Sancionada em 3 de julho pelo presidente Luis Inácio Lula da Silva, a Lei 14.611/23 estabelece que a igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens será obrigatória em casos de trabalho que tenha igual valor ou no exercício de mesma função.
Ao longo das últimas semanas, desde a aprovação do projeto de lei pelo Senado e envio para sanção presidencial, o tema tem gerado grande debate e especulações entre as empresas sobre quais seriam os reais impactos decorrentes da nova lei.
Conforme matéria publicada pelo Reset, o Santander divulgou recentemente relatório sobre diferenças salariais de gênero existentes nas empresas listadas no Ibovespa. Há também diversos outros estudos – inclusive públicos – que tratam do assunto, considerando apenas o valor de salários pagos para homens e mulheres que ocupam o mesmo nível organizacional (coordenadores, diretores etc.).
Do ponto de vista estritamente jurídico, entretanto, esses estudos não são suficientes para verificar eventuais diferenças salariais de gênero existentes nas empresas. Para que seja possível identificar juridicamente esse fato, os dados comparados devem considerar todos os requisitos legais previstos no artigo 461 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT):
- identidade de função;
- trabalho de igual valor, com igual produtividade e mesma perfeição técnica, prestado ao mesmo empregador e no mesmo estabelecimento empresarial;
- diferença de tempo de serviço para o mesmo empregador não superior a quatro anos; e
- diferença de tempo na função não superior a dois anos.
Ou seja, a análise jurídica não pode levar em consideração apenas o nome do cargo ou o nível organizacional para comparar salários entre mulheres e homens.
É plenamente legítimo, inclusive, que diretores em diferentes posições recebam diferentes salários, independentemente de gênero: o diretor jurídico pode ganhar salário diferente do diretor financeiro que, por sua vez, pode ganhar salário diferente do diretor de operações. Não existiria, nesses casos, qualquer problema ou violação às regras da CLT e da Lei 14.611/23, independentemente de os cargos serem ocupados por homens ou mulheres.
A Lei 14.611/23 não mudou as regras de igualdade salarial existentes. Passou, entretanto, a expor as empresas a consequências legais mais severas em caso de violação dos requisitos mencionados acima e, consequentemente, a maiores riscos financeiros.
Além disso, ao estabelecer a obrigação de publicar semestralmente relatório de transparência salarial e de critérios remuneratórios, dá mais visibilidade a eventuais desigualdades praticadas.
Essa obrigação é, sem dúvida, a novidade mais importante introduzida pela nova lei. Em função dela, empresas deverão realizar análises jurídicas considerando suas especificidades e as características do trabalho de cada um dos seus empregados, para verificar se há ou não desigualdade salarial entre homens e mulheres.
Esse estudo, que deverá ser realizado com a participação ativa dos departamentos jurídicos das empresas, será essencial para identificar eventuais riscos jurídicos e para a correta elaboração do relatório de transparência salarial e de critérios remuneratórios.
Detalhamos abaixo as novidades introduzidas pela Lei 14.611/23:
Obrigação de publicação de relatório de transparência salarial
Pessoas jurídicas de direito privado (sociedades, associações e fundações, por exemplo) com 100 ou mais empregados deverão publicar, semestralmente, relatório de transparência salarial e de critérios remuneratórios.
Os relatórios deverão conter dados anonimizados e informações que permitam a comparação objetiva entre salários, remunerações e a proporção de ocupação de cargos de direção, gerência e chefia preenchidos por mulheres e homens, acompanhados de informações que possam fornecer dados estatísticos sobre outras possíveis desigualdades decorrentes de raça, etnia, nacionalidade e idade.
Caso seja identificada a desigualdade salarial ou de critérios remuneratórios, a pessoa jurídica de direito privado deverá apresentar e implementar plano de ação para mitigar a desigualdade, com metas e prazos. Deverá ainda ser garantida a participação de representantes das entidades sindicais e de representantes dos empregados nos locais de trabalho.
Na hipótese de descumprimento das disposições, será aplicada multa administrativa no valor de até 3% da folha mensal de salários do empregador, limitado a 100 salários mínimos.
Aumento da multa para empresas em caso de discriminação salarial
Na hipótese de discriminação salarial comprovada por motivo de sexo, raça, etnia, origem ou idade, além do pagamento das diferenças salariais, o empregador será responsável pelo pagamento de multa administrativa equivalente a dez vezes o valor do novo salário mensal devido à pessoa discriminada (a multa será dobrada no caso de reincidência). Até então, a multa era de um salário mínimo regional, elevado ao dobro, em caso de reincidência.
O pagamento da multa e das diferenças salariais devidas ao(à) empregado(a) discriminado(a) não afasta o direito de ação de indenização por danos morais.
Medidas para garantir a igualdade salarial entre mulheres e homens
A Lei 14.611/23 estabelece as seguintes medidas para garantir a igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens:
- estabelecimento de mecanismos de transparência salarial e de critérios remuneratórios;
- incremento da fiscalização contra a discriminação salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens;
- disponibilização de canais específicos para denúncias de discriminação salarial;
- promoção e implementação de programas de diversidade e inclusão no ambiente de trabalho que abranjam a capacitação de gestores, de lideranças e de empregados sobre o tema da equidade entre homens e mulheres no mercado de trabalho, com aferição de resultados; e
- fomento à capacitação e à formação de mulheres para o ingresso, a permanência e a ascensão no mercado de trabalho em igualdade de condições com os homens.
A nova lei, entretanto, não define quem será responsável por implementar cada uma das medidas acima. O incremento da fiscalização contra a discriminação salarial, certamente, é uma obrigação do Poder Executivo. As demais medidas, por outro lado, poderiam ser implementadas tanto por entes públicos como por entes privados.