O Tribunal do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) arquivou, em agosto, uma investigação sobre suposta prática de fixação de preço de revenda (FPR) no mercado brasileiro de relógios, após constatar a ausência de poder de mercado da empresa investigada, que havia sido denunciada por implementar política comercial que impunha aos revendedores on-line margem mínima de lucro, com ameaças e retaliação comercial em caso de descumprimento. Apesar de não condenar a empresa investigada, o Cade deu sinalizações importantes ao mercado nesse caso.

A FPR ocorre quando uma empresa estabelece um preço mínimo, fixo ou máximo de revenda aos distribuidores ou revendedores do seu produto, retirando sua liberdade para determinar o preço aos seus clientes. Práticas indiretas como a fixação da margem de lucro também podem configurar FPR.

A fixação pode ser expressa – estabelecida em contrato ou comunicado que indique o preço imposto e a sanção pelo descumprimento – ou implícita – quando o fornecedor constrange os distribuidores ou revendedores a adotarem os preços indicados.

A principal preocupação do Cade nesses casos é a redução da concorrência entre marcas, ou seja, a eliminação da rivalidade entre distribuidores ou revendedores que tende a reduzir preços.

Nessa decisão recente, o Cade reiterou o entendimento de que a mera sugestão de preço de revenda (mínimo ou máximo) e a fixação de preço máximo de revenda geram preocupações concorrenciais muito menores do que a fixação de preço mínimo de revenda.

Além disso, o Cade manteve a presunção relativa de ilicitude da fixação de preço mínimo de revenda, posicionamento mais rigoroso adotado desde 2013. Diante desses casos, a autarquia parte do pressuposto de que a prática tem propósito anticompetitivo e inverte o ônus da prova: cabe à empresa investigada provar que essa presunção é incorreta.

A análise concorrencial da prática de FPR passa pelas seguintes etapas:

  • identificar se a conduta efetivamente ocorreu;
  • delimitar o mercado relevante e aferir se a empresa investigada detém posição dominante/poder de mercado;
  • identificar o dano concorrencial potencial ou efetivo da conduta (ou seja, os efeitos negativos ao mercado); e
  • identificar a racionalidade econômica, eficiências e adequação da conduta para alcançar o objetivo almejado (ou seja, sua justificativa e efeitos pró-competitivos).

A investigação pode ser encerrada caso se constate que a conduta não ocorreu efetivamente ou que a empresa em questão não possuía poder de mercado – o que, na prática, a impossibilitaria de produzir, sequer potencialmente, danos concorrenciais.

Caso, porém, a empresa possua poder de mercado, para evitar uma decisão condenatória será necessário provar que a conduta era amparada por racionalidade econômica (objetivo legítimo) e produziu claros benefícios à concorrência.

Diante desse entendimento rigoroso sobre a eventual legalidade da fixação de preço mínimo de revenda, o Cade apontou que as empresas devem ter cautela na estruturação de suas políticas comerciais.  Elas devem estabelecer um escopo bem definido e delimitado, além de amparado por análises econômicas robustas, baseadas em dados mais completos possíveis, que sustentem a racionalidade econômica almejada e as eficiências econômicas alegadas.