Mudanças abrangem desde a instituição de critérios objetivos para a fiscalização até a limitação dos valores das multas
A Medida Provisória n° 905/2019, publicada no Diário Oficial da União no dia 12 de novembro de 2019, promove uma série de alterações na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), especialmente com relação às regras de fiscalização do trabalho e à aplicação de multas administrativas.
Grande parte das alterações propostas na MP 905 já constava da Medida Provisória n° 881/19 (em sua redação aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça – CCJ – do Senado), o que reafirma a proposta do governo do presidente Jair Bolsonaro de desburocratizar as relações trabalhistas, com o objetivo final de promover a abertura de vagas de emprego e gerar crescimento econômico.
As disposições referentes à fiscalização do trabalho não foram aprovadas no texto final da MP 881/19 quando ela foi convertida na Lei nº 13.874/19.
Neste artigo, analisamos as principais disposições da MP 905 relativas às alterações sobre a fiscalização do trabalho e a aplicação de multas administrativas. Elas podem ser divididas em alterações (i) no procedimento de fiscalização; (ii) no procedimento administrativo e na valoração das multas; e (iii) nas regras de acordos firmados entre os entes de fiscalização e as empresas.
(i)Alterações no procedimento de fiscalização
Critério de dupla visita
Assim como previa a MP 881, a MP 905 propõe alteração na redação do art. 627 da CLT, que estabelece a necessidade de o auditor fiscal do trabalho observar o critério da dupla visita. Na redação vigente na CLT, esse critério somente se aplicaria nos casos de: (i) promulgação ou expedição de novas leis, regulamentos ou instruções ministeriais e (ii) primeira inspeção de estabelecimentos ou locais de trabalho recentemente inaugurados ou empreendidos.
O Decreto n° 4.552/02 (Regulamento da Inspeção do Trabalho), em seu art. 23, aponta ainda outras duas situações para a aplicação do critério da dupla visita: (iii) quando se tratar de estabelecimento ou local de trabalho com até dez trabalhadores, salvo quando houver constatação de infração por falta de registro de empregado ou de anotação de CTPS ou quando ocorrer reincidência, fraude, resistência ou embaraço à fiscalização; e (iv) quando se tratar de microempresa ou empresa de pequeno porte.
A MP 905 mantém as duas primeiras hipóteses, mas estabelece que o critério de dupla visita somente será observado dentro do período de 180 dias, contados da data da vigência das novas disposições normativas (item “i” acima) ou da data do efetivo funcionamento do estabelecimento/local de trabalho (item “ii” acima).
Em relação às microempresas e às empresas de pequeno porte, a MP promove alterações na legislação vigente ao estipular limite para aplicação do critério às microempresas e às empresas de pequeno porte com até 20 trabalhadores, previsão que não existia anteriormente.
Além disso, a MP 905 reproduz previsão existente na MP 881 de que o critério de dupla visita seria aplicado no caso de infrações de gradação leve a preceitos legais ou regulamentares de segurança e saúde do trabalhador, conforme regulamento editado pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia.
A última hipótese em que se aplica o critério da dupla visita são as visitas técnicas de instrução previamente agendadas, o que também não estava previsto na legislação.
Outras inovações trazidas pela MP 905 são a necessidade de analisar o critério de dupla visita para cada item fiscalizado pelo auditor fiscal do trabalho e a nulidade do auto de infração caso a exigência anterior não seja observada. Ambas as inovações não estavam previstas na redação do art. 627 da CLT.
Conduta do auditor fiscal do trabalho
A MP 905 também prevê a inclusão do art. 627-B na CLT, que institui a necessidade de a fiscalização do trabalho incluir planejamento das ações de inspeção do trabalho, por meio da elaboração de projetos especiais de fiscalização setorial para prevenção de acidentes, doenças relacionadas ao trabalho e irregularidades trabalhistas que envolvem esses temas.
Se o auditor fiscal do trabalho verificar a existência de irregularidades reiteradas e elevados níveis de acidentes ou grande quantidade de doenças ocupacionais, deverá indicar ações coletivas de prevenção e de saneamento de irregularidades no momento da fiscalização.
Além disso, a MP traz penalidades aplicáveis ao auditor fiscal do trabalho se comprovada a má-fé na sua atuação. Nesse caso, ele responderá por falta grave e poderá sofrer suspensão de até 30 dias, além de instauração de inquérito administrativo, caso haja reincidência da postura de má-fé.
Domicílio eletrônico trabalhista
A MP 905 também inova ao reproduzir disposição contida na MP 881 que institui o domicílio eletrônico trabalhista com o objetivo de: (i) cientificar o empregador de atos administrativos, ações fiscais, intimações e avisos; e (ii) permitir o recebimento de documentação eletrônica no curso de fiscalizações ou quando da apresentação de defesa administrativa ou de interposição de recurso administrativo.
As comunicações veiculadas nesse sistema, cuja utilização será obrigatória pelos empregadores, dispensam a publicação no Diário Oficial da União e o envio por meio postal. Elas serão consideradas pessoais para todos os efeitos legais.
Os empregadores deverão acessar esse sistema no prazo de até dez dias, a partir da data de notificação por correio eletrônico cadastrado. Encerrado esse prazo, a comunicação eletrônica será automaticamente considerada realizada.
A necessidade de utilização desse sistema eletrônico não afasta a possibilidade de se usar outros meios legais de comunicação entre a autoridade competente e o empregador.
(ii)Alterações no procedimento administrativo e valoração das multas
Prazos no processo administrativo
A MP 905, assim como previa a MP 881, também altera a CLT quanto ao prazo para apresentação de defesa administrativa e para interposição de recurso administrativo. Antes da vigência da MP, o prazo era de dez dias, contados do recebimento do auto de infração ou da decisão de primeira instância administrativa. Com a alteração proposta, o prazo para apresentação de defesa administrativa e de interposição de recurso administrativo será de 30 dias.
Dispensa de reconhecimento de firma
Outra inovação que também foi abordada na MP 881 e reproduzida na MP 905 é a dispensa de autenticação de cópias dos documentos expedidos no país a serem anexados nos processos administrativos e a dispensa de reconhecimento de firma. Essas formalidades deverão ser observadas apenas quando houver dúvida sobre a autenticidade dos documentos.
Análise de defesas e recursos administrativos e conselho recursal paritário
A MP 905 prevê a desterritorialização para a análise das defesas administrativas. Isso significa que, apresentada impugnação a determinado auto de infração, outra unidade federativa diferente da que lavrou a autuação será responsável por analisar a defesa administrativa. O objetivo é conferir maior imparcialidade no julgamento dos processos administrativos.
Além disso, a MP estabelece a criação de sistema de distribuição aleatória de processos para análise, decisão e imposição de multas administrativas, o que favorece o princípio do contraditório ao desvincular a decisão administrativa do responsável direto pela autuação.
Outra inovação instituída pela MP 905 que também estava prevista na MP 881 é a criação de um conselho paritário tripartite, composto por representantes dos trabalhadores, empregadores e auditores fiscais do trabalho, para analisar recursos interpostos em face dos autos de infração em segunda e última instância administrativas.
Critério para aplicação de multas administrativas
A MP 905 também inova ao incluir o art. 634-A na CLT, dispondo sobre os critérios para aplicação de multas administrativas nos casos de lavratura de auto de infração por descumprimento de normas trabalhistas.
Nos termos desse novo dispositivo, as multas serão aplicadas de acordo com a natureza da infração (leve, média, grave ou gravíssima). Os valores dependem de as infrações estarem sujeitas a multa de natureza variável (R$ 1.000,00 a R$ 100.000,00) ou a multa de natureza per capita (R$ 1.000,00 a R$ 10.000,00).
A classificação das multas, a natureza da infração e o enquadramento por porte econômico, que é um dos critérios para arbitramento da penalidade, ainda dependem de regulamentação específica, a ser definida em ato do Poder Executivo Federal.
A MP 905 também prevê a possibilidade de pagamento de multa administrativa com desconto de 50% às empresas individuais, microempresas e empresas de pequeno porte que contem com até 20 trabalhadores, na hipótese de renúncia ao direito de interposição de recurso administrativo. Quanto às demais empresas, o desconto é de 30% nessa mesma hipótese, quando elas abrirem mão do recurso voluntário.
A regra que vigia anteriormente não fazia distinção quanto ao tipo/porte da empresa. Qualquer empregador autuado usufruiria do desconto de 50% da multa administrativa caso efetuasse o pagamento no prazo de até dez dias do recebimento da notificação, desde que não recorresse.
(iii)Alteração nas regras de acordos firmados entre os entes de fiscalização e as empresas
Termos de Ajuste de Conduta e de Compromisso
A MP 905 também prevê que, nos casos de instauração de procedimento especial para ação fiscal que deverá orientar sobre os critérios de aplicação correta da lei, os Termos de Ajuste de Conduta e os Termos de Compromisso firmados tenham o prazo máximo de vigência de dois anos, podendo ser renovados por mais dois anos quando houver fundamentação baseada em relatório técnico.
Tal disposição beneficia as empresas signatárias dos termos, na medida em que elas não mais serão compelidas a cumprir as obrigações constantes nesses documentos ad aeternum, considerando a existência de prazo máximo para sua vigência.
A MP 905 inova também ao dispor que as empresas não poderão ser obrigadas a firmar dois acordos extrajudiciais (um com o Ministério Público do Trabalho – Termo de Ajuste de Conduta - e outro com o Ministério da Economia – Termo de Compromisso) com base na mesma infração à legislação trabalhista.