A Lei 14.905/24, que altera normas do Código Civil sobre atualização monetária e aplicação de juros moratórios, foi publicada no Diário Oficial da União em 1º de julho, após sanção do presidente da República.

Ao todo, foram alterados oito artigos do Código Civil– 389, 395, 404, 406, 418, 591, 772 e 1.336 – para regulamentar as regras aplicáveis a esses institutos jurídicos nos casos em que não houver convenção entre as partes ou previsão legal específica.

A elaboração dessa nova lei é consequência da insegurança jurídica, decorrente da ausência de regulamentação específica no Código Civil e uniformização da jurisprudência sobre os critérios utilizados para atualização monetária e aplicação dos juros de mora.

A falta de previsibilidade na definição dos montantes devidos em situações de descumprimento de obrigações resultava em interpretações jurisprudenciais divergentes, que variavam de acordo com o entendimento dos tribunais brasileiros. Esse cenário, além de gerar incerteza jurídica, propiciava consequências econômicas importantes.

Embora o Superior Tribunal de Justiça (STJ) venha decidindo que a taxa Selic é o indexador adequado para a correção monetária e os juros moratórios quando os juros moratórios não tiverem sido convencionados ou não houver taxa estipulada, parte dos magistrados vinha desconsiderando o entendimento da Corte Superior e aplica os juros de mora de 1% ao mês.

Essa situação gerou uma discussão que vem sendo travada desde 2008, quando a Corte Especial do STJ julgou os Embargos de Divergência em Recurso Especial 727.842.–A decisão foi reafirmada em 2024, no julgamento do Recurso Especial 1.795.982.

Um exemplo é o disposto no Enunciado 20 da I Jornada de Direito Civil, que, mesmo após a primeira decisão da Corte Especial do STJ sobre o tema, manifestou forte oposição à adoção da Selic para juros moratórios e fez críticas contundentes.

Com a nova lei, espera-se que essa questão seja pacificada, já que a nova redação do artigo 406 do Código Civil determina expressamente, em seu parágrafo 1º, que “a taxa legal corresponderá à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), deduzido o índice de atualização monetária de que trata o parágrafo único do art. 389 deste Código”.

Em relação ao índice de correção monetária, o cenário também era incerto. Ao dispor genericamente que, no caso de não cumprimento da obrigação, o devedor responderia por perdas e danos, mais juros, atualização monetária e honorários a serem calculados “pelos índices oficiais regularmente estabelecidos”, o Código Civil permitia que cada Tribunal de Justiça adotasse o índice que considerasse mais apropriado. Isso impedia qualquer possibilidade de unificar a jurisprudência.

É com base nesse contexto que a Lei 14.905/24 foi elaborada, valendo-se das seguintes definições para as hipóteses em que não houver previsão contratual:

  • Sobre juros moratórios (art. 406):
  • serão fixados de acordo com a taxa legal, que corresponderá à taxa Selic, deduzido o índice de atualização monetária;
  • caso a taxa legal apresente resultado negativo, esse resultado será considerado igual a zero para efeito de cálculo dos juros de mora no período de referência;
  • a metodologia de cálculo da taxa legal e sua forma de aplicação serão definidas pelo Conselho Monetário Nacional e divulgadas pelo Banco Central.
  • Sobre atualização monetária (art. 389):
  • será aplicada a variação do IPCA, apurado e divulgado pelo IBGE, ou do índice que vier a substituí-lo.

Além disso, a nova lei flexibilizou o Decreto 2.626/33 (Lei da Usura), que proíbe a contratação de taxa de juros superior ao dobro da taxa legal e a cobrança de juros compostos. A partir de agora, além de continuar a não ser aplicada às transações bancárias, a Lei da Usura não incidirá nas obrigações:

  • contratadas entre pessoas jurídicas;
  • representadas por títulos de crédito ou valores mobiliários;
  • contraídas com:
    • instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil;
    • fundos ou clubes de investimento;
    • sociedades de arrendamento mercantil e empresas simples de crédito;
    • organizações da sociedade civil de interesse público de que trata a Lei 9.790/99, que se dedicam à concessão de crédito; ou
  • realizadas nos mercados financeiro, de capitais ou de valores mobiliários.

A Lei 14.905/24 entrará em vigor em 60 dias corridos, contados da publicação. A definição da metodologia de cálculo da taxa legal e sua forma de aplicação, porém, ainda dependem de definição e regulamentação pelo Conselho Monetário Nacional. A divulgação será feita pelo Banco Central, que ficará responsável por disponibilizar uma calculadora on-line, para auxiliar o cidadão a simular a taxa de juros legal nas situações do cotidiano financeiro.

Essa inovação legal não vem isenta de críticas. Os três principais aspectos passíveis de questionamentos são:

  • Ainda que se espere que os juristas resistentes à adoção da Selic passem a observar a lei, eles mantiveram suas críticas à adoção do índice como regra geral de juros moratórios de dívidas cíveis, por três principais motivos:

    • dificuldade de operar com a Selic – o que contrariaria o princípio da operatividade do Código Civil –, já que a taxa é redefinida periodicamente e inclui inflação. Isso dificulta o cálculo e resultará na necessidade de criação de calculadora, como já mencionado;
  • necessidade de dedução da inflação, o que, em períodos de Selic baixa, pode levar a juros moratórios próximos ou iguais a zero e facilitar o descumprimento da obrigação; e
    • impossibilidade de conhecimento prévio dos juros moratórios que serão praticados na hipótese de inexecução da obrigação, o que pode levar a uma grande distorção do risco assumido em tempos de Selic baixa, se o cenário macroeconômico mudar drasticamente e a Selic sofrer forte elevação.
  • Imprecisão na alocação de determinadas alterações legais – como a previsão do IPCA como índice de correção monetária na “hipótese de o índice de atualização monetária não ter sido convencionado ou não estar previsto em lei específica”. Essa disposição foi inserida no artigo 389 do Código Civil, que é reservado a obrigações de cunho contratual, o que pode gerar dúvida se o índice também se aplica às obrigações extracontratuais.
  • Remoção, em diversas disposições do Código Civil, da regra que estabelece que a correção monetária precisaria ser pactuada segundo índices oficiais regularmente estabelecidos”. Isso pode abrir margem para que índices que não reflitam a inflação sejam adotados, distorcendo a finalidade da correção monetária, para, por exemplo, embutir sanções moratórias que extrapolem a inflação.

Apesar dessas críticas, o saldo da alteração legislativa aparenta ser positivo, ao contribuir, por exemplo, para mitigar a prática do ajuizamento de ações judiciais em determinados tribunais, devido unicamente ao indexador aplicado por eles.

Ou seja, a supressão das lacunas legislativas até então existentes sobre os índices de juros moratórios e correção monetária afastará as discordâncias observadas nos precedentes judiciais, o que contribuirá bastante para a garantia da isonomia e segurança jurídica.

A liberdade contratual também segue preservada, pois, embora as novas regras definam a maneira como deverá ser efetuada a atualização monetária e a aplicação de juros moratórios, essas alterações legislativas somente serão aplicadas nos casos em que não houver convenção entre as partes ou previsão legal específica.

Os riscos e as críticas mencionados sobre a adoção da Selic, somados a essa possibilidade de as partes convencionarem encargos moratórios e assim ampliarem a previsibilidade, aumentam bastante a importância de as partes se debruçarem detidamente sobre as cláusulas contratuais de encargos moratórios. Essa atitude é fundamental para que as partes estejam cientes e respaldadas sobre os impactos de eventual descumprimento da obrigação.