No ordenamento jurídico brasileiro, existem três modalidades de precatórios: as obrigações de pequeno valor, os precatórios de natureza alimentar e os precatórios de natureza comum.
Os precatórios de natureza alimentar são aqueles que, conforme disposto no parágrafo primeiro do artigo 100 da Constituição Federal, decorrem de “salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou invalidez, fundadas na responsabilidade civil, em virtude de sentença transitada em julgado”.
Os honorários advocatícios sucumbenciais fixados pelo Poder Judiciário em desfavor de um ente público (União Federal, estados, municípios, assim como suas autarquias e fundações) também são considerados precatórios alimentares.
Os precatórios alimentares têm preferência na ordem de pagamento em relação aos precatórios de natureza comum. Titulares de precatórios alimentares com, no mínimo, 60 anos ou portadores de doença grave ou de deficiência terão preferência especial dentro da própria modalidade.
Como os precatórios podem levar anos para serem pagos e ainda existem muitas incertezas relacionadas às constantes alterações legislativas no regime desses títulos, são comuns as cessões de precatórios celebradas pelos seus titulares originários com terceiros.
Por meio da cessão de um precatório, o cedente é beneficiado com o recebimento antecipado – parcial – do seu direito creditório, enquanto o cessionário promove a aquisição do precatório com deságio, ou seja, por valor inferior, para receber, no futuro, o pagamento integral do precatório a ser realizado pelo ente público.
Muitos investidores têm dúvidas sobre a manutenção da natureza alimentar do precatório após a sua cessão a um terceiro. Seria o caso, por exemplo, de um fundo de investimento em direitos creditórios que, por meio de cessão, adquira um precatório relativo a um crédito de honorários de sucumbência detido por um advogado ou escritório de advocacia. Em tal situação, a natureza alimentar do precatório se manteria, ainda que o seu adquirente não seja advogado ou sociedade de advogados?
Depois de diversas decisões contraditórias proferidas pelo Poder Judiciário, esse impasse foi resolvido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que deu provimento ao Recurso Extraordinário 631.537 e definiu, por unanimidade, o Tema 361 de repercussão geral. Pela decisão da corte, a mudança na titularidade do precatório alimentar por meio de cessão não implica alteração de natureza, permanecendo o precatório, portanto, com a natureza preferencial originária.
De acordo com o voto do relator, ministro Marco Aurélio, não existe qualquer norma no ordenamento jurídico que determine a alteração da natureza alimentar do precatório após a sua cessão. O Poder Judiciário e o ente público devedor, portanto, não poderiam modificar essa característica preferencial intrínseca do precatório alimentar, que interferiria diretamente na sua sistemática de pagamento.
Segundo o Supremo Tribunal Federal, se o precatório perdesse a qualidade de preferencial, haveria evidentemente menor interesse de investidores na sua aquisição e diminuição do seu valor no mercado, o que seria prejudicial a esses credores considerados preferenciais pela Constituição Federal.
A corte entendeu pela aplicação dos artigos 286 e 298 do Código Civil, no sentido de que não há impedimento à cessão de um precatório alimentar. Ao adquirir um crédito por meio de cessão, o cessionário assume a posição jurídica do cedente, e a cessão abrange os acessórios. Assim, para fins de cessão do precatório, são irrelevantes as condições objetivas ou subjetivas do novo credor, já que ele se sub-roga nas mesmas e exatas condições do credor originário.
Além disso, o artigo 42, §1º, da Resolução 303/19 do Conselho Nacional de Justiça já estabelecia que a cessão não altera a natureza do precatório e que o cessionário poderá gozar de condição preferencial decorrente da natureza alimentar, mantendo-se a posição cronológica original do precatório.
O julgamento do Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário 631.537 é considerado um leading case que trouxe segurança jurídica aos investidores interessados na aquisição de precatórios alimentares e aos seus detentores originários.