A crescente preocupação com as mudanças climáticas tem levado diversos países a implementar normas e adotar medidas mais rigorosas para reduzir a emissão de gases de efeito estufa (GEE). Após anos de tratativas no Congresso Nacional, em 11 de dezembro, o Projeto de Lei 182/24 – que previa a regulação do mercado de carbono no Brasil –, foi convertido sem vetos pelo presidente da República na Lei 15.042/24.

A nova legislação estabelece as regras para a precificação e criação do mercado regulado de carbono no Brasil, com a instituição de um sistema de cap-and-trade, denominado Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE). Com esse sistema, as empresas terão um limite máximo de emissões de GEE (cap), a ser definido em norma regulamentadora.

De acordo com a nova lei, o excedente de reduções ou remoções de GEE poderá ser convertido em créditos de carbono no âmbito do mercado voluntário. Cumpridos os critérios estabelecidos pela lei, esses créditos poderão ser registrados no mercado regulado como certificados de redução ou remoção verificada de emissões (CRVEs) e vendidos a outras empresas que emitirem quantidades de GEE acima do limite e, portanto, precisem adquirir créditos para compensar as suas emissões (trade).

O CRVE indica a quantidade de carbono removido da atmosfera. Cada certificado equivale a 1 tCO2e (tonelada de dióxido de carbono equivalente). Por outro lado, as empresas reguladas terão o direito de emitir determinado volume de GEE a ser definido pelo órgão gestor. O direito de emissão de 1 tCO2e é representado pelo ativo denominado Cota Brasileira de Emissões (CBE).

No âmbito do mercado regulado, o SBCE classifica esses ativos como valores mobiliários, quando negociados no mercado financeiro ou de capitais. Nesses casos, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) regula a negociação dos ativos. No âmbito do mercado voluntário, os créditos de carbono são tratados como frutos civis, exceto os oriundos de programas jurisdicionais.

Governança do SBCE


Diante da segmentação entre o mercado de créditos de carbono regulado e voluntário, o texto da norma previu a criação de um Comitê Interministerial sobre Mudança de Clima (CIM). Esse comitê disporá de um órgão gestor, responsável por estabelecer normas e aplicar sanções, e de um comitê técnico consultivo permanente, responsável por apresentar subsídios e recomendações para aprimoramento do SBCE.

Para viabilizar a implementação do SBCE, será criado o Plano Nacional de Alocação, que definirá parâmetros e limites para cada período de cumprimento de metas de redução de emissões de GEE, tais como:

  • o limite máximo de emissões;
  • a quantidade de CBEs a ser alocada entre os operadores;
  • as formas de alocação das CBEs (gratuita ou onerosa), para as instalações e as fontes reguladas;
  • o percentual máximo de CRVEs admitido na conciliação periódica de obrigações;
  • a gestão e a operacionalização dos mecanismos de estabilização de preços dos ativos integrantes do SBCEs, garantindo o incentivo econômico à redução de emissões ou à remoção de GEE; e
  • os critérios para transações de remoções líquidas de emissões de GEE.

Empresas a serem reguladas e obrigações


Ficam sujeitos à regulação do SBCE os operadores de fontes (processo ou atividade cuja operação libere na atmosfera GEE, aerossol ou precursor de GEE) ou de instalações (onde se localiza uma ou mais fontes de GEE), cujas emissões excedem 10 mil tCO2e por ano, com exceção da produção agropecuária primária.

Empresas com emissões entre 10 mil e 25 mil tCO2e devem apresentar planos de monitoramento e relatórios anuais sobre emissões e remoções de GEE. Já aquelas com emissões superiores a 25 mil tCO2e por ano, têm a obrigação adicional de reconciliar periodicamente suas emissões.

Agentes envolvidos


A norma dispõe sobre os diversos agentes envolvidos:

  • Certificador de projetos ou programas de crédito de carbono: entidade detentora de metodologias de certificação de crédito de carbono que verifica a aplicação dessas metodologias, com critérios de monitoramento, relato e verificação para projetos ou programas de redução de emissões ou remoção de GEE.
  • Gerador de projeto de crédito de carbono ou de CRVE: pessoa física ou jurídica, povos indígenas ou povos e comunidades tradicionais que têm a concessão, a propriedade ou o usufruto legítimo de bem ou atividade que se constitui como base para projetos de redução de emissões ou remoção de GEE.
  • Desenvolvedor de projeto de crédito de carbono ou de CRVE: pessoa jurídica, admitida a pluralidade, que implementa – com base em uma metodologia que envolve custeio, prestação de assistência técnica ou de outra maneira – projeto de geração de crédito de carbono ou CRVE, em associação com seu gerador, nos casos em que o desenvolvedor e o gerador sejam distintos.

Especificamente no SCBE, há o agente regulado, denominado "operador", classificado como a pessoa física ou jurídica, brasileira ou constituída de acordo com as leis do país, detentora direta ou por meio de algum instrumento jurídico de instalação ou fonte associada a alguma atividade emissora de GEE.

Áreas aptas à geração de crédito de carbono e CRVEs


No texto da norma, foram consideradas elegíveis para o desenvolvimento de projetos e programas de geração de créditos de carbono e de CRVE as seguintes áreas:

  • unidades de conservação federais, estaduais ou municipais, desde que não proibido pelo plano de manejo da unidade;
  • imóveis de domínio público, desde que o usufruto não seja do ente público que tem a propriedade do imóvel;
  • imóveis de usufruto privado;
  • terras indígenas, territórios quilombolas e outras áreas tradicionalmente ocupadas por povos e comunidades tradicionais;
  • lotes de projetos de assentamentos agrários;
  • unidades de conservação de uso sustentável;
  • florestas públicas não destinadas;
  • áreas de preservação permanente (APP), de reserva legal (ARL) ou de uso restrito (AUR), desde que para recomposição, manutenção e/ou conservação; e
  • outras áreas, desde que não haja proibição legal expressa.

Titularidade dos créditos de carbono


Originalmente, a titularidade dos créditos de carbono pertence ao gerador do projeto ou do CRVE. No entanto, é possível ajustar a previsão contratual de compartilhamento ou cessão desses créditos em projetos realizados em parceria com desenvolvedores – que também passam a ser titulares.

Tributação dos ativos


Os ganhos decorrentes da alienação dos ativos do SBCE são tributados pelo imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza, o Imposto de Renda (IR). O valor varia de acordo com o regime em que se enquadra o contribuinte e os ganhos provenientes das operações, admitida a dedução de determinadas despesas da base de cálculo do IR.

Programas e projetos de REDD+ e de créditos de carbono


Programas e projetos de REDD+ são projetos de redução das emissões de GEE provenientes do desmatamento e da degradação florestal, conservação dos estoques de carbono florestal, manejo sustentável de florestas e aumento de estoques de carbono florestal. Esses projetos foram objetivamente definidos na Lei 15.042/24, de acordo com as respectivas especificações, como explicado a seguir.

Programas estaduais “REDD+ abordagem de não mercado”


Esses programas envolvem políticas e incentivos para atividades de redução de emissões por desmatamento e degradação florestal e aumento de estoques de carbono por regeneração natural. Podem receber pagamentos por resultados passados por meio de abordagem de não mercado. Deve-se observar a alocação de resultados entre a União e as unidades da federação. Os proprietários e usufrutuários legítimos têm o direito de requerer a exclusão de suas áreas desses programas para evitar dupla contagem na geração de créditos de carbono.

Programas jurisdicionais “REDD+ abordagem de mercado”


Esses programas envolvem políticas e incentivos para a redução de emissões por desmatamento e degradação florestal e o aumento de estoques de carbono com abordagem de mercado, incluindo captação no mercado voluntário, observada a alocação de resultados entre a União e as unidades da federação. É garantido aos proprietários e usufrutuários legítimos o recebimento de receitas proporcionais ao remanescente de vegetação. É proibida qualquer venda antecipada referente a períodos futuros para evitar dupla contagem.

Projetos privados de créditos de carbono


Projetos de redução ou remoção de GEE para geração de créditos de carbono, incluindo atividades de REDD+, desenvolvidos por entes privados (diretamente por gerador ou em parceria com desenvolvedor) nas áreas onde o gerador seja concessionário ou tenha propriedade ou usufruto legítimos.

Projetos públicos de créditos de carbono


Projetos de redução ou remoção de GEE para geração de créditos de carbono, incluindo atividades de REDD+, desenvolvidos por entes públicos em áreas onde têm propriedade e usufruto, desde que não haja sobreposição com áreas de propriedade ou usufruto legítimos de terceiros.

Período de transição para a implementação do SBCE


Na prática, o SBCE não passará a produzir efeitos automaticamente. Foram desenhadas cinco fases para a sua implementação:

  • Fase I: período de 12 meses, prorrogável por mais 12 meses, para a edição da regulamentação da lei, contado de sua entrada em vigor;
  • Fase II: período de um ano para operacionalização, pelos operadores, dos instrumentos para relato de emissões;
  • Fase III: período de dois anos, em que os operadores estarão sujeitos somente ao dever de submissão de plano de monitoramento e de apresentação de relato de emissões e remoções de GEE ao órgão gestor do SBCE;
  • Fase IV: vigência do primeiro Plano Nacional de Alocação, com distribuição não onerosa de CBEs e implementação do mercado de ativos do SBCE;
  • Fase V: implementação plena do SBCE, ao fim da vigência do primeiro Plano Nacional de Alocação.

Considerações e expectativas

A edição da Lei 15.042/24 oferece maior segurança jurídica para a comercialização de créditos de carbono no país e supre uma demanda bastante reivindicada pelas áreas técnicas e estudiosos sobre o assunto, além de trazer definições claras de termos importantes para o comércio de carbono. Por outro lado, a norma depende de regulamentação, o que naturalmente acarreta lacunas sobre sua efetiva aplicação.

Apesar dessas questões, vale lembrar que, com a publicação da lei, o Brasil passa a integrar o grupo de países que têm um sistema regulado de carbono, reforçando seu compromisso com a agenda de descarbonização e com a sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), que foi atualizada e recém-submetida à Convenção do Clima.

Na COP29, ocorrida em novembro deste ano no Azerbaijão, o Brasil reafirmou as suas metas de redução de GEE para 2035, com corte entre 59% e 67% em comparação com os níveis de 2005. Isso equivale, respectivamente, a 850 milhões e 1,05 bilhão de toneladas de CO₂eq em termos absolutos.