Em sentença proferida no âmbito da ação popular 0150428-88.2020.8.19.0001, no dia 23 de janeiro, a 15ª Vara de Fazenda Pública da Comarca da Capital do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro declarou a nulidade das sessões e deliberações do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Conema) realizadas a partir de 14 de setembro de 2019.
O tribunal determinou também que o estado do Rio de Janeiro se abstenha de conceder novas licenças ambientais com base nessas deliberações, até que as irregularidades relacionadas à designação dos membros do Conema e à paridade na composição do conselho (reconhecidas na sentença) sejam devidamente corrigidas.
A ação popular, iniciada em julho de 2020 contra o estado do Rio de Janeiro, tem como objeto o licenciamento ambiental de um autódromo internacional que estava sendo planejado na capital fluminense.
Os autores alegaram que a instituição do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Cema) – feita pelo Decreto Estadual 46.739/19 – representaria ofensa ao princípio da legalidade administrativa, já que a constituição estadual de 1989 determina a edição obrigatória de lei estadual para a criação do conselho.
Argumentaram também que a formação do Cema não atende às exigências de paridade na composição de seus membros (que visa garantir a participação dos poderes Executivo e Legislativo, comunidades científicas e associações civis), prevista no artigo 261, § 1º, inciso XXII, da constituição estadual. Apontaram, ainda, a ausência de ato normativo do Poder Executivo para a nomeação de conselheiros titulares e suplentes do órgão.
Com base nesses alegações, os autores da ação popular requereram a nulidade do Decreto Estadual 46.739/19, da Resolução Conema 88/20 e da Resolução Conema 89/20, assim como de todas as sessões e deliberações do Conema expressas nessas duas resoluções – que, respectivamente, aprovou o Regimento Interno do Conema e autorizou a realização de audiências públicas virtuais no âmbito do licenciamento ambiental durante a pandemia.
Apesar de a sentença ter apontado que o objeto principal do processo foi perdido, já que o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) indeferiu a concessão de licença ambiental para o autódromo no Rio de Janeiro, as sessões e deliberações do Conema foram declaradas nulas, “(...) inclusive as resoluções 88 e 89 de 2020, diante da nomeação irregular dos representantes do poder público, bem como da falta de paridade no conselho, em desconformidade com o artigo 261, §1º, XXII da Constituição Estadual do Rio de Janeiro”.
A decisão determina ainda a manutenção da validade de medida cautelar concedida nos autos, para que o estado do Rio de Janeiro se abstenha de conceder novas licenças ambientais “(...) até que as irregularidades ora reconhecidas sejam sanadas”.
Caso confirmada, a decisão poderá afetar a competência de licenciamento delegada aos municípios do Rio de Janeiro, embora esse efeito não tenha sido mencionado explicitamente na sentença.
Isso se dá porque, segundo a previsão contida no artigo 9º, VIX, alínea "b", da Lei Complementar 140/11, compete às municipalidades promover o licenciamento ambiental das atividades ou empreendimentos que causem ou possam causar impacto ambiental de âmbito local, “(...) conforme tipologia definida pelos respectivos conselhos estaduais de Meio Ambiente", de acordo com os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade.
A definição de atividades e empreendimentos de impacto local foi recentemente estabelecida na Resolução Conema 92/21 e na Resolução Conema 95/22. Essas deliberações também foram declaradas nulas pela sentença proferida na ação popular.
Como determina o artigo 19 da Lei da Ação Popular (Lei Federal 4.717/65), a decisão proferida pelo tribunal fluminense produz efeitos de imediato, até que seja interposto recurso de apelação, se for o caso, dotado de efeito suspensivo por força da lei (artigo 1.012, do CPC).
O estado do Rio de Janeiro formulou pedido de suspensão do cumprimento provisório da sentença, sob o argumento de que a medida torna “(...) gravíssima a paralisação econômica do estado” ao impedir o desenvolvimento econômico, descontinuar a prestação de serviços públicos e impactar negativamente em muitos projetos estratégicos, especialmente nos setores de energia, petróleo e gás e saneamento.
Em decisão liminar proferida em 14 de fevereiro, a presidência do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) determinou a suspensão do cumprimento da sentença de primeiro grau, “(...) mantendo a higidez das deliberações do Conema, inclusive os licenciamentos ambientais já analisados e as resoluções 88 e 89 do referido órgão, bem como autorizando a comissão a funcionar normalmente até o trânsito em julgado do processo”.
Em resposta, os autores do processo de origem apresentaram embargos de declaração contra a decisão da presidência do TJRJ, ainda pendentes de apreciação.
Vale acompanhar as discussões e eventuais desdobramentos do tema no curso da ação popular 0150428-88.2020.8.19.0001, cuja sentença, aqui debatida, ainda deve ser objeto de recursos por parte da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro e/ou outras partes interessadas.