O dia 21 de março foi instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 1976, como o Dia Internacional de Combate à Discriminação Racial, em memória ao massacre ocorrido em 21 de março de 1960, na África do Sul, durante o regime do Apartheid.

Em manifestação pacífica que contou com a participação de cerca de 20 mil pessoas contra a Lei do Passe – que obrigava os negros a portarem cartões de identificação nos quais constavam os locais a que poderiam ir –, o exército local atirou contra os manifestantes. O ataque deixou 69 mortos e 186 feridos e ficou conhecido como o “Massacre de Shaperville”.

O combate à discriminação racial é uma luta internacional antiga, muito anterior ao Apartheid. No Brasil, embora já houvesse movimentos anteriores, inclusive com a promulgação da Convenção Internacional sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial em 1969,[1] a pauta ganhou força com a Constituição Federal de 1988.

A nova carta constitucional instituiu o crime de racismo como inafiançável e imprescritível (artigo 5º, inciso XLII), tratado e regulado pela Lei 7.716/89 e Lei 14.532/23, que equipara injúria racial ao crime de racismo.

Não há dúvidas de que o tema é extremamente importante, tanto no nível nacional como internacional. Manter o assunto em evidência ajuda a combater as marcas deixadas por séculos de escravização. A discussão, inclusive, deve ocorrer em esferas que podem parecer desempenhar um papel secundário no combate à discriminação racial, mas que têm um impacto importante nessa luta, como é o caso do direito do trabalho.

O leitor pode estar se perguntando o que o empregador, empregado ou trabalhadores em geral e a legislação trabalhista têm a ver com essa pauta. A resposta é: tudo.

O dia 21 de março serve para chamar a atenção para importantes questões que afetam toda a sociedade e é uma oportunidade para refletirmos sobre o papel das relações trabalhistas nessa luta histórica.

A própria Constituição Federal prevê, no artigo 7,[2] inciso XXX, que é proibido qualquer tipo de diferença de salário, exercício de funções e critérios de admissão devido a sexo, idade, cor ou estado civil. 

Antes de estabelecer qualquer relação de trabalho, portanto, o empregador deve garantir acesso ao processo seletivo de maneira igualitária a todos, independentemente de raça ou etnia.

Considera-se, inclusive, crime, sujeito a pena de reclusão de dois a cinco anos, negar ou impedir o emprego em empresa privada devido a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.[3]

Isso não significa que a empresa não possa estabelecer processos seletivos específicos para determinados grupos, a chamada discriminação positiva, como estabelece o artigo 4º, inciso II, do Estatuto da Igualdade Racial.[4]

O que precisa ficar claro é a necessidade da empresa, os requisitos do cargo e a justificativa dos critérios estabelecidos para o processo. Um caso que ilustra bem o assunto é o tão comentado programa de trainee exclusivo para negros lançado por uma grande rede de varejo nacional em 2020.

Na ocasião, a Justiça do Trabalho entendeu que o programa era plenamente válido, com base na Constituição Federal e no Estatuto da Igualdade Racial, que estabelece políticas de promoção da igualdade racial e combate à discriminação, além de criar mecanismos de reparação para as vítimas de racismo.

Trata-se de uma reparação histórica em um país que, durante anos, se valeu do regime da escravização para organizar sua sociedade.

No Estatuto da Igualdade Racial há previsão expressa de que é dever do Estado e da sociedade garantir a igualdade de oportunidades, independentemente de cor de pele ou etnia (artigo 2º). Esse conceito de “sociedade” abrange, naturalmente, as empresas e os empregadores em geral.

O princípio da função social da empresa e da propriedade, inclusive, é um dos pilares do nosso ordenamento jurídico. Esse princípio envolve justamente a responsabilidade das empresas em contribuir para a sociedade. Além do lucro, elas devem buscar promover a igualdade, criar empregos, respeitar o meio ambiente e práticas éticas no exercício de suas atividades.

Outra norma que trata do assunto é a Lei 14.553/23, segundo a qual as empresas devem declarar raça e etnia em documentos trabalhistas, o que é uma forma de corroborar o compromisso do setor privado e do direito do trabalho em promover a igualdade racial.

Destacamos ainda a questão da igualdade salarial. Como já abordado em diversos artigos em nosso portal, esse tópico vem sendo tratado pelo poder público com extrema atenção, com a proximidade do prazo para que as empresas com mais de 100 empregados elaborem o Relatório de Transparência Salarial, instituído pela Lei 14.611/23. Apesar de o foco ser atualmente a igualdade de gênero, espera-se que, em uma próxima etapa, outros aspectos sejam abordados, como a igualdade racial.

Empregadores devem estar atentos às suas obrigações

É papel do empregador permitir acesso às vagas a todos em pé de igualdade, além de garantir um meio ambiente de trabalho hígido do ponto de vista físico e psicológico, proibindo toda e qualquer prática discriminatória nos seus estabelecimentos e abstendo-se de praticar qualquer ato discriminatório.

Além de serem considerados crimes, atos discriminatórios como dificultar ou impedir o acesso ao mercado de trabalho, dificultar as progressões de carreira com instituição de critérios totalmente subjetivos e sem justificativa, permitir a adoção de expressões ou brincadeiras de cunho discriminatório também caracterizam, na esfera trabalhista, o chamado “assédio moral”.

Todos esses atos são passíveis de pena de indenização à vítima e podem gerar diversas penalidades administrativas, como investigação do Ministério Público do Trabalho e multa administrativa, entre outras.

Outros pontos aos quais os empregadores devem estar atentos:

  • deixar de conceder os equipamentos necessários em igualdade de condições para todos os empregados;
  • impedir a ascensão funcional do empregado ou outra forma de benefício profissional; e
  • proporcionar tratamento diferenciado no ambiente de trabalho – especialmente em relação ao salário.

Essas práticas são classificadas como crime pela Lei 7.716/89 e puníveis com pena de reclusão de dois a cinco anos, além de multas administrativas e sanções do Ministério Público.

Além de todos os efeitos pecuniários e penalidades judiciais e administrativas já mencionados, é preciso considerar o impacto reputacional em caso de condenação por assédio moral em decorrência de discriminação racial ou qualquer ato de discriminação relacionado à cor de pele.

Assim, neste dia 21 de março, além de relembrar os motivos que marcaram a data no passado, aproveitamos a oportunidade para chamar a atenção dos nossos leitores, clientes e parceiros para o tema da discriminação racial, em especial para o papel das empresas como agentes fundamentais na luta pela igualdade racial.

Todos devemos ser aliados do poder público no combate a qualquer forma de discriminação, não apenas para evitar as penalidades aqui mencionadas, como para cumprir a função social prevista na Constituição Federal e colaborar para a construção da sociedade justa e igualitária que tanto almejamos.

Por isso, incentivamos os empregadores a se informar sobre o tema. É necessário estudar, promover e divulgar ações de combate à discriminação racial e se aprofundar sobre suas obrigações, assim como conhecer as ferramentas disponíveis para o cumprimento desse papel social.

Concluindo e propondo uma resposta ao título deste artigo, o direito do trabalho é uma importante e essencial ferramenta para combater a discriminação racial, garantir a igualdade, a isonomia e a criação de uma sociedade sempre e necessariamente inclusiva.

 


[1] Decreto 65.810/69

[2] Artigo que institui direitos mínimos dos trabalhadores

[3] Lei 7.716/89, artigo 4º

[4] Lei 12.288/10