Aconteceu hoje pela manhã a live em que o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) prestou esclarecimentos sobre o Relatório de Transparência Salarial. O Relatório tem por objetivo avaliar a igualdade de salários e remuneração entre homens e mulheres, como dispõe a Lei 14.611/23.[1]

Segundo o MTE, o primeiro Relatório de Transparência Salarial estará disponível para as empresas até o dia 15 de março. Cada empresa terá até o final do mesmo mês para publicar o respectivo Relatório em seus sítios eletrônicos, redes sociais ou em instrumentos similares, em local visível, de forma a garantir a ampla divulgação para seus empregados, trabalhadores e público em geral.

O Relatório de Transparência Salarial será dividido em duas partes e composto pelas seguintes informações:

  • total de empregados considerando o sexo e a raça/etnia;
  • razão entre a remuneração de mulheres e homens, considerado o salário médio efetivamente pago em 2022 e o salário mediano contratual e de admissão em 2023 – a comparação será feita com base nos Grandes Grupos de Ocupações da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO); e
  • informações complementares fornecidas pelas empresas no Portal Emprega Brasil.

De acordo com os representantes do MTE, qualquer centavo de diferença que não tenha uma explicação jurídica válida indicará discriminação. Nessa situação, se exigirá o desenvolvimento de um plano de ação e os empregadores ficarão expostos às multas estabelecidas pela legislação.

Diante das diversas dúvidas que têm surgido sobre o Relatório de Transparência Salarial, a apresentação do modelo na live de hoje foi importante, pois trouxe maior clareza às empresas. Elas agora, conseguem visualizar como as informações serão utilizadas pelo MTE e divulgadas na prática, o que permitirá que consigam antecipar potenciais distorções e se preparar para tratá-las.

A partir das considerações apresentadas pelo MTE, entendemos que a metodologia a ser adotada não observa os requisitos para equiparação salarial, especialmente o trabalho de igual valor e exercício da mesma função, já que não segue o conceito disposto no artigo 461, §1º, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e nem a própria regra da Lei 14.611/23.

A utilização da remuneração média – e desatualizada (informações de 2022 e 2023) – como parâmetro também parte de uma base comparativa não objetiva, que não reflete a realidade atual da empresa.

A utilização dos Grandes Grupos de Ocupações como parâmetro de agrupamento para comparação da remuneração de mulheres e homens indica uma avaliação ampla e sem a especificidade que o tema exige (exercício de mesma função).

Isso porque essa classificação corresponde ao nível mais amplo da CBO, composto por apenas dez grupos de ocupações, os quais, individualmente, agregam competências e similaridades das atividades executadas pelas respectivas CBOs que os compõem.

Se já suspeitávamos que a utilização de CBOs tornaria o resultado do Relatório de Transparência Salarial incerto, agora temos certeza de que os dados utilizados gerarão inconsistências que não refletem a realidade das empresas.

Não haverá comparação de remuneração entre mulheres e homens que realizam a mesma atividade ou função. Dependendo da forma como os homens e mulheres são distribuídos nos cargos da empresa, as informações divulgadas no Relatório de Transparência Salarial indicarão diferenças salariais que, na prática, não estão vinculadas à discriminação de gênero.

O modelo apresentado pelo MTE também não utiliza critérios/dados que permitam identificar possíveis desigualdades decorrentes de nacionalidade e idade, desconsiderando parte dos parâmetros estabelecidos pela Lei 14.611/23.

As informações complementares preenchidas pelas empresas no Portal Emprega Brasil serão simplesmente reproduzidas pelo MTE no Relatório de Transparência Salarial. Não haverá um contexto ou explicação sobre o objetivo das perguntas e, consequentemente, em qual contexto as respostas se encaixam.

Ou seja, novamente, o Relatório de Transparência Salarial não aprofunda questões práticas que necessitam de esclarecimentos ou, até mesmo, ignora metodologias específicas utilizadas pelas empresas que fariam diferença no resultado da análise comparativa.

Ao optar pela metodologia apresentada, o MTE desconsidera as atuais estruturas corporativas das maiores empresas no Brasil. O modelo divulgado tratará o tema de forma superficial. O relatório proposto, portanto, tende a gerar mais distorções do que discussões construtivas em benefício de objetivo tão nobre e não permitirá atingir o resultado pretendido pelo legislador ao elaborar a Lei 14.611/23 – verificar a real igualdade de gênero nas empresas.

Durante a live, os representantes da MTE demonstraram preocupação com discriminação estrutural e esclareceram que, se as empresas tiverem explicações válidas para as diferenças salariais identificadas, essas diferenças não caracterizarão discriminação ou infração à Lei de Igualdade Salarial (como em caso de diferenças remuneratórias relacionadas a alcance de metas de desempenho, características específicas de uma determinada ocupação, diferença de senioridade entre os empregados que foram agrupados pela análise do MTE).

Antes de autuar a empresa, também foi esclarecido que o MTE permitirá que a empresa explique se há motivos juridicamente válidos para justificar as diferenças salariais identificadas.

Diante do exposto, independentemente da divulgação pelo MTE do Relatório de Transparência Salarial e de os representantes do MTE e do Ministério das Mulheres terem dito expressamente que as empresas não precisam preparar os seus próprios relatórios, entendemos que continua sendo essencial e altamente recomendado a elaboração de relatórios próprios.

Nesses documentos, as empresas deverão observar a legislação trabalhista de forma correta e tratar as inconsistências e distorções apontadas no modelo governamental.

As empresas precisam estar preparadas para prestar as informações e os esclarecimentos necessários às autoridades governamentais e, também, à sociedade, demonstrando que não existe discriminação de gênero em sua organização.

O Machado Meyer Advogados continuará acompanhando a evolução do assunto e seus potenciais desdobramentos.

 


[1] A íntegra da live do MTE, que contou com a participação de representantes do MTE e do Ministério das Mulheres envolvidos no projeto, está disponível neste link.