Conhecida como Lei do Agro, a Lei 13.986/20 prevê em seus artigos 7º e seguintes o Patrimônio Rural em Afetação (PRA), uma espécie de garantia de financiamento no agronegócio que permite ao proprietário rural a segregação do imóvel rural em sua integralidade ou apenas em uma ou mais frações. O objetivo é garantir determinados títulos de crédito, entre eles a Cédula de Produtor Rural (CPR) e a Cédula Imobiliária Rural (CIR).
O PRA se inspira na afetação patrimonial existente na incorporação imobiliária e busca fomentar o financiamento do setor rural como um mecanismo de auxílio ao crédito. Conforme exposição de motivos da Medida Provisória 897/19, que deu origem à Lei do Agro, o PRA visa “simplificar e ampliar o acesso a recursos financeiros por parte dos proprietários de imóveis rurais, podendo, inclusive, melhorar as condições de negociação nos financiamentos rurais”.
Do ponto de vista ambiental, a Lei do Agro estabelece determinadas obrigações ambientais para a constituição do PRA:
- Entre os documentos necessários para o registro do PRA na matrícula do imóvel, destaca-se a inscrição do imóvel no Cadastro Ambiental Rural (CAR), nos termos da Lei 12.651/12 (art. 12, inciso I, alínea “b”);
- Em caso de constituição do PRA sobre parte do imóvel rural, a fração não afetada deve atender a todas as obrigações ambientais previstas em lei, inclusive em relação à área afetada (art. 12, § 2º); e
- O PRA ou sua parte vinculada a cada CIR deve observar o disposto na legislação ambiental (art. 22, § 2º).
Embora a lei determine a observância às normas ambientais para constituição do PRA, o instituto ainda precisa ser implantado para demonstrar sua eficácia, na hipótese de inadimplência do devedor e consequente transferência da área afetada ao credor.
Isso porque a Lei do Agro não disciplina a responsabilidade pelo passivo ambiental da área. Caso seja constatado dano ambiental no imóvel ou em sua fração destinada a título de PRA, entende-se que o passivo ambiental será automaticamente transferido ao novo proprietário, por força da obrigação propter rem. Ou seja, a obrigação será transferida junto com o direito de propriedade ao novo proprietário.
Nos termos do art. 2º, § 2º, do Código Florestal, Lei Federal 12.651/12, as obrigações previstas na lei têm natureza real e são transmitidas ao sucessor, de qualquer natureza, no caso de transferência de domínio ou posse do imóvel rural.
O dispositivo legal traduz o conceito de obrigação propter rem na medida em que prevê a obrigação de manutenção e restauração de áreas de preservação permanente e de reserva legal ao proprietário, mesmo que não tenha sido o causador da degradação ambiental.
Em outras palavras, o dever de reparação e restauração decorre da posição do sujeito de direito em relação à coisa. Trata-se, assim, de obrigação originada da coisa, por causa da coisa. O que estabelece a obrigação não é a conduta em si, mas o vínculo subjetivo real.
Como destacado acima, uma vez que a Lei do Agro não disciplina a forma de responsabilização pelo passivo ambiental existente na área afetada –por exemplo, eventual déficit de reserva legal ou áreas de preservação permanente que não tenham sido preservadas – o novo proprietário assumirá o referido passivo, com base na obrigação propter rem, caso essa questão não tenha sido objeto de acordo prévio entre as partes.
Vale destacar que a Lei 11.101/05, que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, foi alterada recentemente pela Lei 14.112/20, que incluiu no artigo 60, § 1º, a previsão de que a Unidade Produtiva Isolada (UPI)[1] estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor de qualquer natureza, incluídas, mas não exclusivamente, as de natureza ambiental.
Nesse caso, o legislador estabeleceu exceção à obrigação propter rem no trespasse da UPI. No entanto, para o caso do PRA, a Lei do Agro não é expressa nesse sentido. Com isso, a natureza propter rem das obrigações ambientais relacionadas ao imóvel envolvido no PRA se manterá.
[1] A UPI está prevista no art. 60 da Lei 11.101/05, o qual dispõe que "se o plano de recuperação judicial aprovado envolver alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua realização”. Em resumo, a UPI é um ativo da empresa que pode ser alienado de forma isolada durante o processo de recuperação judicial, com o objetivo de preservar o desenvolvimento das atividades da empresa e também o pagamento do total ou parte dos débitos da empresa em recuperação judicial.