A desburocratização das contratações públicas é uma das principais bandeiras do governo federal brasileiro. Entre as ações adotadas ao longo de 2019 nesse sentido está a edição da Instrução Normativa nº 1/2019 pela Secretaria de Governo Digital do Ministério da Economia. Um dos mais relevantes marcos no aperfeiçoamento da interlocução público-privada, a norma dispõe sobre o processo de contratação de soluções de TI pelos órgãos e entidades da Administração Pública federal integrantes do Sistema de Administração dos Recursos de Tecnologia da Informação (Sisp).
A IN 19/2019 foi editada em atenção às recomendações feitas no Acórdão nº 2.569/2019 pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que identificou uma série de falhas e ineficiências em práticas e processos que adotados pela Administração Pública federal para a contratação de soluções de TI e indicou a necessidade de adoção de novos parâmetros para atender melhor o interesse público.
As modificações introduzidas pela IN 19/2019 agitaram o mercado de prestadores de serviços e fornecedores de produtos e soluções de TI, que se viram obrigados a alterar determinadas práticas consolidadas em contratações com o poder público. A norma serviu também para esclarecer temas que antes careciam de detalhamento. Um deles é a prova de conceito ou POC (proof of concept, na sigla em inglês), que designa os testes realizados para demonstrar se determinado produto ou serviço funciona na prática e qual o respectivo nível de eficiência.
A Administração Pública contratante utiliza a POC para aferir, por exemplo, as especificações técnicas, funcionalidades, desempenho, adequação ao ambiente tecnológico do órgão ou entidade em que a solução será utilizada, entre outros fatores que sejam relevantes para a contratação.
A POC gera evidências documentadas que subsidiam as decisões do administrador público contratante para (i) planejar uma contratação (apurando os requisitos técnicos das soluções de TI que possam atender às necessidades, por exemplo) ou para (ii) avaliar a adequação da solução de TI apresentada por um licitante às especificações técnicas exigidas no instrumento convocatório (isto é, no Termo de Referência do Edital).
Quando a POC é realizada na fase de planejamento da contratação, é necessário observar alguns procedimentos para afastar o risco de direcionamento (ainda que involuntário) do edital e do termo de referência em benefício de determinada solução de TI ou de um licitante específico.
Ainda que não utilize expressamente o termo POC para fins de planejamento de uma contratação, a IN 1/19 discorre sobre o tema no seu artigo 11, incisos I e II, ao tratar da “análise comparativa de soluções” para subsidiar o Estudo Técnico Preliminar da Contratação – documento que descreve a análise feita pela Administração Pública das condições da contratação em termos de necessidades, requisitos, alternativas, escolhas, resultados pretendidos e demais características. O objetivo é demonstrar a viabilidade técnica e econômica da contratação.
O Estudo Técnico Preliminar da Contratação deverá obrigatoriamente compreender essa análise comparativa das soluções de TI do ponto de vista econômico e qualitativo, observando as alternativas de mercado, os diferentes modelos de prestação do serviço e os diferentes tipos de soluções em termos de especificação, composição ou características dos bens e serviços integrantes, entre outros fatores.
Uma vez realizado, o Estudo Técnico Preliminar da Contratação servirá de base para a elaboração do Termo de Referência do Edital (ou projeto básico), que define o objeto da contratação, descreve a solução de TI e especifica os requisitos da contratação. Dessa forma, é imprescindível que a POC seja realizada de acordo com os procedimentos elencados no estudo, a fim de afastar os riscos associados ao direcionamento da contratação.
No Acórdão nº 2.569/2018, o TCU condenou a prática de registro de oportunidade envolvendo a concessão de descontos diferenciados por fabricantes de soluções de TI para revendedores que disponibilizarem recursos humanos e materiais próprios para realizar a POC em uma contratação pública – prática ilegal que atenta contra a competitividade da licitação e que deve ser evitada pelos players de mercado desse segmento.
Embora os procedimentos previstos na IN 1/19 sejam vinculantes apenas para os órgãos da Administração Pública federal, é certo que eles refletem as melhores práticas de POC do ponto de vista do poder público e da jurisprudência do TCU. Por esse motivo, as práticas de POC dos interessados em cooperar com a Administração Pública no planejamento de uma futura contratação devem manter harmonia com as normas da IN 1/19, contribuindo para que elas sejam adequadamente cumpridas pelo ente público contratante.
Com a necessidade constante de aprimoramento e modernização dos sistemas e processos utilizados por órgãos e entidades públicas, a tendência é de forte crescimento das contratações de soluções de TI pela Administração Pública brasileira, o que exigirá das empresas interessadas o estrito cumprimento das regras estabelecidas pela IN 1/19.