Ganhou imensa repercussão na sociedade e na mídia nos últimos dias a proposta de emenda à Constituição (PEC) apresentada pela deputada federal Erika Hilton para pôr fim à escala 6x1 no Brasil.

Neste artigo, abordamos os principais pontos a serem considerados para a discussão adequada do assunto.

O que é a escala 6x1?

A escala 6x1, como o próprio nome sugere, é aquela utilizada em algumas empresas e segmentos, prevendo que o empregado trabalhe seis dias consecutivos na semana e descanse um.

Essa escala atualmente é permitida porque, em geral, a jornada de trabalho prevista no ordenamento jurídico em vigor prevê o cumprimento de oito horas diárias de trabalho e 44 horas semanais, que podem ser divididas inclusive em seis dias de trabalho por semana.

A escala 6x1 não impacta o direito do trabalhador em relação ao intervalo intrajornada, aos feriados e ao descanso semanal remunerado.

Essa escala é geralmente adotada em setores que funcionam 24 horas por dia, sete dias por semana, como hotéis, farmácias e restaurantes.

O que diz a PEC pelo fim da escala 6x1?

A PEC que pretende dar fim à escala 6x1 no Brasil altera o artigo 7º, XIII, da Constituição Federal (CF), que passaria a ter a seguinte redação:

Redação atual do artigo 7º, XIII, da CF Redação proposta para o artigo 7º, XIII, da CF
XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e trinta e seis horas semanais, com jornada de trabalho de quatro dias por semana, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;

Segundo a deputada Erika Hilton, a proposta tem como objetivo adequar a legislação trabalhista brasileira a um movimento global de flexibilização de jornada de trabalho e compatibilização da vida profissional com a vida pessoal, permitindo que o indivíduo usufrua de momentos de lazer com sua família e tenha maior qualidade de vida – o que reduziria a exaustão física e mental dos trabalhadores.

A justificativa da proposta destaca que essa seria mais uma conquista dos trabalhadores, além de direitos como o descanso semanal remunerado, férias, licença-paternidade e maternidade, abonos de faltas, entre outros.

Embora a PEC tenha sido apresentada com o objetivo de acabar com a escala 6x1, na prática não é exatamente isso que a proposta estabelece. O que ela propõe, na verdade, é uma redução da jornada constitucional semanal de 44 para 36 horas semanais, que poderiam ser distribuídas durante a semana de acordo com a necessidade do empregador, desde que respeitado o limite diário de oito horas.

Assim, ainda seria possível, por exemplo, estabelecer uma jornada 6x1 em que o empregado trabalhe seis horas por dia, o que totalizaria 36 horas semanais.

Além disso, destacamos que a PEC não precisaria ser proposta para alcançar seu objetivo. Isso porque ela está na contramão das reformas trabalhistas estabelecidas para modernizar e flexibilizar os direitos trabalhistas, incluindo a Lei 13.467/17, que elevou o negociado à condição do legislado.

Assim, a PEC desconsidera que já existe a possibilidade hoje, com a inclusão do artigo 611-A na CLT, de que isso já poderia ser feito via negociação coletiva, analisadas as peculiaridades de cada setor e entendendo os sindicatos que representam os trabalhadores e empregadores pela redução da jornada de trabalho.

Em última análise, a PEC poderia implicar a redução do poder de negociação do sindicato, ao desconsiderar a relevância que a negociação coletiva assume no ordenamento jurídico, inclusive por ser alçada à condição de direito fundamental do trabalhador.

Repercussão

A PEC pelo fim da jornada 6x1 ganhou grande apelo popular. Oriunda do Movimento Vida Além do Trabalho (VAT), a proposta foi fortalecida por um abaixo-assinado que ultrapassou 1,5 milhão de assinaturas.

Para ser formalizada e passar a tramitar no Congresso Nacional, a proposta precisava do apoio de 171 deputados. Após a repercussão do tema nas redes sociais, o número de deputados que aderiram à iniciativa aumentou significativamente. No dia 13 de novembro, a proposta alcançou o número de assinaturas necessárias para tramitar no Congresso.

O ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, declarou a importância do debate sobre a jornada. No entanto, não manifestou expressamente se seria a favor ou contra a PEC, indicando que o Congresso Nacional deve tomar a decisão final sobre uma possível nova regulamentação:

“Esse debate da jornada é importantíssimo. Quem é a autoridade para dar a palavra final é o Congresso Nacional, é o Parlamento. Portanto, é preciso se movimentar em relação a isso para que o Congresso possa refletir, avaliar e tomar a decisão se é hora, se é momento de fazer uma nova regulagem de jornada.”

Assessores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva garantiram que ele atuaria para mobilizar o Congresso em defesa da proposta, embora nenhum pronunciamento oficial tenha sido feito.

A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) manifestou sua posição contrária à PEC:

“Embora entendamos e valorizemos as iniciativas que visam promover o bem-estar dos trabalhadores e ajustar o mercado às novas demandas sociais, destacamos que a imposição de uma redução da jornada de trabalho sem a correspondente redução de salários implicará diretamente no aumento dos custos operacionais das empresas. Esse aumento inevitável na folha de pagamento pressionará ainda mais o setor produtivo, já onerado com diversas obrigações trabalhistas e fiscais.”

A Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) também emitiu nota demonstrando preocupação com o possível retrocesso que a PEC representaria:

“Entre os impactos estariam a perda de produtividade. Segundo estudo da Gerência de Economia da FIEMG, a diminuição da carga horária semanal pode resultar em uma perda de R$ 8,5 bilhões para as indústrias brasileiras e de R$38 bilhões para os setores produtivos de modo geral do país.”

Já o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) demonstra em suas notas técnicas que a situação atual do Brasil em termos de jornada de trabalho é muito negativa para o trabalhador, com jornadas extenuantes e exaustivas.

A PEC dividiu também a opinião dos economistas. Para a economista Marilane Teixeira, da Unicamp, a adoção da redução da jornada de trabalho sem redução dos salários impulsiona a economia brasileira e a redução de desigualdades, além de gerar aumento do consumo e maior produção de serviços, o que, em última análise, implicaria aumento da empregabilidade. Acrescenta ainda a economista:

“Com jornadas menores, quem trabalha vai ter mais tempo para lazer, para os estudos, para a vida pessoal, vai aproveitar melhor o tempo, inclusive consumindo mais. A atividade econômica também melhorará.”

Já o economista Pedro Fernando Nery, doutor em Economia do Meio Ambiente, mestre em Economia e bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade de Brasília (UnB), aponta que é preciso refletir sobre possíveis efeitos negativos da PEC, como aumento do número de demissões e encerramentos de estabelecimentos menores, como pequenos restaurantes e hotéis, para os quais a jornada 6x1 é fundamental. Para ele, caso aprovada, a PEC deveria ser implementada de forma gradual e com compensações que evitem o desemprego e o retrocesso econômico.

Conclusão

A PEC pelo fim da escala 6x1 coloca o Brasil entre os países que pretendem discutir o futuro do trabalho e melhores práticas globais de flexibilização e humanização, mas é preciso entender que o país tem realidade e características próprias que o diferenciam, em muito, por exemplo, de países europeus que foram pioneiros nessas medidas. No Brasil, entendemos que existem temas mais urgentes a serem debatidos.

A preocupação com maiores conquistas para os direitos dos trabalhadores deve, igualmente, vir acompanhada do progresso econômico e não pode impactar negativamente a economia, já que, em um cenário de retrocesso econômico, seriam os próprios trabalhadores os prejudicados pela desaceleração da economia e pelo aumento do desemprego.

Portanto, entendemos que a PEC deve ser acompanhada de estudos econômicos sobre suas consequências e viabilidade para os diferentes setores. Se implementada, deve ser feita de forma gradual e com possibilidade de tratamentos excepcionais, de acordo com as peculiaridades de cada setor da economia.

Vale lembrar que a redução da jornada de trabalho para os setores em que essa flexibilização é possível e não gera impactos negativos já pode ser feita por meio de negociações coletivas entre os sindicatos representativos.