consideradas “marcas evocativas/sugestivas”. Devem conviver com outras marcas semelhantes, desde que haja um grau mínimo de diferença entre elas.
Como as marcas em questão são compostas por elementos comuns em determinado segmento, os quais são considerados irregistráveis individualmente, necessitam de elementos distintivos entre elas, como a associação ao nome da cidade de prestação daquele serviço, desde que este realmente seja prestado na localidade indicada.
Outro entendimento também relativo à disponibilidade do sinal marcário é o de que “é registrável como marca termo cujo significado não mantém relação imediata/direta como os produtos ou serviços assinalados, observada a não exclusividade ao uso do termo em sua real acepção”.[7]
Por exemplo, um restaurante pode ter como marca o nome de um alimento específico, com a ressalva de que esse registro não exclui do patrimônio comum os direitos de uso daquela palavra específica como identificadora do alimento pelos concorrentes.
Nesses casos, a marca deve ter relação mediata com os serviços prestados, não incidindo na norma prevista no artigo 124, inciso VI, da LPI, que busca manter o domínio público sobre termos comumente utilizados para identificar produtos e serviços, a fim de evitar o monopólio e zelar pela livre concorrência.
Também em relação à disponibilidade do sinal marcário, decidiu-se pela “possibilidade de registrar marca semelhante ou idêntica em segmento de mercado igual ou afim em nome de empresas pertencentes ao mesmo grupo econômico”.[8]
Em tese, as marcas não podem imitar elemento figurativo de marca anterior, de titularidade de terceiro, o que não ocorre caso demonstrado que o sinal indicado como impeditivo pertencia à sociedade do mesmo grupo econômico do requerente do pedido de registro.
Se não for verificada a existência de concorrência desleal no caso concreto, entende-se que existe a possibilidade de registrar marca semelhante ou idêntica, no mesmo segmento de mercado, em nome de sociedades do mesmo grupo econômico, controladas ou controladoras. A autorização expressa por parte da sociedade titular do registro anterior, no caso, é dispensável, desde que respeitada a previsão do artigo 124 da LPI, que impede haver duas ou mais marcas para um mesmo produto ou serviço.
Sobre a caducidade de registro de marca, a coletânea trouxe alguns entendimentos, como o de que há “legitimidade da massa falida para requerer caducidade desde que regularmente representada pelo síndico”.[9]
Para que seja deferido o requerimento de caducidade de registro de marca, é necessário comprovar interesse legítimo do requerente, conforme prevê o Manual de Marcas.
A discussão – tratada na NOTA/INPI/PRESIDÊNCIA/CGREC/Nº 20/2011 – envolvia a legitimidade do pedido de massa falida, que já se encontrava na condição de massa falida no momento do requerimento e era titular de pedido de registro que foi pausado em virtude do registro caducando.
Entendeu-se que a massa falida detém legítimo interesse para requerer caducidade do registro de marca, desde que devidamente representada pelo síndico (atualmente administrador judicial). Isso ocorre porque a massa falida é constituída no momento da falência da sociedade, englobando todos os seus bens, que passam a ser representados pelo administrador judicial.
A coletânea trouxe também o entendimento de que a “titularidade de direito autoral configura legítimo interesse para requerimento de caducidade de registro de marca conflitante”.[10]
Ainda que a petição de caducidade de determinada marca seja feita por requerente que não tenha pedido de registro ou registro sobre essa marca no INPI, fica configurado o legítimo interesse para o pedido, quando comprovado que o requerente é titular de direito autoral – caso, por exemplo, aplicável sobre obra ou personagem, em que cabe o direito de proteção em face da marca conflitante, conforme artigo 18 da Lei 9610/98.
Há também decisões compiladas sobre matéria procedimental, entre elas, a que estabelece que “a garantia do atendimento prioritário ao idoso não se aplica à pessoa jurídica, ainda que ela possua idoso em seu quadro societário”.[11]
Ficou estabelecido que o atendimento prioritário previsto no Estatuto do Idoso só pode ser concedido quando o pedido de registro ou registro de marca estiver sob a titularidade de pessoa física com mais de 60 anos, reiterando-se inclusive o entendimento da Procuradoria Especializada do INPI, externado por meio do PARECER/INPI/PROC/DIRAD Nº 14/08. A justificativa é o fato de as pessoas jurídicas terem personalidade e patrimônio diferentes dos do sócio, não se aplicando a elas direitos e garantias inerentes às pessoas humanas.
A coletânea é de extrema relevância para conhecimento, análise e debate sobre os entendimentos da 2ª Instância Administrativa do INPI envolvendo registros e pedidos de marcas, por todos os interessados, como titulares, terceiros, advogados, agentes de propriedade industrial e examinadores.
As decisões compiladas também são importantes para avaliar riscos e indicar as recomendações mitigadoras adequadas em operações negociais envolvendo marcas. Essas recomendações devem ser compatíveis com o posicionamento atual e consolidado do INPI, a fim de evitar prejuízos ou atrasos para as partes e suas operações.
[2] Processo 827661746; Decisão de recurso contra o indeferimento publicada na Revista de Propriedade Industrial (RPI) nº 2263 de 20/05/2014.
[3] Processos 828293015 e 828293007; Decisão de PAN publicada na RPI nº 2334, de 29/09/2015.
[4] Processo 824936841; Decisão de recurso contra o indeferimento publicada na RPI 2215, de 18/06/2013.
[5] Processo 900326760; Exigência de mérito publicada na RPI 2457, 06/02/2018.
[6] Processo 823723240; Decisão de PAN publicada na RPI 2128, 18/10/2011.
[7] Processo 819091243; Decisão de recurso contra o indeferimento de pedido de registro de marca publicada na RPI 1876, de 19/12/2006.
[9] Processo 006924611; Exigência de mérito publicada na RPI 2120, de 23/08/2011.
[10] Processo 817641866; Decisão de recurso contra o indeferimento de petição de caducidade publicada na RPI 2123, 13/09/2011.
[11] Processo 823870790; Decisão de requerimento de exame prioritário comunicada ao requerente nos termos do artigo 226, II, da LPI.