O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu, em 1º de março, o julgamento em que reconheceu a existência de repercussão geral da matéria tratada no Recurso Extraordinário 1.446.336 (RE 1.446.336), apresentado pela plataforma Uber. No recurso, se discute a existência de vínculo empregatício entre motorista e plataforma.
O mérito do tema não foi analisado na ocasião. Quando o julgamento do recurso for pautado, porá fim à discussão sobre a existência ou não do vínculo empregatício. Isso porque, com o reconhecimento da repercussão geral, a decisão proferida em definitivo pelo STF afetará, de uma única vez, diversos processos que discutem o mesmo assunto. Dessa forma, todos os tribunais serão obrigados a aplicar o entendimento dado pela Suprema Corte.
O recurso extraordinário foi interposto pela Uber contra acórdão proferido pela 8ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Nesse acórdão, manteve-se a decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT1), que reconheceu a presença dos requisitos previstos nos artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) para formação de vínculo empregatício entre um motorista e a plataforma.
O primeiro voto a reconhecer a repercussão geral do recurso foi dado pelo ministro relator Edson Fachin. Ao admitir a insegurança jurídica em relação à matéria no atual cenário do Judiciário brasileiro, o ministro manifestou a necessidade de uniformização das decisões sobre o tema, em atendimento aos princípios da livre iniciativa e dos direitos sociais laborais constantes na Constituição Federal.
Todos os demais ministros acompanharam o relator.
Como destacado pelo relator, esse é um dos “temas mais incandescentes na atual conjuntura trabalhista-constitucional, catalisando debates e divergências consistentes, tanto no escopo doutrinário, quanto no âmbito jurisprudencial”.
O embate é tão grande que há decisões do Tribunal Superior do Trabalho que se opõem diametralmente ao entendimento já adotado pelo STF. A Suprema Corte, em sua maioria, já decidiu inexistir vínculo de emprego entre os motoristas e a plataforma digital.
Esse conflito de decisões tem levado ao aumento do número de reclamações constitucionais (RCL). Esse tipo de ação é um remédio apresentado ao STF para garantir a autoridade de suas decisões (artigo 102 da CF) e seu cumprimento.
Nesse contexto, chamou a atenção a decisão proferida nos autos da RCL 63.823 pelo ministro Cristiano Zanin, que cassou decisão anterior do TST, a qual reconhecia a existência de vínculo empregatício entre um entregador e a plataforma Rappi.
O ministro Zanin afastou o vínculo por considerar que o julgado violou precedentes sobre a validade da terceirização. Esses precedentes foram firmados, por exemplo, na ADC 48, na ADPF 324 e no RE 958.252, que consagram a liberdade econômica e de organização das atividades produtivas.
A discussão sobre vínculo também tem ganhado palco no Superior Tribunal de Justiça (STJ). A Corte Superior vem sendo chamada a analisar a qual tribunal compete julgar o desvirtuamento de um contrato de natureza autônoma.
Em recente decisão no STJ, no Conflito de Competência 202.726, a ministra Nancy Andrighi entendeu que compete à Justiça comum, e não à Justiça do Trabalho, analisar o contrato para constatar se há vínculo empregatício ou não.
Além da discussão ser uma das mais emblemáticas no âmbito do Poder Judiciário, no dia 4 de março, o presidente da República encaminhou ao Congresso Nacional um Projeto de Lei Complementar (PLC) que pretende regulamentar a atividade de motoristas de transporte intermediado por aplicativos.
O PLC prevê uma jornada máxima de 12 horas, fixa pagamento mínimo de R$ 32,90 por hora (com ajuste anual de acordo com o salário mínimo), estabelece a inclusão obrigatória na Previdência Social, limita a possibilidade de exclusão de motoristas da plataforma e consolida os acordos ou convenções coletivas como principal instrumento de negociação entre plataformas e motoristas.
A regulamentação não atingirá os entregadores que utilizam bicicletas e motocicletas.
A discussão, de qualquer forma, impacta diretamente, no mínimo, 10 mil processos em que se discute o reconhecimento de vínculo entre os trabalhadores e as empresas de transporte de mercadorias ou de passageiros por meio de plataformas digitais – o que causa grande embate judicial, estendido, agora, ao Legislativo.
Apesar de estar prevista a suspensão dos processos que se relacionem ao tema devido ao reconhecimento da repercussão geral pelo STF (artigo 1.035, §5º, do Código de Processo Civil), não houve determinação expressa pela Suprema Corte nesse sentido. Dessa forma, será necessário aguardar a análise do pedido de suspensão realizado pela empresa recorrente.
Todo esse cenário, além de trazer insegurança jurídica, dá espaço para que sejam proferidas decisões conflitantes até que a questão seja totalmente resolvida pelo STF.