A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu, no julgamento do Recurso Especial 1.991.103/MT (REsp 1.991.103/MT) ocorrido em abril, os limites da atuação do juízo da recuperação judicial para decidir sobre constrições determinadas em execuções individuais movidas por credores extraconcursais e a (im)possibilidade de proibir constrições que recaiam sobre bens da devedora após o período legal de suspensão das execuções contra a recuperanda – o conhecido stay period.

Em uma interpretação dos artigos 6º, §7º-A, da Lei 11.101/05, incluído na reforma de 2020, e da parte final do art. 49, §3º, da mesma lei, estabeleceu-se que “a competência do Juízo recuperacional para sobrestar o ato constritivo realizado no bojo de execução de crédito extraconcursal restringe-se àquele que recai unicamente sobre bem de capital essencial à manutenção da atividade empresarial (...) a ser exercida apenas durante o período de blindagem”.

Segundo a interpretação do STJ no julgamento do REsp 1.991.103/MT, a partir desse novo dispositivo, não caberia falar em juízo universal da recuperação judicial, na medida em que este não teria competência para decidir, sempre, sobre a legalidade de todos os atos que recaiam sobre os bens da devedora.

A competência do juízo da recuperação judicial, de acordo com o decidido no recurso especial, estaria limitada ao exame de:

  • penhoras que recaiam sobre bens de capital (isto é, aqueles diretamente utilizados na cadeia produtiva) e que sejam essenciais à atividade praticada pela devedora; e
  • ao período de suspensão das execuções a que se refere o art. 6º, inciso II, da Lei 11.101/05.

Na ocasião, ressaltou-se a importância de equalizar os interesses dos credores que, por opção legislativa, estão excluídos dos efeitos da recuperação judicial, com o princípio da preservação da empresa: “uma vez exaurido o período de blindagem – sobretudo nos casos em que sobrevém sentença de concessão da recuperação judicial, a ensejar a novação de todas as obrigações sujeitas ao plano de recuperação judicial – é absolutamente necessário que o credor extraconcursal tenha seu crédito devidamente equalizado no âmbito da execução individual, não se mostrando possível que o Juízo da recuperação continue, após tal interregno, a obstar a satisfação de seu crédito, com suporte no princípio da preservação da empresa, o qual não se tem por absoluto”.

O objetivo da Lei 11.101/05 seria garantir a recuperação das atividades empresariais efetivamente viáveis, com a retirada dos empresários inviáveis do mercado com a maior rapidez possível.

A dependência de bens de determinados credores (os proprietários fiduciários excluídos da recuperação judicial) aliada à incapacidade de arcar com suas obrigações extraconcursais, mesmo após a reestruturação das dívidas por meio do plano de recuperação judicial, criaria dúvidas, inclusive, quanto à viabilidade econômica da devedora.

Nas palavras do ministro relator, Marco Aurélio Belizze, “se mesmo com o decurso do stay period (e, uma vez concedida a recuperação judicial), a manutenção da atividade empresarial depende da utilização de bem – o qual, em verdade, não é propriamente de sua titularidade – e o correlato credor proprietário, por outro lado, não tem seu débito devidamente equalizado por qualquer outra forma, esta circunstância fática, além de evidenciar um sério indicativo a respeito da própria inviabilidade de soerguimento da empresa, distorce por completo o modo como o processo recuperacional foi projetado, esvaziando o privilégio legal conferido aos credores extraconcursais, em benefício desmedido à recuperanda e aos credores sujeitos à recuperação judicial”.

O precedente é bastante importante, em especial, para o mercado de crédito, pois parece indicar uma limitação bem-vinda ao entendimento de que o princípio da preservação da empresa se sobreporia aos direitos e interesses dos credores. Essa, por vezes, foi a linha adotada inclusive pelo STJ para submeter atos de constrição patrimonial ao juízo da recuperação judicial.[1]

A decisão no REsp 1.991.103/MT reforça a impossibilidade de voltarem a ocorrer casos envolvendo empresas em recuperação judicial que, após o encerramento do stay period, impeçam indefinidamente a execução de créditos ou retomada de bens alienados fiduciariamente por seus credores extraconcursais.

Não raro, o juízo da recuperação judicial indeferia os direitos dos credores não sujeitos com base na aplicação do princípio da preservação da empresa.

Desse modo, parece-nos que o entendimento do STJ expresso no recurso especial mencionado deu à Lei 11.101/05 a interpretação mais alinhada aos objetivos do legislador, equalizando de forma adequada os interesses envolvidos em uma recuperação judicial.

De toda forma, ainda é cedo para prever se o REsp 1.991.103/MT levará o STJ a consolidar esse posicionamento.

É importante acompanhar futuras decisões do STJ sobre o assunto. Novos julgamentos sobre a limitação da competência do juízo da recuperação judicial para restringir constrições determinadas pelos juízos em que se processam execuções individuais de credores extraconcursais e a possibilidade de retomada dos bens de capital após o término do prazo de blindagem permitirão verificar se há consenso no entendimento do tribunal sobre essa matéria.

 


[1] Como exemplo, cite-se o Recurso Especial 1.610.860/PB, julgado pela Terceira Turma do STJ, e o Agravo Interno 1.692.612/RJ, julgado pela Quarta Turma do STJ